O batismo foi feito por Pedro Nuno Santos, na estreia do comentário televisivo, quando se enquadrou no grupo de “comentadores livres pensadores” onde incluiu outros socialistas conhecidos por terem posições mais críticas dentro da maioria. A frente tem estado especialmente ativa nos últimos dias, em vários planos, sempre menos alinhados, e até a embaraçarem o líder António Costa — como acabou por acontecer com o “expressei-me mal” na privatização da TAP. Mas não há uma agenda nem a intenção de romper, ainda que seja notada uma maior intensidade nesta altura, muito potenciada pelas segundas-feiras de Pedro Nuno Santos.

Em duas semanas, o socialista de quem mais se fala para o pós-costismo fez avisos pré e pós Orçamento, deixando até alguns dos seus mais próximos espantados com as críticas em catadupa. “Ainda não encontrou o tom certo entre a entrevista e o comentário”, desvaloriza um pedronunista. “Tem de fazer mais comentário e usar menos o tom dos comícios”, acrescenta outro. Mas também há socialistas surpreendidos com o “gaguejar” de Costa, no debate quinzenal desta semana, quando teve de admitir que se “expressou mal” no passado quando disse que o plano de reestruturação da TAP obrigava à privatização — condição que o antigo ministro das Infraestruturas tinha desmentido na sua estreia televisiva. “Talvez Costa comece a tomar mais atenção ao que Pedro Nuno Santos diz”, atira um dirigente em conversa com o Observador.

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Se TAP passar por Parlamento, Pedro Nuno Santos não desalinhará (mas outros ameaçam ponderar)

A verdade é que o mais recente comentador do PS tem sido menos porta-voz do que opositor, mas a intenção não é levar a palavra à prática. Por exemplo, há duas semanas manifestou-se contra a venda de mais de metade do capital da TAP, contrariando a posição do Governo. Mas se o decreto de reprivatização (que está por conhecer) passar pelo Parlamento e tiver de se pronunciar sobre ele, Pedro Nuno não desalinhará mesmo que lá esteja a intenção de vender mais de 50% da companhia.

“Pode haver exceções, mas não será em matérias fundamentais para o Governo” que contrariem as indicações da direção da bancada quanto a votações parlamentares, garante fonte próxima. Há um conjunto de matérias onde dificilmente desalinhará da orientação da bancada, como aquelas que têm impacto significativo na política orçamental (foi por isso que, ao Público, justificou como justificou que tenha votado contra o descongelamento da totalidade da carreira dos professores quando defendeu o contrário na televisão), além das matérias que estão no programa eleitoral ou moções de censura ou de confiança.

As dissonâncias no voto “serão muito raras”, assegura-se no seu círculo ao mesmo tempo que também se avisa que isso “não quer dizer que não vá dizendo o que poderia ser feito de maneira diferente”.

“Quer ser o rebelde disciplinado que defende o PS”, sintetiza um deputado do partido sobre aquilo que tem visto do ex-ministro, acreditando que o socialista “não vai escalar e Costa também não. Não é bom para Pedro Nuno ruturas com a figura mais popular do PS e no futuro também não há ninguém que rivalize com Pedro Nuno”.

“Isto não mudou muito. Pedro Nuno Santos está a caminho de suceder a Costa“, mantém um outro socialista face ao futuro a médio prazo. Por agora “as coisas estão muito estáveis”, afirma um pedronunista que garante que “não há qualquer aceleração de calendários”. A expectativa é que a corda não parta e garante-se que “não há nenhuma mudança estrutural, não há entendimentos ou orientações de estratégia no grupo“. Nem se antecipa que isso possa acontecer.

O socialista que segue apontado à liderança futura do partido está longe de ser o único dos “livres pensadores” no PS e nem todos têm a mesma linha de raciocínio quanto à postura para lá do comentário televisivo, nomeadamente nas orientações de voto na Assembleia da República.

