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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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As pistas para o que se segue até haver eutanásia em Portugal. E as curiosidades da votação

Despenalização da eutanásia foi aprovada -- mas foi só o primeiro passo. Até nova lei entrar em vigor ainda há um longo caminho. E Marcelo pode ser decisivo. Veja aqui quem votou como.

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O primeiro passo está dado, mas está longe de ser o último ou até de ser totalmente decisivo para a existência da eutanásia legal no país. Depois de aprovados os cinco projetos por uma maioria confortável do Parlamento, ainda há um longo caminho a percorrer, com as iniciativas legislativas de PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal a terem ainda de ser cosidas na especialidade, onde os socialistas já avisaram que a intenção é conseguir um texto comum. Além disso, ainda decorre uma recolha de assinaturas a tentar forçar a realização de um referendo e, claro, a decisão final do Presidente da República que ainda não deu sinais do que fará. Mas já há pistas sobre o que aí vem neste processo, mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa se mantenha, para já, em silêncio.

Marcelo Rebelo de Sousa mantém-se em silêncio e não quer ser protagonista deste processo até ter de tomar uma decisão

ESTELA SILVA/LUSA

Marcelo atento e à espera da sua vez

Belém não quer protagonismo na questão da eutanásia até chegar a altura de subir ao palco. E ninguém sabe quando isso poderá ocorrer. Na Presidência fazem-se vários cenários. O processo tanto pode demorar (não há prazo para fechar o dossier nesta legislatura), como pode ficar resolvido até ao verão, como os socialistas já disseram querer, ou até, admite fonte da equipa presidencial, pode haver uma “aceleração brutal e ficar fechado em 15 dias”, para que o assunto se resolva o mais rapidamente possível, e se evite assim divisões profundas na opinião pública. Em Belém acredita-se que a rapidez é a opção preferida por António Costa. Mas qualquer que seja o calendário, Marcelo vai esperar e não quer dar qualquer sinal de que possa estar a interferir.

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A única vez que veio a público dizer mais sobre o tema foi quando esteve na Índia, no dia em que o Expresso trazia em manchete uma notícia que dava conta que o Presidente estaria dividido entre o veto político e o recurso ao Tribunal Constitucional. Ou seja, ficava de fora a possibilidade de Marcelo promulgar a lei. E o Presidente não quis que essa leitura se cristalizasse e falou aos jornalistas portugueses que o seguiam em Mumbai: “Não há avaliações hipotéticas. O Presidente terá uma avaliação efetiva na altura em que tiver de ter. E até lá, as pessoas esperarão e cada um tem o seu papel a desempenhar. Eu respeito a intervenção dos outros e deve ser respeitada esta reserva do Presidente”.

Uma reserva que pretende exercer até ao limite: “Eu disse que só falaria no fim, Mas o fim do fim. É o fim de tudo aquilo que tem a ver com o processo em si mesmo”, respondeu o Presidente aos jornalistas durante a visita de Estado à Índia.

Para já, Marcelo está atento e a única coisa que fará é “ouvir, ouvir, ouvir”, tal como descreve fonte de Belém ao Observador: “O Presidente ouviu até agora todos os que pediram para ser ouvidos e que foi possível encaixar na agenda, tendo em conta que muitos pedidos foram feitos em cima da hora”. E Belém recusa que haja qualquer pista ou sinal a partir desta lista de audiências.

Marcelo Rebelo de Sousa tem vários instrumentos em cima da mesa: pode promulgar o diploma e aí a questão fica resolvida e a lei entra em vigor. Também pode enviar para o Tribunal Constitucional se quiser que não fiquem dúvidas sobre a constitucionalidade da eutanásia. Em causa está o artigo 24º que define o Direito à vida e logo no primeiro ponto estabelece que a vida humana é inviolável. O assunto não é consensual entre os constitucionalistas, e o Presidente da República está a fazer contas também para perceber para que lado pendem os juízes conselheiros. À sua equipa mais próxima já terá dado sinais de que acredita que no Palácio Ratton há uma maioria que não vê incompatibilidade entre a Constituição e a despenalização da morte assistida.

Essa parece ser, desde logo, a posição do atual presidente do TC. Ainda enquanto professor universitário, Costa Andrade foi ouvido no Parlamento na anterior legislatura quando se discutiu a eutanásia e assumiu essa leitura. E mesmo antes disso, em declarações ao Diário de Notícias, já tinha sido claro: “Não colide. O direito [à vida] é inviolável, quando ameaçado contra a vontade da pessoa”. Ou seja, esse ponto em concreto “é mais para vedar a pena de morte”, disse. Ao mesmo jornal, Costa Andrade via a despenalização da morte assistida como “um recuo da lei penal, que não afronta a Constituição”.

