905kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

INEM
i

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Falhas no INEM. Inquérito à morte em Ansião arquivado em 24 horas, MP não investigou falhas na resposta do serviço de emergência

Um dos inquéritos abertos pelo MP para investigar alegadas mortes relacionadas com falhas no INEM foi aberto a 5 de novembro e arquivado no dia seguinte Demora no atendimento não foi investigada.

Manuel (nome fictício) entrou em paragem cardiorrespiratória na noite de 4 de novembro. Eram quase 22h, estava em casa, em Ansião, com a mulher e, depois de várias chamadas falhadas para o 112, um dos vizinhos teve de ir diretamente ao quartel dos bombeiros pedir socorro. O INEM só chegou por volta das 23h, cerca de uma hora depois da primeira tentativa de pedido de ajuda, quando Manuel, de 95 anos, já estava morto. No dia seguinte, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Pombal abriu um inquérito — que foi arquivado 24 horas depois.

No despacho de arquivamento consultado pelo Observador, o Ministério Público concluiu “não existirem sequer quaisquer suspeitas de que a morte tenha ficado a dever-se a qualquer ação ou omissão, dolosa ou negligente de terceiro”. O caso de Manuel foi um de entre 11 mortes noticiadas no início deste mês de novembro, que poderão estar relacionadas com atrasos no atendimento das chamadas pelo INEM e aconteceu no dia mais crítico (no mesmo dia foram registadas outras seis mortes em que há a suspeita de falhas na resposta a pedidos de socorro).

INEM não atendia tão poucas chamadas num dia há mais de 10 anos. Seis respostas para entender a crise na emergência médica

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O inquérito de Ansião, um de sete instaurados pelo Ministério Público, foi também o primeiro a ser arquivado, sem que tenham sido apontadas falhas ao serviço de emergência. No despacho de arquivamento estão os autos da GNR com o depoimento da vizinha do casal — que referiu as insistentes chamadas para o INEM sem resposta e os cerca de 60 minutos que a equipa da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) demorou a chegar ao local. Mas, como mostra o documento de 6 de novembro, nas 24 horas que durou a investigação nenhuma questão foi colocada ao próprio instituto. Na prática, eventuais falhas na resposta do INEM ficaram, simplesmente, por investigar.

Vizinhos tiveram de ir ao quartel dos bombeiros depois de tentativas falhadas para o 112

Naquela noite, Manuel e a sua mulher Ana (também nome fictício) estavam na sala. Por volta das 21h45, o homem de 95 anos deslocou-se até à cozinha para aquecer um prato de sopa. Pouco depois, lê-se no auto feito pela GNR e enviado logo no dia seguinte para o Ministério Público, Ana, que tinha ficado na sala, ouviu um barulho vindo da cozinha. Quando ali chegou, encontrou-o “debruçado em cima do balcão da cozinha, sem reação, correndo o risco de poder vir a cair para o chão”, já em paragem cardiorrespiratória.

INEM está com o tempo de resposta mais demorado dos últimos cinco anos e teve carros parados mais de 6 mil horas até outubro

Sem força para conseguir movê-lo para um sítio seguro, Ana saiu de casa e decidiu bater à porta de uma das suas vizinhas, Maria (também nome fictício). No auto da GNR, esta mulher conta que Ana chegou a sua casa poucos minutos antes das 22h, mais especificamente às 21h58. “De imediato se deslocou à habitação na companhia do seu marido, tendo efetivamente verificado que a vítima estava debruçada em cima do balcão da cozinha, agarrada ao móvel da bancada”, sem apresentar “qualquer tipo de reação”.

No auto da GNR é descrito que a vizinha “tentou por diversas vezes acionar os meios de emergência via 112”. “Contudo, por dificuldades técnicas daqueles serviços, todas as tentativas se revelaram infrutíferas.”

“Com alguma dificuldade”, os vizinhos conseguiram sentar Manuel numa cadeira, tendo percebido que este tinha também uma ferida na cabeça e que já havia sangue no chão. Sem especificar a hora, é descrito como a vizinha do casal “tentou por diversas vezes acionar os meios de emergência via 112”, ligando uma e outra vez para o número de emergência. “Contudo, por dificuldades técnicas daqueles serviços, todas as tentativas se revelaram infrutíferas”, acrescenta o auto, com base nos testemunhos de Ana e de Maria — os dois únicos depoimentos que constam nos autos da GNR e que foram utilizados pelo Ministério Público.

Perante estas dificuldades, o marido de Ana foi “pessoalmente a correr até ao quartel dos Bombeiros Voluntários de Ansião para acionar os meios de socorro para o local”.

