A criação do “Patriotas pela Europa” podia ter posto fim ao sonho antigo do Chega de unir as famílias políticas europeias de direita radical e de ser a ponte nesse processo, mas não aconteceu. Por agora, o sonho fica adiado, a solução é outra, mas a ambição não morreu e é o próprio vice-presidente do Patriotas pela Europa e do Chega, António Tânger Corrêa, que o assume ao Observador: “Foi sempre um sonho e continua a ser.”
A família política fundada por Viktor Orbán teve como propósito limpar a imagem mais extremista associada ao Identidade e Democracia (ID), com uma vasta conotação pró-Putin, que levava os partidos a recusarem sair do ECR, mais moderado e respeitado pelos demais partidos, para se juntarem ao ID.
Com o novo grupo essa questão perdeu força já que estava em causa um novo projeto e, acima de tudo, a ambição de o Patriotas pela Europa chegar a terceira força política — meta alcançada com sucesso. Um desses casos é o do Vox, de Santiago Abascal, que ainda hesitou em juntar-se por ter de abandonar o ECR, mas acabou por deixar os conservadores da italiana Giorgia Meloni para se juntar a Le Pen, Ventura e companhia.
Tânger Corrêa, o eurodeputado estreante do Chega, reconhece em declarações ao Observador que a união do ECR ao ID era a primeira opção do Chega. Foi nela que o partido apostou as fichas iniciais, com um empenho pessoal de André Ventura, e com negociações prolongadas que foram decorrendo ao longo do último ano. Acabou por não ser suficiente.
Aliás, durante a campanha eleitoral, o Chega foi mantendo em aberto várias possibilidades para o pós-eleições: André Ventura fugiu à pergunta sobre se o partido podia abandonar o ID para se juntar ao ECR e muito se falou sobre a tal junção de famílias. Tânger Corrêa, por sua vez, lançou para cima da mesa a hipótese de haver uma nova família política (“E se de repente aparecer outra família política?”) — uma opção que parecia desfasada do cenário da altura e que, afinal, se acabou por confirmar.
Uma fonte próxima do processo explica ao Observador que a união de famílias políticas seria “mais complicada” por obrigar a uma unanimidade entre todos os partidos e, mais do que isso, Giorgia Meloni, a mais poderosa figura do ECR, não queria a fusão imediata — o que praticamente esvaziava a hipótese.
Em boa verdade, a grande questão pode estar na relação do ECR a nível europeu: apesar de existir um cordão sanitário imposto à extrema-direita e direita radical no Parlamento Europeu, esse não tem sido extensível ao ECR. Pelo contrário — em muitas matérias, Ursula von der Leyen e Giorgia Meloni mostraram capacidade de entendimento.
Apesar de tudo, a boa relação política entre ambas teve um revés quando o ECR ficou fora do acordo entre sociais-democratas, socialistas e liberais para os top jobs europeus — sendo que a pressão das restantes famílias políticas, que deixou Von der Leyen numa posição delicada, foi a grande responsável pelo desfecho final.
Ainda assim, não ter estado na mesa de negociações não foi suficiente para que Meloni quisesse fundir famílias políticas e a solução de Orbán, muito respeitado no seio da direita radical europeia, soou bem ao Chega. Nessa equação nunca foi uma opção a União Nacional de Marine Le Pen ficar fora — foi uma ideia coordenada entre vários líderes e os franceses estiveram nas negociações desde o primeiro minuto; só não houve anúncios mais cedo porque havia umas eleições a decorrer em França.
Tânger Corrêa, que é vice-presidente do partido europeu, diz tratar-se “um movimento novo, com características diferentes e mais abrangentes” — uma espécie de ID de cara lavada e mais apetecível. E a ideia é exatamente que não fique por aqui: “Em princípio, temos partidos a entrar em setembro, o que vai dar uma nova dinâmica às negociações com os outros partidos”, antecipa o eurodeputado do Chega em declarações ao Observador, sublinhando que são esperados partidos do ECR e não-inscritos.
Mais do que isso, Tânger Corrêa até considera que a solução “não está fechada”, que muitas vezes são os problemas de política interna que complicam as negociações, que é preciso deixar o processo correr com normalidade para que os Patriotas pela Europa consigam “negociar um pouco mais”.
