Foi um dos protagonistas da semana política ao juntar na mesma mesa Pedro Nuno Santos e Francisco Assis num almoço que pode ter traçado o futuro do PS pós-António Costa. O sinal foi evidente: o protagonista da ala mais moderada do partido, crítico mais vocal (e quase isolado) da ‘geringonça’, candidato natural à liderança socialista abdicou de entrar num guerra fratricida para dar lugar ao rosto da ala mais à esquerda do partido.
Ascenso Simões, antigo deputado socialista e um dos colaboradores mais antigos de Costa, nas vezes de kingmaker, não poupa elogios a Assis, reservando-lhe outros voos: primeiro, presidente da Assembleia da República; e, depois, porventura, Presidente da República. “Francisco Assis já está num outro tempo.” Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, Ascenso Simões não esconde que o seu candidato é Pedro Nuno Santos. E explica porquê: “José Luís Carneiro candidata-se a secretário-geral; Pedro Nuno Santos candidata-se a primeiro-ministro. Precisamos de alguém que nos dê pica”, sublinha.
O antigo secretário de Estado de António Costa não tem dúvidas sobre a inocência do primeiro-ministro demissionário. “Podemos ter imensas divergências com o António Costa. Imensas, do ponto de vista político, do seu comportamento, de muitas coisas. Agora, se formos todos sinceros, vamos com certeza considerar que António Costa é uma pessoa íntegra, honesta e, nessas coisas que para aí andam, não há nada a atacar.”
Ainda assim, o socialista não ignora o grau de gravidade do caso que envolve em particular Vítor Escária, agora ex-chefe de gabinete de António Costa, que tinha 75 mil euros em numerário no gabinete de São Bento. “Normalmente estas pessoas têm dupla personalidade. E aquilo que ele precisava era de um par de lambadas bem dado naquele focinho. Que é aquilo que o país todo pensa”, remata.
[Ouça aqui na Vichyssoise com Ascenso Simões]
“Assis pode ser Presidente da Assembleia da República”
Esta semana escreveu o seguinte no Expresso “só posso pedir a Francisco Assis que aceite assumir mais um serviço ao país, candidatando-se a líder do PS”. Depois, almoçou com ele e Pedro Nuno Santos e sabemos agora que Pedro Nuno avança e Assis não. Francisco Assis faltou à chamada?
Não. O Francisco Assis está, como sempre esteve, a construir uma nova solução de liderança para construirmos também uma proposta de governo com um novo programa e uma nova etapa no tempo político.
Mas não será exagerado assumir que era o seu favorito à liderança do PS.
Sou muito velho no PS. Portanto, conheço o Francisco Assis desde os 18 anos dele. E estamos num tempo em que era importante percebermos quem eram as figuras no PS que estavam disponíveis para ser candidatos. Dentro de um partido, temos que dar passos.
E Francisco Assis preferiu não o dar nesta altura.
Francisco Assis já está num outro tempo.
Um tempo presidencial.
Não, já está num outro tempo. Ou seja, está num tempo em que tem hoje uma dimensão no país e que o PS pode usar, digamos assim, o seu prestígio, a sua presença, a sua cultura, a sua imaginação para fazer muitas outras coisas que não seja ser candidato a primeiro-ministro. Estamos numa candidatura a primeiro-ministro. É preciso não esquecer isso. Não estamos a eleger só um secretário-geral do PS, estamos a eleger o candidato a primeiro-ministro em março. É por isso que, se se vier a confirmar a candidatura de José Luís Carneiro, temos aqui uma diferença muito grande entre uma candidatura de Pedro Nuno Santos e de José Luís Carneiro: José Luís Carneiro candidata-se a secretário-geral; Pedro Nuno Santos candidata-se a primeiro-ministro.
No tal almoço, ficou estabelecido algum acordo para o futuro que envolva Assis como candidato presidencial?
Não. Em primeiro lugar, fui convidado para estar nesse almoço e não tratou de intendências. Ou seja, nem eu, nem o Francisco Assis, já não estamos disponíveis para andar com um papel à frente a contar espingardas. Já não tratamos disso. Estou fora da vida política e vou continuar a estar fora da vida política. Sou do PS, acho que posso dar um contributo de acompanhamento de ideias no PS. O Francisco Assis pode ser muitas outras coisas.
Candidato presidencial?
Não, o Francisco Assis pode ser muitas outras coisas dentro do PS. Temos um presidente do partido que vai continuar a ser presidente do partido. Francisco Assis pode ser muitas outras coisas. Por exemplo, pode ser Presidente da Assembleia da República se o PS voltar a ganhar as eleições.
E depois Presidente da República?
