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Cinco anos depois de o mundo começar 2020 com um alerta para uma pandemia mundial de Covid-19, provocada pela disseminação de um novo coronavírus, que teve origem na China, em Wuhan, o aumento de casos registados de metapneumovírus humano (HMPV), mais uma vez em território chinês, está a fazer soar os alarmes.

Às redes sociais e meios de comunicação social internacionais chegam relatos de hospitais sobrelotados, bem como a informação de que a China começou a implementar novas medidas de controlo e de emergência para impedir a disseminação da doença.

Já é certo que este vírus, que não é novo, registou um pico de casos nas províncias do norte da China durante este inverno, sobretudo entre crianças com idade inferior a 14 anos, mas o que é o HMPV? Há riscos de uma nova pandemia?

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O Observador ouviu vários especialistas para responderem a estas e outras questões e que consideram, com base no que se sabe até ao momento, não existir motivo para preocupação em relação à propagação do vírus cuja transmissibilidade é moderada e cuja probabilidade de ter sofrido uma mutação é também reduzida.

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O que é o vírus HMPV?

O metapneumovírus humano (HMPV) é um vírus respiratório da família do vírus sincicial respiratório. Provoca sintomas como “tosse, febre, nariz entupido e falta de ar” e a sua duração “é semelhante à de outras infeções respiratórias, de, em média, cerca de uma semana”, esclarece Tiago Correia, especialista em Saúde Pública internacional ao Observador. Só em casos mais graves pode evoluir para bronquite ou pneumonia.

Não é um vírus novo, foi descoberto em 2001, nos Países Baixos, e nos últimos anos “não tem sofrido alterações genéticas significativas“, garante o mesmo especialista. Na verdade, diz um estudo da Lancet, “acompanha os humanos há mais de seis décadas”.

Ainda de acordo com o virologista Celso Cunha, em declarações ao Observador, este vírus causa “infeções respiratórias, sobretudo do trato superior e geralmente sem complicações graves”.

Na rede social X, Hans Kluge, director regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Europa descreve o HMPV como sendo um “vírus respiratório bastante comum que normalmente causa sintomas relativamente ligeiros como tosse, febre, congestão nasal e pieira”.

E alerta para o perigo da desinformação e para a necessidade de obter informação sobre o vírus em fontes médicas e especializadas credíveis.

Vírus já foi registado em Portugal?

Em Portugal, o Instituto Ricardo Jorge tem reportado nos últimos anos alguns casos deste vírus. No mais recente Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe e outros Vírus Respiratórios é referido que, desde o início da época de vigilância em Portugal (início de outubro) foi detetado em laboratório um caso de metapneumovírus. A testagem para este vírus acontece em contexto de internamento hospitalar, ou seja, não é testado como meio de diagnóstico regular, como acontece com a gripe, por exemplo.

A vacina que está disponível para o vírus sincicial, disponível em Portugal, não se aplica a este vírus e portanto “não há uma vacina nem um tratamento antiviral específico para este vírus”, nota Tiago Correia, referindo que “o tratamento que se pode fazer é um tratamento genérico para uma infeção respiratória”.

As autoridades de saúde portuguesas esclareceram esta segunda-feira, em declarações à Agência Lusa, que o metapneumovírus é habitual no inverno e que os casos em Portugal são “bastante raros”.

“Os casos têm sido bastante raros, até ao momento. Não parece ser o vírus predominantemente associado a algumas infeções respiratórias que estamos a ver”, afirmou a investigadora do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), Raquel Guiomar.

Segundo a especialista, Portugal não está, neste momento, “numa situação que se assemelhe àquilo que está a ser reportado, nomeadamente pelos meios de comunicação social da China, que estão a ver um aumento de casos em crianças”.

De que modo se transmite o HMPV?