Em Belém também se olhou com atenção para os dois novos nomes propostos pelo PS para os lugares vagos que estavam por preencher no Tribunal. Mas agora que já são conhecidos, a avaliação permanece a mesma: Vitalino Canas e Clemente Lima vão na mesma linha. E se Marcelo antecipar que a maioria dos juízes não tem dúvidas de constitucionalidade sobre a eutanásia? Por um lado, parece pouco provável que envie a lei para apreciação do TC, levantando dúvidas de inconstitucionalidade sabendo que vão ser consideradas infundadas. Por outro lado, esta não é uma lei como as outras e o Presidente pode entender que é melhor fazê-la passar também pela malha do Constitucional. Seja como for, estará sempre livre para decidir como quer, sem as amarras de uma eventual tomada de posição anterior sobre esta matéria. Como garante fonte da Presidência ao Observador, Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto constitucionalista, “nunca produziu pensamento sobre esta questão, nunca se debruçou sobre isso”.

Resta ainda o veto político, ou seja, o Presidente reenviar a lei para o Parlamento com eventual mensagem aos deputados sobre os pontos que justificaram essa decisão. À partida, e recorrendo apenas à contabilização dos votos, esta solução podia estar condenada ao fracasso. Bastaria uma maioria absoluta dos deputados, por exemplo PS e BE, confirmar o diploma sem qualquer alteração para Marcelo ser obrigado a promulgá-lo. Mas um veto político de Belém tem sempre peso. E se o PS ignorasse os avisos de Marcelo e o forçasse a promulgar uma lei com a qual não concordava, seria a primeira vez que os socialistas afrontavam diretamente o Presidente da República. Com que custos? E quem sairia mais penalizado?

Certo, para já, é que Belém não comenta cenários. Até porque não se conhece o diploma final que sairá da especialidade, nem como estará estruturado. E sem isso, não há avaliação possível. Certo também é que a decisão que Marcelo vai ter de tomar surge numa altura em que se começam a mexer as peças para as eleições presidenciais. E há uma base importante do eleitorado do candidato Marcelo (a haver candidato Marcelo) que está contra a eutanásia. Um argumento, aliás, já usado por um deputado esta quinta-feira, para pressionar o Presidente da República.

André Silva, do PAN, foi um dos deputados que usaram argumentos para tentar condicionar o espaço de manobra do Presidente da República

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os trabalhos que se seguem no Parlamento e a pressão sobre Marcelo

No Parlamento, o caminho ainda é longo. Não há prazo para que a eutanásia tenha de voltar ao plenário para a votação final. Os trabalhos que se seguem agora na especialidade não têm, assim, um limite temporal para produzir resultados. Os cinco projetos passam agora para as mãos dos deputados da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em coordenação com os da Comissão de Saúde. Podem ainda pedir audições complementares às que foram feitas há dois anos, quando o tema esteve em debate e foi a votos no Parlamento, o que pode levar tempo.

E a intenção, disse logo a líder parlamentar do PS à saída do plenário depois de votação, “é ter um diploma conjunto e que responde àqueles para quem foi feito, os que hoje sofrem”. Na defesa do projeto do seu partido, garante ter sido “extremamente cauteloso”, tanto que prevê “as garantias médicas e técnicas” e a garantia de “autonomia de todas as pessoas que chegam a uma situação limite de sofrimento insuportável”.

Ana Catarina Mendes só contornou todas as questões que tivessem a ver com a decisão presidencial. Apenas disse que o partido é “frontalmente contra o referendo”. Quanto ao resto, “respeita” as decisões que vierem a ser tomadas.

Mas neste debate houve quem pressionasse diretamente Marcelo Rebelo de Sousa. Pelo lado do “sim”, André Silva abriu o debate logo a avisar o Presidente que o debate feito há é suficientemente alargado, citando o próprio em 2018: “Este é um debate que tem vários anos, que foi intenso e muito participado nos últimos quatro por todos os sectores do nosso país, tendo inclusivamente em Maio de 2018 o senhor Presidente da República confirmado, e cito-o, que se fez ‘um debate muito participado por todos os quadrantes político-partidários, religiosos e sociais.’ De lá ao dia de hoje continuaram a multiplicar-se os debates sobre esta matéria e, também por isso, estamos hoje em condições de poder escolher, com responsabilidade, com rigor e com coragem”. Uma tentativa de estreitar o caminho para os argumentos de Marcelo, nomeadamente o de falta de debate na sociedade sobre o assunto.

No sentido contrário e a favor do referendo, surgiu André Ventura a avisar Marcelo que tem eleições no próximo ano. Eleições em que o próprio deputado único do Chega é candidato. Tendo os dois um perfil conservador em matérias de consciência, Ventura deixou latente a ameaça a Marcelo Rebelo de Sousa ao apelar ao “Presidente que terá eleições em breve, para não se esquecer dos portugueses que estão lá fora que querem poder votar sobre isto. Se tiverem coragem vamos dar a palavra aos portugueses”, desafiou em defesa do referendo.