Sobre a privatização da TAP e a mesma eventual apreciação parlamentar do decreto de reprivatização da TAP, a deputada Alexandra Leitão também já admitiu, em entrevista ao Observador, que se for chamada a votar fará o que a sua “cabeça ditar” — e a dela é igualmente contra a venda da maioria do capital da TAP (e não é a única dentro da bancada parlamentar socialista), defendendo “uma forma de controlo, pelo menos em algumas matérias, como por exemplo a manutenção do hub de Lisboa”. “Não sei o que os meus colegas deputados farão, seguramente farei o que a minha cabeça ditar se for chamada a votar isso. Como em tudo aquilo em que tenho convicções”, afirmou há uma semana no programa Vichyssoise da Rádio Observador.

Outras frentes e outros pensadores

Noutra frente, mas também nessa recente entrevista, Leitão não descartou a ideia de vir a ser um nome chamado pela esquerda a entrar na corrida presidencial. E isto numa altura em que o PS ainda não tem o assunto fechado, mas já conta com um socialista de peso a fazer um caminho percecionado por todos: Augusto Santos Silva. A três anos dessas eleições, o assunto ainda não entusiasma muito os socialistas, mas as movimentações à esquerda (que incluirá a ala mais à esquerda do PS) existem e deixam clara a insatisfação com o nome que vai mais destacado no PS. A própria deputada socialista dá exemplo disso, quando responde como respondeu ao Observador. Outro caminho que poderá ser trilhado paralelamente ao que a direção venha a ponderar.

E esta semana Alexandra Leitão esteve ainda noutra discussão divisiva dentro da bancada parlamentar. No centro esteve outro dos “livres pensadores”, Sérgio Sousa Pinto, que não concordava com o texto que o PS estava a tentar consensualizar  com o PSD sobre os ataques do Hamas em Israel e não estava sozinho. A discussão para tentar chegar a uma conclusão sobre esta matéria aconteceu à vista de todos, à porta do grupo parlamentar do PSD, e no grupo estavam, além de Leitão e Sousa Pinto, Pedro Delgado Alves e Marcos Perestrello.

Seja mais à esquerda ou entre as figuras mais ao centro no partido (como aqueles que se distanciaram de Costa logo em 2015, quando se criou a “geringonça”), as últimas semanas evidenciaram agendas várias e ativas. Incluindo a de Francisco Assis (opositor da “geringonça” e hoje presidente do Conselho Económico e Social) que foi convidado de honra no primeiro dia das Jornadas Parlamentares do PSD. Quando interveio arrancou vários aplausos da sala de deputados sociais-democratas e demorou-se à mesa do jantar com o líder social-democrata, Luís Montenegro, e o líder da bancada do PSD, Joaquim Miranda Sarmento. Isto depois de ter feito um discurso a puxar ao centro e não só.

Assis assumiu que não está fora da vida política, sem “excluir” poder voltar a ser adversário do PSD num futuro pós-CES, garantido logo uma coisa que é todo um programa político — e oposto ao que Costa praticou e que Pedro Nuno promete: “Não sou nem nunca serei inimigo do PSD. O PSD, tal como o PS, é um partido estruturante da nossa vida democrática”.

Assis não exclui voltar ao combate, jura que “nunca será inimigo do PSD” e puxa partido para o centro

“Os livres pensadores fazem-nos bem”, comenta, depois destas semanas, um deputado socialista que se diz “aliviado”: “É melhor do que andarmos envergonhados com os casos e casinhos e a descoordenação do Governo”. E o mesmo para a “dialética” Costa/Pedro Nuno, com que o mesmo socialista ironiza, atirando ao líder do PSD que vê como único prejudicado: “Então o foco está entre o atual primeiro-ministro e o futuro? Há um incumbente e um challenger e depois há também um tipo que é Luís Montenegro…”

Numa maioria que é acusada pela oposição de ser um “rolo compressor”, uma frente interna discordante mais presente pode funcionar “como uma válvula de descompressão” e até a favorecer António Costa, contrariando a imagem do absolutista. Na última reunião da Comissão Política Nacional do PS, Augusto Santos Silva deixou, no entanto, um aviso à navegação, ao defender uma maior coesão no combate político e a necessidade de o partido assumir a luta política no terreno, não deixando o Governo sozinho a “defender a realidade verificada contra a realidade percecionada”. Quem o ouviu garante que não foi acintoso, mas referiu a “nova escola dos livres pensadores” quando pediu um partido mais ativo na defesa de Costa. O recado que parece não ter surtido grande efeito.