Esteve sempre com António José Seguro, mas acabou por recuperado por António Costa, que fez dele secretário de Estado e depois líder parlamentar socialista. Não se compromete com soluções fechadas para as presidenciais, diz que falta ainda muito tempo, mas não deixa de registar que Mário Centeno, outro dos grandes favoritos no universo do PS, tem tido sondagens muito positivas. “Disputa bem segundas voltas com quase todos os candidatos da direita, mesmo com o Almirante Gouveia e Melo”, regista.
Em entrevista ao Observador, no programa “O Sofá do Parlamento”, Eurico Brilhante Dias faz questão de atirar o Orçamento do Estado para trás das costas e de dizer que agora é hora do “Governo governar e da oposição fazer oposição e ser alternativa”, acusando Luís Montenegro de se ter limitado, até aqui, a distribuir o excedente que herdou e “tapar buracos”.
Já quanto ao novo ciclo político que se coloca no horizonte, o deputado socialista garante que a liderança do PS não estará em causa se houver um mau resultado nas eleições autárquicas. , dando até o exemplo oposto de António José Seguro. “Se não ganharmos as eleições, perdemos todos. E quando perdemos todos também fazemos uma reflexão todos em conjunto sobre os resultados.”
[Ouça aqui o “O Sofá do Parlamento”]
Eurico Brilhante Dias: “PS não pode esquecer-se que voltará ao Governo”
“O Governo tem de começar a governar. Pouco se tem visto”
Depois deste sinal que o PS deu para contribuir para a estabilidade do país, com a aprovação do Orçamento para 2025, não há mais conversas possíveis entre o Governo e o PS para assegurar a viabilização de orçamentos no futuro?
Estamos muito longe desse momento. Agora é altura de governar e de fazer a oposição. O Governo tem um orçamento aprovado, que, em linhas gerais, é o Orçamento que trouxe para o Parlamento mais uma ou outra proposta, e o PS deve ser oposição e constituir-se como alternativa. É importante em democracia ter sempre alternativa. O Governo tem de começar a governar, e sublinho, tem de começar porque neste momento não vemos em nenhuma área nenhuma medida ou reforma que permita dizer que o país está a ser governado —para além de distribuir algum do excedente orçamental que herdou. Pouco mais se tem visto.
Mas este é um Governo com prazo de validade? Aprovado este Orçamento, sabemos não podem ser convocadas eleições antecipadas, mas há um prazo: a partir de meados de 2026, já existirão condições para marcar eleições.
O bom em democracia é que todos os governos têm prazo de validade. E este não é diferente.
Pode é ser mais curto.
Fui líder parlamentar de uma bancada com maioria, que presumivelmente teria quatro anos. Ao fim de dois anos isso acabou por não acontecer. Temos que ser otimistas, no sentido em que governa quem tem de governar e faz oposição quem tem que fazer oposição. Existindo um Orçamento aprovado, o Governo não pode continuar a navegar à vista, usando o excedente orçamental para ir tapando alguns buracos.
O PS foi muito criticado à esquerda pela postura que teve neste Orçamento do Estado. O PCP diz que foram cúmplices, o Bloco diz que o PS é responsável pelo contexto a que o país chegou. O PS afastou-se da esquerda durante este processo?
O PS não se poderia afastar da sua responsabilidade e os eleitores de esquerda sabem que a solução responsável e que dá à esquerda uma opção de governo é o PS — não é o Bloco de Esquerda ou o PCP. À esquerda, quem tem a responsabilidade de governar é o PS e mesmo na oposição nunca pode esquecer-se que um dia será governo e que a estabilidade política é um valor a preservar, em particular numa circunstância em que o país teve eleições em março. Essa parece-me uma leitura bem feita por parte do conjunto do PS. Recordo que a proposta do secretário-geral foi aprovada por unanimidade na Comissão Política Nacional. Claro que é mais fácil para um partido votar contra, mas o PS não o podia fazer nesta circunstância. E ainda bem que não o fez. Evidentemente os portugueses percebem que não o fez por questões de estabilidade política, nunca por questões de substância. Este nunca seria o Orçamento do PS.
O PS não fica beliscado por ter abdicado de linhas vermelhas como a questão do IRC?
Temos que nos recordar das circunstâncias. O PS, em grande medida, tentou até ao limite ter um acordo com o Governo. O Governo entregou o Orçamento sem o acordo do PS na Assembleia da República. Na última proposta, o PS já sugeria que o IRC desceria 1 ponto percentual este ano, mas seria uma redução única. Isto não significa que o PS não entenda que a fiscalidade das empresas é muito importante. O PS, nesse aspeto, até é relativamente ambicioso, porque considera que em vez de descidas transversais devemos fazer descidas mais seletivas em função de objetivos de política económica. Isso abre a discussão para o próximo Orçamento que, seguramente, devemos fazer. Agora, devo dizer que o PS procurou, com essa proposta, assegurar um acordo e a estabilidade política. Foi o que acabou por nortear a nossa posição.
“PS tem sempre autoridade para exigir resultados”
No encerramento do debate do Orçamento, a líder parlamentar, Alexandra Leitão, disse que agora acabou o tempo para desculpas por parte do Governo. Ao fim de oito meses, o executivo de oito anos do PS deixou de ter responsabilidades sobre os problemas do país?
Cada vez que essa questão é suscitada, lembro-me sempre que acabaremos a discutir quais são as responsabilidades de D. Afonso Henriques. O PS governou durante oito anos e resolveu muitos problemas. Passámos a ter um superávit orçamental, temos um superávit na balança de bens e serviços, temos praticamente o desemprego natural, máximos históricos de emprego, Segurança Social com superávites como nunca tínhamos tido, um saldo populacional da população portuguesa positivo, como não era no passado. E deixámos, evidentemente, outros problemas que emergiram. Emergiram depois da pandemia e depois da entrada da Rússia em território ucraniano.