No CDS, também Telmo Correia prometeu “resistência”, sem concretizar se se trata de defender o referendo à despenalização da morte assistida. O deputado terminou a sua intervenção no debate a pedir às restantes bancadas para que “rejeitem em consciência estes projetos que não estavam nos programas eleitorais e foram, portanto, escondidos dos portugueses” — uma linha de argumentação muito repetida no lado do “não” à eutanásia. E prometeu mesmo “resistência” que considera ser “obrigatória”, caso a eutanásia seja legalizada.

Há outra hipótese que pode ser colocada em cima da mesa e que está nas mãos dos deputados: é a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do diploma, depois de promulgada pelo Presidente da República. É um capítulo que pode seguir-se depois de todo o processo fechado. O poder assiste aos deputados, mas exige um pedido subscrito por um mínimo de um décimo dos deputados, ou seja, 23 no total de 230. Esta fiscalização só pode ser pedida depois da lei entrar em vigor.

Caso venha a ser pedida, o Tribunal Constitucional não tem um prazo-limite para produzir uma decisão sobre o assunto (ao contrário do que acontece com os pedidos de fiscalização preventiva, que podem ser pedidos pelo Presidente da República, pelos Representantes da República no caso de se tratar de decreto legislativo regional, e pelo primeiro-ministro ou um quinto dos deputados no caso de se tratar de uma lei orgânica).

No PSD, 12 deputados votaram a favor. No PS, 8 votaram contra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os desalinhados ao centro

No PSD, 12 deputados votaram a favor. No PS, 8 votaram contra

Tanto o PS como o PSD deram luz verde aos seus deputados para decidirem por si, em consciência, como iriam votar. Não havia disciplina de voto nem tão pouco ordens de cima para votar de determinada maneira. Rui Rio, que estava em minoria na sua própria bancada, até fez questão de dar um sinal de pluralidade durante o debate ao escolher dois deputados afetos ao ‘não’ e dois deputados afetos ao ‘sim’ para discursar.

As contas foram estas: na bancada do PSD, de um total de 79 deputados, a que se subtrai seis faltosos, 59 deputados votaram contra, e 12, incluindo Rio, votaram a favor da despenalização da eutanásia. São eles: Adão Silva, André Coelho Lima, Maló de Abreu, Rui Rio, Catarina Rocha Ferreira, Cristóvão Norte, Duarte Marques, Hugo Carvalho, Isabel Meireles, Lina Lopes, Rui Silva e Sofia Matos.

Alguns deles, contudo, não votaram da mesma forma todos os cinco projetos de lei. Por exemplo, Cristóvão Norte apenas votou a favor das propostas do BE e do IL, tendo-se abstido nas restantes, e Duarte Marques votou a favor das propostas do BE, IL e PAN, tendo mesmo votado contra o texto dos socialistas e dos Verdes. Já Adão Silva apenas votou a favor do projeto do PS, tendo-se abstido nos restantes, e Rui Silva também se limitou a votar a favor do texto do PS e do BE, abstendo-se nos outros.

Pedro Pinto, tal como em 2018, optou por se abster em todos os projetos de lei, e Ana Miguel Santos, deputada eleita por Aveiro, também tomou a mesma decisão. Ou seja, houve duas abstenções. Foi, no entanto, na bancada do PSD que se registaram mais faltas: Duarte Pacheco, Emília Cerqueira, Margarida Balseiro Lopes, Mónica Quintela, Pedro Roque e Pedro Rodrigues não estiveram na votação.

Na bancada do PS, o movimento foi semelhante, mas em sentido inverso. Enquanto a grande maioria votou a favor de todos ou quase todos os projetos de lei, houve oito deputados que se desalinharam e votaram contra o seu próprio projeto. Foi o caso de Ascenso Simões, que já o tinha feito em 2018, do secretário-geral adjunto José Luís Carneiro, Célia Paz, Cristina Sousa, Maria Graça Reis, Pedro Cegonho, Raul Castro e Romualda Ferreira.

Para além destes, houve também seis deputados que se abstiveram na votação dos cinco projetos de lei, incluindo o do PS: Paulo Porto, Nuno Fazenda, Marta Freitas, Joaquim Barreto, João Azevedo e João Ataíde. Outros, como por exemplo Hortense Martins ou João Paulo Correia ou Ana Paula Vitorino, optaram por se abster nos projetos de lei do PEV e do IL, e outros ainda, como Lara Martinho ou Isabel Rodrigues, optaram por votar a favor apenas o do PS, abstendo-se nos restantes.

Tudo o resto votou a favor. Ou seja, tirando dois deputados faltosos (Carlos Pereira e Lúcia Araújo Silva), dos 106 deputados presentes na bancada do PS (são 108, no total), apenas oito votaram contra o seu próprio projeto e seis abstiveram-se.

Nas restantes bancadas não houve surpresas ou desalinhados: no PCP, CDS e Chega todos votaram contra; no BE, PAN e PEV todos votaram a favor. Joacine Katar Moreira votou igualmente a favor.

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