Os bombeiros chegaram por volta das 22h25 e, encontrando Manuel em paragem cardiorrespiratória, deram início às manobras de reanimação, sendo que o homem de 95 anos precisava de assistência médica diferenciada. No entanto, o suporte avançado de vida só poderia ser garantido pelas equipas do INEM, que teria de ser acionado através do Centro de Orientação de Doentes Urgentes, através do 112.

Os autos da GNR não especificam a que horas é que foi conseguido o contacto com o número de emergência médica, nem a que horas foi acionada a ajuda do INEM. É apenas referido que às 22h55, praticamente uma hora depois das primeiras tentativas de contacto com o 112, chegou uma ambulância de Suporte Imediato de Vida, “para auxiliar nas manobras de reanimação à vítima, até à chegada da equipa do INEM”. Esta equipa chegou cinco minutos depois, “por volta das 23h, tendo alguns instantes após a sua chegada suspendido as referidas manobras de suporte básico de vida, confirmando a ausência de sinais vitais na vítima”.

A ficha da ocorrência, feita pelo CODU, resume em sete linhas que os bombeiros fizeram manobras de reanimação durante cerca de 40 minutos e que Manuel esteve “cerca de 20 minutos até à chegada dos bombeiros sem suporte básico de vida”.

A morte foi declarada às 23h10, uma informação que também consta do breve relatório do CODU sobre aquele caso. A ficha da ocorrência, feita pelo CODU, resume em sete linhas que os bombeiros fizeram manobras de reanimação durante cerca de 40 minutos e que Manuel esteve “cerca de 20 minutos até à chegada dos bombeiros sem suporte básico de vida”.

MP não investigou atrasos no atendimento do 112

A informação descrita pela GNR foi enviada para o Ministério Público às 11h13 do dia 5 de novembro, na manhã seguinte à morte de Manuel. O DIAP de Pombal recebeu o auto daquela polícia, recebeu também os testemunhos recolhidos pelos militares — da mulher de Manuel e da vizinha do casal — e recebeu ainda o relatório do CODU. Com estes dados, foi aberto um inquérito e, nesse mesmo dia, o procurador responsável pelo caso pediu um exame do hábito externo — utilizado para analisar a parte externa do corpo da vítima, no sentido de perceber se existem vestígios relevantes para determinar a causa da morte —, dispensando a realização de autópsia. E esta foi a única diligência feita pelo MP.

A perícia foi feita na manhã seguinte, dia 6, às nove da manhã, tendo o Gabinete Médico Legal e Forense do Médio Tejo concluído, em seis linhas, que “as lesões traumáticas descritas denotam haver sido produzidas por instrumento de natureza contundente, podendo ter sido produzidas no contexto de queda ocorrida” na sequência da paragem cardiorrespiratória. Manuel tinha também uma lesão na zona do tórax, que os peritos consideraram ter “sido produzida durante a realização de manobras de reanimação”.

Este relatório foi enviado para o Ministério Público poucas horas depois, às 12h48, e nesse mesmo dia o inquérito foi arquivado. No despacho de arquivamento, que conta apenas com uma página, o procurador responsável começa por explicar que, “entrecruzados os elementos de prova coligidos”, é possível concluir que Manuel “terá perecido de causas naturais”. Estes elementos de prova que o Ministério Público teve em conta são apenas a informação que consta nos autos da GNR, as declarações de Maria e de Ana e o relatório pedido ao hospital, que são, aliás, citados no próprio despacho de arquivamento.

Em nenhum ponto deste despacho é feita referência aos atrasos no atendimento da linha 112, uma vez que a investigação se focou em perceber se existiam ou não indícios de homicídio.

Além disso, clarificou o procurador deste inquérito, “acresce que na informação lavrada pela GNR se consignou, além do mais, não existirem no local quaisquer sinais que levantassem suspeitas de ocorrência de ação criminosa”. E mais: “Considerando a sua avançada idade, os seus antecedentes clínicos — nomeadamente de natureza cardíaca e de tensão arterial — tudo aponta, pois, para que o falecimento tenha resultado em consequência de paragem cardiorrespiratória causada por doenças de que padeceria, inexistindo suspeitas de crime.

Olhando mais uma vez para os elementos de prova recolhida, o MP termina o despacho de arquivamento dizendo que é possível concluir “não existirem sequer quaisquer suspeitas de que a morte tenha ficado a dever-se a qualquer ação ou omissão, dolosa ou negligente de terceiro”.