Segundo o virologista Celso Cunha este vírus transmite-se “por contacto direto, de pessoa a pessoa, pela respiração, ou por contacto das nossas mãos com superfícies contaminadas”, da mesma forma que a gripe e o coronavírus SARS-CoV-2. “Tanto quanto sabemos, a transmissibilidade poderá ser idêntica à do vírus sincicial respiratório”, acrescenta.

Já Tiago Correia destaca que a transmissão deste vírus é “considerada moderada“, já que nos surtos anteriores registados “não se verificou uma escalada”. O especialista em Saúde Pública destaca a necessidade de este parâmetro do vírus ser ainda alvo de estudo, mas diz ser relevante a ideia de que o metapneumovírus tem registado “surtos locais”, mas que “ao contrário do que se verifica com gripe que atinge escalas globais, estes surtos locais para este vírus não tendem a escalar muito”.

Raquel Guiomar, investigadora do INSA, aconselhou, em declarações à Agência Lusa, uma “boa higiene das mãos, usar máscara se tivermos sintomas ou evitar estar em aglomerados quando sabemos que estamos doentes e temos sintomatologia respiratória, porque a transmissão faz-se da mesma forma que a gripe, que o vírus SARS-CoV-2”.

O hMPV propaga-se “através dos aerossóis respiratórios [partículas de saliva] ou de secreções respiratórias”, ressalvou.

Quais são as faixas etárias mais afetadas?

Os casos mais graves da doença provocado pelo HMPV “ocorrem em pessoas muito idosas, acima dos 75 anos, em crianças muito pequenas ou em doentes com a imunidade comprometida”, explica Celso Cunha.

O virologista destaca a presunção científica de que “todas as pessoas, até aos cinco anos, já tenham tido contacto com este vírus e que por isso já tenham adquirido alguma imunidade” ao mesmo.

Tiago Correia destaca mais uma vez que a infeção respiratória causada pelo vírus não é, na maioria dos casos, mortal. “Mas o facto de poder atingir crianças de baixa idade — sobretudo crianças até um ano — torna essa população vulnerável, assim como as pessoas mais idosas”, nota.

Como se explica o aumento de casos na China?

“Neste momento é muito precoce apontar uma explicação para o aumento de situações na China. Estão a acontecer, são relevantes do ponto de vista epidemiológico, mas os estudos que foram feitos sobre este vírus não apontam para mutações rápidas como aconteceu com o SARS-CoV-2“, garante Tiago Correia.

O médico de Saúde Pública assinala os dados revelados pela China de que, sobretudo na semana antes do Natal, houve um aumento significativo, sobretudo no norte do país, de casos de metapneumovírus humano. “Verificou-se 6.2% de testagem positiva no conjunto das doenças respiratórias e de 5.4% das hospitalizações por doenças respiratórias”, informa, notando que, neste país, os casos de infeção respiratória provocada por este vírus “são atualmente superiores às do vírus que provoca a Covid-19, aos rinovírus ou ao adenovírus”.

“Não se sabe qual é a causa deste aumento, o que se sabe é que no passado o comportamento genético do vírus não se altera significativamente e nessa medida não é de supor que esteja a acontecer uma mutação este ano”, assegura Tiago Correia, que sublinha a atual monitorização do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças chinês.

Celso Cunha admite que “não é normal este aumento de internamentos em crianças até aos 14 anos” na China e admite “alguma disseminação exarcebada” que se poderá dever a “haver um conjunto de pessoas mais suscetíveis a esta doença”.

Destaca ainda a escassez de informação disponível e a necessidade de a China “publicar o genoma completo do vírus” que atualmente circula no país. “Talvez se possa fazer depois uma comparação e perceber porque é que houve um aumento de crianças hospitalizadas”, afirma.

Apesar da ainda incerteza, considera que, para já, não existem motivos para preocupação. “Não sabemos se este vírus é diferente do que foi identificado”, ressalva mais uma vez. Com os dados que existem hoje não há motivos para preocupação.