[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]
No futuro, insiste, espera que seja possível concretizar o tal sonho do Chega — “Foi [sempre um sonho] e continua a ser”, reconhece o eurodeputado do Chega, deixando tudo em aberto para o futuro das direitas europeias — e recusando que a ideia de ser ponte no processo tenha morrido com a formação do Patriotas pela Europa.
A vice-presidência a custo
Por enquanto, a influência do Chega está mesmo dentro do Patriotas pela Europa e reflete-se na conquista da vice-presidência de Tânger Corrêa, que foi também o escolhido para presidir à sessão inicial da família europeia, na reunião em que foram confirmados os documentos fundadores do grupo devido a toda a experiência diplomática.
E lugar não foi assim tão fácil de conquistar. O eurodeputado conta ao Observador que inicialmente não estava previsto que o Chega tivesse uma vice-presidência, até porque o resultado eleitoral das europeias ficou bem aquém das expectativas. O Chega acabou por beneficiar do terceiro lugar nas legislativas deste ano, que permitiu um número de deputados “muito superior” àquele que têm os partidos da maioria dos partidos que compõem a família nos seus países.
André Ventura, que vinha a ganhar espaço no ID e a afirmar-se a nível europeu, relança-se com este novo passo — além dos fundadores, o Chega foi o primeiro partido a anunciar que faria parte da família política de Viktor Orbán e Ventura terá sido fundamental nas negociações, segundo o eurodeputado Tânger Corrêa.
Desde logo, por ter sido importante para que o Vox trocasse o ECR pelo Patriotas, pela proximidade a Santiago Abascal, bem como pelas boas relações que mantém com Orbán, Salvini e Le Pen. Ainda assim, a decisão só ficou selada em Bruxelas, quando houve negociações sobre a constituição do grupo e o Chega ficou com um lugar de vice-presidente que lhe permite ter mais força dentro da família europeia.
Já depois de terminado o processo, a eurodeputada eleita pelo Fidesz de Viktor Orbán e primeira vice-presidente do Patriotas pela Europa, Kinga Gál, destaca, em declarações ao Observador, defende que esta nova família europeia foi criada como uma iniciativa centro-europeia e assinala o facto de o Chega ter sido o primeiro a permitir torná-la um “projeto transeuropeu que inclui partidos de todo o continente”.
O problema do cordão sanitário que se estendeu ao Patriotas
Um dos maiores objetivos do Patriotas pela Europa é que o cordão sanitário que existe em relação ao ID não seja aplicado ao novo grupo. Atualmente, a linha vermelha mantém-se para família política fundada por Viktor Orbán e o que ainda resta do antigo ID, o Europa das Nações Soberanas, onde estão os alemães da AfD. O primeiro passo para tentar reverter a situação foi o voto favorável em Roberta Metsola para presidente do Parlamento Europeu.
Na altura, Tânger Corrêa explicou que Jordan Bardella, presidente da União Nacional de Le Pen, tinha reunido com Metsola e também revelou que havia uma espécie de compromisso para que a presidente do Parlamento Europeu contribuísse para que esse bloqueio deixasse de existir.
“Nós cumprimos a nossa parte. A parte dela será tentar fazer o nosso caminho mais smooth”, argumenta o mesmo Tânger ao Observador, ciente de que “essas coisas não acontecem de um dia para o outro, nem por decreto ou imposição”. “Se contarmos com a simpatia e com o apoio dela, já é bom. Há muitas coisas que dependem dela no Parlamento Europeu”, remata.
Apesar das tentativas levadas a cabo para que haja uma normalização nas relações, os resultados saídos da primeira sessão plenária em que se distribuíram os cargos apontam noutro sentido. Ao contrário do ECR, que elegeu dois vice-presidentes (mais um do que no mandato anterior), nenhuma das outras duas famílias conseguiu o mesmo feito.
O grupo em que está o Chega apresentou o antigo chefe da Frontex, Fabrice Leggeri, da União Nacional, e Klára Dostálová, do partido checo ANO, que até aqui fazia parte do grupo liberal Renovar Europa, e nenhum dos dois teve luz verde, o que fará com que o Patriotas pela Europa não fique representado na Mesa do Parlamento Europeu, que define as regras e o orçamento do Parlamento Europeu. Ainda há muito trabalho pela frente.
A melhor versão de Von der Leyen puxa dos galões da reeleição para ganhar poder