No entanto, em nenhum ponto deste despacho é feita referência aos atrasos no atendimento da linha 112, uma vez que a investigação se focou em perceber se existiam ou não indícios de homicídio. E também não foram pedidas informações aos bombeiros que estiveram no local, nem ao próprio INEM, tendo em conta os sucessivos atrasos na resposta registados no início deste mês de novembro, nem foi investigado o tempo que o 112 terá demorado a atender a chamada feita pela vizinha de Manuel e a acionar os meios para responder àquele pedido de socorro.

Inquérito arquivado depois de anunciada auditoria às primeiras duas mortes

A morte de Manuel aconteceu a 4 de novembro — considerado o dia mais caótico no atendimento da linha 112, em que se sobrepuseram duas greves que afetaram aquele serviço: uma greve às horas extraordinárias, especificamente realizada pelos profissionais do instituto de emergência médica, que tinha começado na semana anterior; e uma greve da Função Pública, que teve uma adesão elevada entre aqueles profissionais e com que a direção do INEM diz ter sido surpreendida.

No entanto, quando este inquérito foi aberto e arquivado pelo DIAP de Pombal, já a secretaria de Estado da Gestão da Saúde, a 3 de novembro, tinha pedido ao presidente do INEM, Sérgio Dias Janeiro, uma auditoria interna para avaliar as circunstâncias em que ocorreram as duas primeiras mortes registadas no segundo dia de novembro e denunciadas pelo sindicato dos técnicos de emergência pré-hospitalar, por poderem estar relacionadas com a fraca resposta do 112.

Ministério da Saúde determina auditoria interna no INEM para avaliar circunstâncias de duas mortes

O objetivo da auditoria, referiu na altura o Ministério da Saúde, seria analisar os “atrasos que estão a ser sentidos no atendimento de outras chamadas de emergência, numa altura em que os Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar se encontram a realizar uma greve de zelo”. Mesmo assim, em nenhum momento do inquérito consultado pelo Observador é feita uma análise à demora do INEM apontada pelas testemunhas à GNR.

Inquérito relacionado com o caso de Ansião foi arquivado já depois de a tutela ter pedido ao presidente do INEM uma auditoria para avaliar as circunstâncias em que ocorreram as duas primeiras mortes registadas a 2 de novembro. 

Mas há mais: a 15 de novembro, o número de mortes alegadamente associadas a falhas no INEM aumentou para sete e, neste momento, são conhecidos 11 casos. E foi também no dia 15 que a Procuradoria-Geral da República anunciou que tinham sido abertos sete inquéritos relacionados com os problemas no INEM e que o único já arquivado era precisamente o do caso de Ansião, tendo o MP concluído “não haver indícios da prática de crime”, não especificando, no entanto, que o inquérito esteve aberto apenas um dia e que não foram analisados os problemas do INEM.

Amadeu Guerra promete investigar “tudo o que for possível” sobre INEM e defende instrução mais rápida

Ainda no mesmo dia, Amadeu Guerra, procurador-geral da República, admitiu que era ainda muito prematuro falar sobre o assunto — mesmo com um inquérito já arquivado —, mas prometeu que o Ministério Público iria “investigar tudo aquilo que for possível”.

Estado deve pagar indemnizações se mortes tiverem relação com atrasos do INEM

As dificuldades na resposta do INEM a pedidos de socorro — e o avolumar de mortes associadas à falta de resposta do serviço de emergência médica — colocaram o Ministério da Saúde sob pressão (política e do próprio setor).

Ana Paula Martins e a sua equipa foram acusados de terem ignorado o aviso de greve dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar e, a 12 de novembro, a ministra da Saúde acabaria por assumir “total responsabilidade” pelos acontecimentos dos dias anterior. Quando vários partidos da oposição já exigiam a demissão da responsável pela pasta da Saúde, Ana Paula Martins manteve-se em funções, mas tomou uma decisão: chamou a si a pasta do INEM (retirando essa competência à sua secretária de Estado da Gestão da Saúde) e, em simultâneo, passou a estar responsável, também, pela Inspeção-geral das Atividades em Saúde, o organismo que tinha incumbido de inspecionar eventuais falhas no INEM.

Pelo meio, a ministra da Saúde sentava-se com o sindicato que representa os técnicos do INEM e conseguia que o machado de guerra fosse enterrado e a greve suspensa: eram retomadas as negociações para discutir a carreira destes profissionais e a grelha salarial.

A provedora de Justiça também falou sobre os problemas no INEM, admitindo que, se ficar comprovado que alguma morte aconteceu por falhas na resposta do serviço de emergência médica, o Estado português poderá ser chamado a indemnizar as famílias das vítimas. A 14 de novembro, Maria Lúcia Amaral disse, em entrevista à Antena 1, que, “se se chegar à conclusão que os pressupostos definidos pela lei estão cumpridos, então sim, nos termos da lei, o Estado deve compensar”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.