É desde 1991 Património Mundial da Unesco. É também um dos monumentos mais visitados da Europa, com 13 milhões de visitantes anualmente. A catedral de Notre Dame, monumento histórico de Paris mas reconhecido em todo o mundo, foi esta segunda-feira palco de um grande incêndio, no qual o pináculo central e o teto sucumbiram totalmente às chamas.
Há mais perguntas que respostas. Ainda estão por apurar as causas do incêndio e o que foi destruído. As últimas atualizações indicam que as três janelas de rosáceas medievais de Notre Dame terão explodido por causa do calor intenso, afirma o The Guardian, citando “relatos não confirmados”. Mas, no meio da tragédia a que Paris assiste, nem tudo ficou perdido: o reitor da catedral confirmou que o fragmento da coroa de espinhos com a qual Cristo terá sido coroado pelos soldados romanos e a túnica de Saint-Louis estão a salvo.
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A França, a Europa e o Mundo assistem ao desaparecimento de pedaços de uma história que começou há mais de 800 anos e acompanhou várias mudanças sociais, políticas e económicas. Mas, que catedral é esta e porque é tão conhecida? 10 pontos para conhecer a catedral de Notre Dame.
Uma construção que demorou 182 anos
Foi há 674 anos, em 1345, que a construção da catedral de Notre Dame foi dada como completa. Foram 182 anos de espera para ver nascer aquela que hoje é uma das catedrais mais conhecidas e visitadas na Europa, das mais antigas do estilo gótico em França e um símbolo do país.
Tudo começou em 1163, quando Luís VII de França ocupava o trono francês. O nome da catedral, “Notre Dame”, significa Nossa Senhora, uma vez que o edifício é dedicado à Virgem Maria, mãe de Jesus Cristo. Localizado na Ile de La Cité, na capital francesa, e rodeado pelo rio Sena, o próprio local onde o monumento foi construído já era anteriormente associado ao culto religioso: foi aqui que os celtas terão realizado algumas cerimónias e, mais tarde, os romanos ergueram um templo de devoção ao deus Júpiter.
“Tudo está a arder”. O fogo na Catedral de Notre Dame em fotografias
Ainda antes de a catedral de Notre Dame ser construída, já existia neste espaço uma das primeiras igrejas do Cristianismo francês, a Basílica de Saint-Etienne. Depois da demolição desta igreja, a construção da catedral foi apoiada por Luís VII e várias classes sociais francesas contribuíram monetariamente para a sua edificação. Os primeiros arquitetos da catedral foram Pierre de Montreuil e Jean de Chelles, mas ao longo dos anos a catedral foi sendo modificada de acordo com as épocas.
O objetivo da construção desta catedral, mandada edificar pelo Bispo Maurice de Sully, era aproveitar as novas técnicas de construção para erguer um templo de grandes dimensões, que demonstrasse o poder francês. A primeira pedra foi lançada na presença do Papa Alexandre III, que, como explica o próprio Vaticano, visitou Paris entre 24 de março e 25 de abril de 1163. A estrutura foi terminada em 1182, após duas décadas de construção, tendo o altar principal da igreja sido consagrado em 19 de maio desse ano por Henri de Château-Marçay, enviado pelo Papa Lúcio III para o efeito.
Apesar de todo o apoio monetário fornecido para a construção da Notre Dame, foram várias as vezes em que esta catedral sofreu alterações ao longo da sua construção e mesmo depois de o projeto já estar edificado. A sua alteração mais radical foi em 1844, quando a catedral foi restaurada pelos arquitetos Eugene Viollet-le-Duc e Jean-Baptiste Lassus. O local onde estes arquitetos fizeram algumas alterações corresponde ao foco do incêndio desta segunda-feira: o pináculo, explica o El Confidencial.
Os arquitetos mandaram também erguer uma rosácea completamente nova, mudaram a pedra dos contrafortes e quiseram reconstruir todos os altares e capelas do interior. Já mais recentemente, em 1991, foi iniciado um projeto de restauro e conservação do edifício, com um prazo de dez anos, mas que não chegou a ser dado como concluído.
Quando os sinos tocam
A Catedral de Notre Dame é um dos símbolos do estilo gótico europeu, uma fase da história e da arte que teve início precisamente em França, em meados do século XII. Notre Dame tem duas torres de 69 metros de largura e 139 metros de comprimento e uma fachada imponente de 40 metros de largura. Como foi alvo de várias modificações ao longo da sua história, é comum encontrarem-se algumas diferenças de estilo presentes em todo o edifício.