O Presidente da República está em funções. As eleições são em 2026. Numa manhã e em três horas o mundo vira de uma forma terrível. Primeiro, temos as eleições europeias que é preciso ganhar. Depois, as eleições autárquicas, que é preciso ganhar. Depois, amos tratar das presidenciais.
E as legislativas.
Não, isso aí estamos a tratar.
Mas é preciso ganhar?
Claro. O PS nunca vai para eleições só para marcar presença. Nem mesmo quando aconteceu a substituição de António Guterres por Ferro Rodrigues. E quase ganhávamos. Mais uma semaninha e estava a coisa feita.a
“Há muitos militantes do PS que anseiam por uma ‘geringonça’”
Em junho, num texto em que analisava todos os potenciais candidatos à sucessão de António Costa, dizia que “Pedro Nuno Santos sabe que o frentismo nunca fez primeiros-ministros”. Se for eleito, deve dizer que não fará qualquer tipo de “geringonça”?
Não, não, mas isso não é frentismo. O frentismo é uma visão unitária. O frentismo é contra aquilo que nós lutámos quando criámos a UGT. Porque o frentismo é reduzirmos a presença política, a militância política, a uma ideia de unicidade da esquerda. Isso é que é frentismo.
E não correm esse risco com Pedro Nuno Santos?
Não, não corremos porque o PS é um partido que nem frentismo, nem liberalismo económico. É aqui que nos colocamos. Temos dentro do PS sociais-liberais, social-democratas, socialistas, democratas radicais e eco-socialistas. É neste jogo sempre, com defesa da iniciativa privada, com a liberdade essencial numa democracia, com a justiça social como ambição, com o elevador social permanentemente em funcionamento, com um Estado que garanta uma realidade de dignidade a cada um dos cidadãos. Isso é o património do PS. E não está nunca em causa. François Mitterrand dizia uma coisa simples: ‘A direita inventou essa coisa do frentismo para me impedir de ser Presidente da República. Mas fui Presidente da República, fui reeleito e acabei com o Partido Comunista Francês’. Portanto, quando se fala em frentismo — e gostaria que no PS essa coisa não andasse por aí — é uma coisa que vem da direita para dentro do Partido Socialista. Não é uma coisa da esquerda. A ‘geringonça’ foi querida pelos militantes do PS e há muitos militantes do PS que anseiam por uma geringonça.
Foi, de resto, a única solução que permitiu a António Costa cumprir um mandato até ao fim. É desejável que volte a haver uma solução dessas?
Foi a única solução que permitiu que o país se normalizasse quando comparado com outros países da Europa.
E é desejável repetir?
Perante as circunstâncias, teremos de avaliar. Há uma coisa que sei: quer o Bloco de Esquerda, quer o PCP, sob ponto de vista da Constituição, dos direitos humanos, dos direitos individuais, da Constituição do Estado, não têm nenhuma divergência com o PS. Com a democracia liberal.
Bom, mas foi Francisco Assis que mais problemas colocou a essa solução.
Mas essa solução foi uma solução que resultava de um contexto político. É preciso não esquecer que tínhamos vindo de uma luta interna. Hoje, isso não acontece. Estamos a entrar no terceiro tempo do PS. Primeiro foi o tempo de Mário Soares, da criação do partido, da consolidação da nossa democracia, da consolidação como um partido grande. Depois, foi o tempo de governo, criado por António Guterres, que veio com declinações até António Costa. E agora estamos a fazer um PS com a geração de Abril. Portanto, não podemos fazer uma nova etapa do PS com a matriz e com as ideias que tinham as pessoas há 40 anos. Algumas destas pessoas que estão hoje dentro do PS até estavam fora a dizer que o partido era burguês. Augusto Santos Silva dizia isso. Vieira da Silva dizia isso. Ferro Rodrigues dizia isso. É claro que vieram ao PS e hoje são a burguesia do PS.
Estávamos a falar de Pedro Nuno Santos, mas, para lá do que lhe é reconhecido no partido, o país conhece-o por novo aeroporto que só existiu durante umas horas, pela indemnização polémica que foi acertada por mensagens para Alexandra Reis e pelos milhares de milhões investidos na TAP.
Não me diga, só o conhece por isso? Não o conhece por ter sido o secretário de Estado? Não foi o secretário de Estado que durante quatro anos articulou o Governo e que conhece todas as pastas do Governo!?
A memória do povo é curta.
Ah, mas o problema é esse…
Pedro Nuno Santos teve tempo para limpar essa memória recente?
Isso é coisa dos jornalistas. A memória do povo não é curta. Tenho o povo em boa conta.