Mas o PS tem autoridade para exigir resultados, já?
Tem sempre autoridade para exigir resultados. A oposição está cá para fiscalizar o Governo, não está cá para dizer que ‘sim’ a tudo o que o Governo diz. Portanto, o PS resolveu muitas questões. Acabou com cortes de salários, com cortes de pensões, com a sobretaxa de IRS, acabou também por resgatar a Caixa Geral de Depósitos, por vender o Novo Banco em circunstâncias limite, por resgatar o Banif quando foi deixado praticamente a beira da falência pelo anterior governo. Claro que fomos resolvendo muitas questões.
E que não impedem o PS de se fazer ouvir.
O PS tem um património de oito anos em que o país é melhor do que o que encontramos em 2015. Estou disponível para discutir qualquer estatística. Portanto, continuaremos a acompanhar. Oposição construtiva com alternativa.
“O partido de extrema-direita tentará sempre achincalhar o debate político”
Criticou o quebrar de uma nova linha vermelha com o que aconteceu na sexta-feira no Parlamento. Aguiar-Branco está a gerir mal a bancada de 50 deputados do Chega?
Se estamos à espera que se nos calarmos o partido de extrema-direita não continue, de forma recorrente, a procurar degradar as instituições, estamos mal. Essa é uma discussão que também se deve fazer dentro do PS. O partido de extrema-direita é antissistema e tentará sempre achincalhar e degradar o debate político. E o problema que se põe é: onde é que nós paramos? Se desta vez não considerássemos que era muito relevante o que estavam a fazer e se encolhêssemos os ombros mais uma vez, o que é que faremos da próxima vez em que voltem a passar uma linha vermelha e entrem dentro do plenário, noutra circunstância, fazendo outro tipo de arruaça?
Mas não o presidente da Assembleia da República encolheu os ombros.
O que aconteceu foi muito grave. Temos obrigação de dar o tom grave. Dirão: “Mas isso é o que o Chega quer”. Sim, o Chega quer a degradação das instituições. Mas o nosso papel é o de defender as instituições democráticas e de dizer claramente aos portugueses que estamos aqui para defender a democracia representativa e que lutámos muito por essa democracia representativa.
“É um péssimo hábito colocarmos sempre as lideranças em causa”
O Governo entra num novo ciclo e o PS também. Pedro Nuno Santos vai lançar uns novos “Estados Gerais”. O PS precisa de refrescar ideias ou protagonistas?
O PS precisa sempre de novas ideias e de novos protagonistas. O PS é um partido muito grande, que tem a presidência de muitas Câmaras, da Associação Nacional de Municípios, da Associação Nacional de Freguesias e que foi nestes últimos oito anos governo. Tem um conhecimento profundo da Administração Pública e do que são políticas públicas. O PS conhece muitos atores independentes que colaboraram com o partido mesmo não sendo do PS, em momentos em que foi necessário definir políticas públicas. Essa questão [da falta de protagonistas] não nos preocupa.
Nem lhe causa pruridos a utilização da expressão “Estados Gerais”, como por exemplo, António Vitorino disse que causava?
Percebi bem o que o meu camarada António Vitorino disse. “Estados Gerais” só há uns, neste caso, os de António Guterres. Mas talvez o nome seja uma questão um pouco importante. Lembro que António José Seguro, quando foi secretário-geral, lançou o que era o “Laboratório de Ideias para Portugal”, que no fundo era uma espécie de “Estados Gerais” mas com outro nome. Não é isso que é relevante. O relevante é abrir o partido, fazer entrar ar novo, aproveitar a experiência que temos mas ter a capacidade de ouvir ideias novas e diferentes e construir um programa político para apresentar aos portugueses.
Tendo em conta o barómetro conhecido esta semana, as hipóteses à esquerda para as eleições presidenciais não se estão a fechar demasiado em Mário Centeno?
Não. Li com toda a atenção a sondagem, mas para além de estarmos muito longe do momento eleitoral, muitas daqueles candidatos não serão candidatos ao mesmo tempo. A diferença de 6,4% de Mário Centeno para os 4,7% de António José Seguro não existe. E ainda existe o nome da Ana Gomes pelo meio. São percentagens de candidatos que poderiam constituir uma espécie de primárias da esquerda. Não temos essa tradição. No fim de contas vamos ver como é que a esquerda e a direita, e eventualmente a candidatura do Almirante Gouveia e Melo, se vão posicionar. Mais à frente as sondagens terão alguma relevância. Destaco que Mário Centeno disputa bem segundas voltas com quase todos os candidatos da direita, mesmo com o Almirante Gouveia e Melo.
Neste novo ciclo, de autárquicas e presidenciais, um mau resultado nas autárquicas só coloca o Governo em causa? Com um mau resultado, a liderança do PS não fica em causa?
Não temos essa tradição. Os resultados no PS são resultados de todos e nas autárquicas são 308 concelhos. É um péssimo hábito colocarmos sempre a liderança em causa, em particular quando se está na oposição, mesmo que sejam autárquicas ou europeias. Aliás, já tivemos a circunstância ao contrário: António José Seguro ganhou autárquicas e europeias e acabou por sair. Quero concentrar os esforços na vitória do PS para a Associação Nacional de Municípios e para a Anafre. Se não ganharmos as eleições e se não tivermos a presidência destas duas organizações, perdemos todos. E quando perdemos todos também fazemos uma reflexão todos em conjunto sobre os resultados.