Na altura em que o teto da catedral, também chamado de “a floresta”, foi construido terá consumido cerca de 1300 árvores para ser feito, o que equivale a uma floresta inteira. Na fachada ocidental da catedral, há três portas decoradas com várias esculturas de pedra: a porta central, conhecida como “Juízo Final”, a do Sul, porta de Saint Anne, e a do Norte, a porta da Virgem. Muitas das estátuas presentes na fachada da catedral retratam cenas bíblicas, especialmente tendo em conta todo o poder espiritual conferido a esta construção. Ao todo, a catedral tem 28 estátuas que representam os reis de Judá e de Israel e que estão localizadas em cima das três portas de entrada do edifício.
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▲ Há três portas decoradas com várias esculturas de pedra: a porta central, conhecida como “Juízo Final”, a do Sul, porta de Saint Anne, e a do Norte, a porta da Virgem
Tipicamente característica da arquitetura gótica, as paredes grossas que existiam nas igrejas românicas foram substituídas por colunas altas e arcos que conseguem sustentar o peso dos telhados. No interior, há cerca de 200 vitrais coloridos que filtram a luz natural (alguns deles dos maiores do mundo) e três rosáceas que são denominadas de “Trindade de Luz”, pelo significado bíblico que têm. No século XIII, estes vitrais chegaram a ser substituídos por cristais brancos, uma vez que os líderes religiosos consideravam que vitrais coloridos “comiam a luz”.
Na catedral existe também o sino medieval “Emmanuel”, que pesa mais de 13 toneladas e é o sino mais antigo do edifício, depois de os restantes sinos terem sido fundidos durante a Revolução Francesa. Ao todo, são dez os sinos presentes na catedral.
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▲ O sino Denis, um dos que estão presentes na catedral
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Uma das grandes curiosidades deste edifício passa pelo chamado “quilómetro zero” que está localizado na frente da fachada. Neste local, há uma placa de bronze que simboliza o quilómetro base em que se começa a calcular a distância para todas as estradas do país. Dentro da catedral, e uma vez que são mais de 800 anos de história, há várias relíquias guardadas. No Tesouro (Trésor) estão manuscritos medievais e objetos religiosos, como a coroa de espinhos com a qual Cristo terá sido coroado pelos soldados romanos e um pedaço da cruz onde foi crucificado. Estes objetos podem ser vistos pelos visitantes na primeira sexta-feira de cada mês e na sexta-feira santa.
Um saque, um incêndio e um atentado
Ao longo de 856 anos, a catedral assistiu a alguns momentos que marcaram a história da França. Durante a Revolução Francesa, entre 1789 e 1799, a catedral foi fechada e nacionalizada e a população, pensando que as cabeças das estátuas da Galeria dos Reis representavam os reis de França, destruíram-nas quase todas. Foi, aliás, nesta altura que a catedral ficou bastante danificada. Num dos restauros feitos na construção, Eugene Viollet-le-Duce e Jean-Baptiste Lassus mandaram colocar novas estátuas para substituir as que foram destruídas durante esta altura. Só em 1977 é que parte destas cabeças foram encontradas durante obras na Rue de la Chaussé D’antin, tendo sido posteriormente expostas no Museu Nacional da Idade Média.
Ainda na época da Revolução, o altar foi retirado e o edifício usado para cerimónias protocolares com o objetivo de exaltar os valores revolucionários anti-religiosos. Mais tarde, a igreja seria mesmo usada como armazém para bens alimentares. Os sinos da catedral foram derretidos para construir armas e munições.
Já em 1871, a catedral foi palco da turbulência social que se vivia em França e o seu interior terá sido incendiado durante a Comuna de Paris. No entanto, não há confirmação sobre este dado histórico nem mais detalhes sobre o que terá acontecido.
Mais recentemente, e apesar de não ter ocorrido no interior do edifício, em junho de 2017 um agente da polícia foi atacado junto à catedral enquanto fazia a patrulha na praça em frente ao edifício. Na altura do ataque, disse o ministro do interior francês Gérard Collomb, o homem terá gritado “Isto é pela Síria”. O agressor era um estudante argelino que as autoridades conseguiram neutralizar.
A convocação da Terceira Cruzada
Foi no interior da catedral de Notre Dame que o patriarca de Jerusalém, Heráclio de Cesareia, convocou, em 1185, a Terceira Cruzada, como explica o Vatican News. Foi a partir do apelo feito em Notre Dame que os caveleiros Teutónicos se puseram em marcha rumo a Jerusalém para responder à invasão da cidade pelo sultão Saladino, numa cruzada que ficaria conhecida como a “Cruzada dos Reis”, devido à participação de vários monarcas — incluindo o rei francês.