Acha que é mais importante ser o pivô de uma geringonça ou ser o responsável por 3,2 mil milhões na TAP?
Essa apreciação de que o povo tem memória curta é muito elitista. É muito da linha de Cascais, não é da linha do país.
Não é o meu caso. Posso garantir-lhe que não é o meu caso.
Portanto, Pedro Nuno Santos é, neste momento, o agente político dentro do PS que melhor conhece todos os dossiês. Agora, se me diz assim, Pedro Nuno Santos teve erros? Quem não teve? O Mário Soares partiu para as eleições presidenciais com 11% e ganhou-as. A grande questão é quem está na disposição de dar a cara mesmo com as suas fragilidades. No tempo em que vivemos, ser líder do PS, ter permanentemente 24 horas por dia, 365 dias por ano, um cutelo sobre a cabeça, provavelmente a estar sempre vigiado.
“Pedro Nuno Santos dá pica. José Luís Carneiro não”
Por causa destes processos?
Não, não. Não tem nada a ver com estas coisas. É da natureza das coisas. Uma pessoa que é líder do PS vai na rua e estão todos a olhar para ele. “Olha, leva umas calças. Olha, leva uns ténis”. É esta a realidade da coisa.
Mas só acontece PS?
Não, no PS, no PSD, em qualquer partido grande. Os líderes são pessoas com virtudes e com defeitos. Então agora queríamos um candidato do Partido Socialista que nunca tivesse tido nenhum problema com nada, não tivesse feito rigorosamente nada.
Não é como se o PS tivesse poucos problemas, de facto. O chefe de gabinete do primeiro-ministro guardava dinheiro vivo no gabinete em São Bento.
E sabe o que é que esse tipo merecia? Um par de lambadas.
É possível que o primeiro-ministro não desconfiasse de nada? Vítor Escária foi seu conselheiro durante muitos anos.
Normalmente essas pessoas têm dupla personalidade. E aquilo que ele precisava era de um par de lambadas bem dado naquele focinho. Que é aquilo que o país todo pensa.
E iliba António Costa?
Podemos ter imensas divergências com o António Costa. Imensas, do ponto de vista político, do seu comportamento, de muitas coisas. Agora, se formos todos sinceros, vamos com certeza considerar que António Costa é uma pessoa íntegra, honesta e, nessas coisas que para aí andam, não há nada a atacar.
A minha questão é da perceção que tudo isto provoca nas pessoas.
O problema da perceção é a cada tempo e perante cada circunstância diferente.
E acha que neste momento não há um acumulado de situações e que as pessoas legitimamente não fazem o histórico? O PS teve um ex-primeiro-ministro detido, um primeiro-ministro que está com um processo de crime no Supremo e um chefe de gabinete detido.
Vocês sabem todos que escrevi, relativamente aos processos de Pedro Passos Coelho — Tecnoforma e Segurança Social –, que não fazia sentido o ataque que estava a ser feito. Quando somos os primeiros a atacar, depois vem alguma coisa e vai atrás de nós. Porque somos seres humanos. Não somos nenhuns santos. Não temos nenhuma vocação para sermos canonizados.
Só para recentrarmos: este é o fim da carreira política de António Costa?
Não. Porque em política não há fins. Tivemos muitos exemplos ao longo do tempo.
E o caminho agora faz-se por onde?
O caminho agora faz-se por ele. Ou seja, faz-se por ele e pelos amigos dele. Ele sabe que tem um vasto conjunto de amigos que estão sempre disponíveis para o acompanhar. E faz-se também na perspectiva de mostrar ao país que os negócios do Estado são negócios para o interesse dos portugueses. Quando se pede à Administração pública – “Decida!” – é porque não podemos ter a perspetiva de que as decisões são por ordem de entrada. As decisões são por ordem de importância relativamente aos projetos para o país, para criar valor, para criar emprego e para desenvolver o país.
Tal como o Luis Paixão Martins, o conselheiro da última maioria absoluta, sugeriu que há uma campanha do Ministério Público?
Vamos lá ver. Eu sobre as questões da justiça, eu até tenho razões para pensar que podia haver uma cabala. Eu próprio tenho razões. Pessoalmente. Mas não considero isso. Porque o Ministério Público e os juízes são pessoas. E há milhares de processos que são investigados e milhares de processos que são decididos e que nunca ninguém vai saber sobre eles. E que acertam, que são coisas bem feitas. E que a Justiça é aplicada. Portanto, vamos esperar. Agora há uma coisa que também sei há muito tempo: quando se está na política está-se exposto. Está-se exposto a que alguém que viva no nosso condomínio faça uma queixa porque nós colocamos o pacote do lixo fora do sítio. Porque o nosso canarinho faz barulho de manhã. Porque o nosso gato fez xixi nas escadas. Isso é da vida. Nós vivemos numa sociedade com pessoas invejosas, com pessoas maldosas, com pessoas que têm mau caráter. Nós vivemos numa sociedade com todos os defeitos que ela tem.