Coroação de Henrique VI de Inglaterra
Foi na catedral de Notre Dame que, a 16 de dezembro de 1431, Henrique VI de Inglaterra foi coroado rei da França, dois anos depois de ser coroado rei de Inglaterra. No entanto, o filho de Henrique V de Inglaterra e de Catarina de Valois, princesa de França, nunca chegou a ser aceite pela nobreza francesa, que, em vez de Henrique VI, reconhecia Carlos VII da França como o seu rei. Por isso, Henrique VI não chegou a ser considerado rei de França.
Coroação de Napoleão Bonaparte
Cerca de 400 anos depois, a 2 de dezembro de 1804, foi a vez de Napoleão Bonaparte ser coroado imperador na catedral de Notre Dame e, em simultâneo, reatar as relações francesas com a Igreja Católica. Ainda antes, e a pensar nesta ocasião, os franceses fizeram o restauro da catedral e levaram a cabo uma autêntica remodelação, com as próprias ruas de Paris a serem totalmente pavimentadas.
No dia da cerimónia, a “residência do bispo”, onde o Papa Pio VII e a sua comitiva se prepararam para a coroação e onde Napoleão e Josefina vestiram as suas vestes para a cerimónia, situava-se ao lado da catedral. Nessa parte do edifício, tudo foi branqueado com cal e no interior estavam pendurados tecidos de seda e cortinas de veludo decoradas com insígnias do Império.
Durante a cerimónia, e em vez de se ajoelhar em frente ao Papa, o imperador francês pegou na coroa e ele próprio colocou-a em cima da sua cabeça. Quis, assim, passar a mensagem de que não era o poder papal, mas o seu mérito e a vontade dos franceses, que o tornavam imperador.
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▲ O momento em que Napoleão Bonaparte é coroado na catedral de Notre Dame
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Lei da separação
De acordo com a lei da separação Igreja-Estado, assinada a 9 de dezembro de 1905, as catedrais construídas pelo Reino Francês (cuja religião de Estado era o Catolicismo) são oficialmente propriedade do Governo de França. O Estado concede, depois, a utilização diária destes edifícios — como é o caso da catedral de Notre Dame — às instituições da Igreja Católica. Neste caso, é a arquidiocese de Paris que a utiliza, uma vez que é naquela igreja que se encontra a cátedra do arcebispo de Paris.
Beatificação de Joana D’Arc
A 18 de abril de 1909, Joana D’Arc, conhecida como a Donzela de Orleans e uma personagem importante da história francesa durante a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), foi beatificada pelo Papa Pio X na catedral de Notre Dame, tendo sido mais tarde declarada santa pelo Papa Bento XV. Joana D’Arc foi condenada à fogueira por heresia e queimada viva em Rouen no dia 30 de maio de 1431, quando tinha apenas 19 anos.
Depois de ser assassinada, a família de Joana D’Arc recolheu provas para o seu processo ser revisto e ser considerada inocente, tendo enviado estas provas para o Papa Nicolau V, que recusou o caso. Só em 1456 é que o Papa Calisto III decidiu rever o processo e declarar a sua inocência e em 1803 foi declarada um símbolo de França por Napoleão Bonaparte.
I e II Guerras Mundiais
França esteve envolvida nas duas grandes guerras que marcaram a primeira metade do século XX e, apesar dos vários confrontos que tiveram lugar na capital francesa nos dois conflitos, a catedral resistiu sempre. No final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, os sinos da catedral tocaram para assinalar o acontecimento. Já durante os bombardeamentos de Paris na Segunda Guerra Mundial, a catedral não sofreu danos.
Um livro e um filme de animação
Se a catedral Notre Dame é conhecida pelos momentos históricos e pela revolução a nível arquitetónico que provocou, há um marco que tornou este edifício ainda mais conhecido por toda a gente: o livro Notre-Dame de Paris, publicado pelo escritor Victor Hugo em 1831. A obra foi criada num momento em que o edifício se encontrava degradado e serviu como mote para o escritor iniciar uma campanha pela restauração da catedral, iniciado em 1844.
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▲ O interior da catedral
AFP/Getty Images
No início, o enredo de 1492, no final da Idade Média, não se centrava no romance que conhecemos hoje, mas sim na própria catedral, com o objetivo de alertar a população para o seu mau estado e a necessidade de um restauro profundo. Para isso, o autor faz uma descrição do edifício, bem como da sociedade parisiense naquela altura. Só mais tarde, e depois de a obra ser traduzida para inglês, é que a história se centra no romance entre Quasimodo, um corcunda que vivia escondido dentro da catedral por ter medo de se mostrar publicamente a sua aparência física, e a cigana Esmeralda.
Mais tarde, surgiu a versão cinematográfica da história, produzida pela Disney em 1996. O filme “O Corcunda de Notre Dame” arrecadou cerca de 325 milhões de dólares em todo o mundo.
[Estas estátuas voaram pelos céus de Paris e salvaram-se do fogo por quatro dias]