Já falámos bastante do Pedro Nuno Santos, mas não falámos do outro candidato que já está pré-anunciado, José Luís Carneiro.
Já falámos de José Luís Carneiro. Já disse que o José Luís Carneiro é um candidato a secretário-geral. Nós estamos a fazer uma eleição para primeiro-ministro.
E corre o risco de ser uma espécie de Patinha Antão do PS?
Não. O José Luís Carneiro é um grande quadro político.
Mas diz que ele é só candidato a secretário-geral.
Por uma razão simples: neste momento, estamos numa tal situação que precisamos de alguém que nos dê pica.
Já Luís Carneiro não dá pica.
Nem eu. Vamos lá ver: as coisas são o que são. Nós temos que nos colocar e dizer assim: ‘Mas eu vou ali para ter 20% e para ter uns lugares na Comissão Nacional? E vou dar cabo do Partido Socialista por uns tempos para ter 20% da Comissão Nacional? Ou 30% ou 40%?
Mas então que o José Luís Carneiro não devia ter avançado?
Não, acho que não. Acho que não faz sentido. Acho que as pessoas que estão a discutir o lugar na Comissão Política e provavelmente na lista de deputados deviam ter juízo. Pronto. É simples. Ele não precisa disso. José Luís Carneiro pode ser candidato a presidente de uma câmara grande, pode ser candidato para o Parlamento Europeu, pode ser ministro, novamente, pode ser tudo.
António Costa diz que no PS não há sucessores naturais. Não era estranho haver só um sucessor?
José Luís Carneiro tem todo o direito de ser candidato. E mais ainda: sei que José Luís Carneiro vai fazer uma campanha de elevação. Já aprendemos com o passado que as campanhas que não têm elevação só criam problemas ao partido. Temos já muitos exemplos. E temos o exemplo do maior partido da oposição, que é um ninho de gatos. O PS, que está no poder, deve olhar e dizer assim: ‘O que não podemos fazer. O que é que o PSD fez? O que é que nós não podemos fazer’. E basta olhar. Não fazer.
“Medina tem muitos defeitos e muitos virtudes. Mas burro não é”
E compreende que Fernando Medina se tenha posto fora da corrida? Ele não era o nome mais natural para esse espaço que não é pedronunista que existe no PS?
Fernando Medina teve uma derrota eleitoral nas autarquias e isto está fresco.
E isso é um impedimento?
Fernando Medina pode ter muitos defeitos e muitos virtudes. Mas burro não é. Não é burro, tem uma família que o aconselha, tem amigos que o aconselham.
Teve noção de que não era o tempo dele?
Fernando Medina é o quadro do PS com mais futuro no mercado internacional.
Dá para exportar nas europeias, mas queremos sempre falar sobre isso.
O mercado internacional é o mercado das empresas.
Pode dar pica lá fora.
Não, o mercado das empresas. Ele percebe a linguagem das empresas.
Vamos avançar para o nosso segundo segmento, o bloco Carne ou Peixe, em que só pode escolher uma de duas opções. Quem preferia acompanhar num roteiro presidencial daqui a três anos: Francisco Assis ou António Costa?
Se não for António Costa, será Francisco Assis.
Então preferia António Costa. É por ordem de preferência.
O PS preferirá o António Costa e se António Costa for candidato, António Costa é Presidente da República. Ponto. É porque tem já todas as condições para ser e, nessa circunstância, o país estará ao lado de António Costa.
Se o PS precisasse de um deles para ter maioria no Parlamento, com quem preferia que se entendesse: Mariana Mortágua ou Rui Tavares?
Rui Tavares. Até porque se pode ter uma boa discussão sobre história, que é uma coisa vantajosa até para a governação.
Imagine que o PS só podia ter uma destas duas socialistas para liderar a lista das europeias. Ana Catarina Mendes ou Mariana Vieira da Silva?
Ana Catarina Mendes. Já respondi várias vezes a essa pergunta.
E quem é que a convidava para um próximo almoço no Darwin’s: José Luís Carneiro ou Fernanda Medina?
Os dois. E não seria no Darwin’s.
Não gostou? Não ficou satisfeito?
Seria no Solar dos Presuntos, que é um sítio onde eu gosto verdadeiramente de ir. Sou transmontano, gosto de comida a sério e não a la nouvelle cuisine française.
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