Não ficar paralisado, manter o sangue frio e não permitir que o futuro governo seja queimado em lume brando. Depois de umas eleições que resultaram num evidente bloqueio parlamentar, Luís Montenegro ficou entre dois muros. À direita, o Chega e os sonhos ministeriais de André Ventura; à esquerda, o PS e o modo de resistência política em que entrou Pedro Nuno Santos. Ao líder do PSD parece restar apenas uma saída: ir contra o(s) muro(s) e esperar que este(s) se desfaça(m). Ou seja, arrancar o novo ciclo político com propostas de emergência para os problemas identificados e deixar nos dois adversários o ónus de chumbar medidas teoricamente populares, antecipando duas coisas: o Chega estará pressionado pelo próprio eleitorado e terá de ceder; o PS estará condicionado pelos próprios timings e terá de esperar até estar reorganizado.
É esta, pelo menos, a convicção do núcleo duro da Aliança Democrática. Sabendo que terão de ter um governo de combate e preparado para um eventual mini-ciclo político, como explicava o Observador, os sociais-democratas estão apostados em entrar em força nesta nova fase. A parada está alta: entre o PS e o Chega, quem vai querer ficar com o ónus de chumbar um programa de emergência para a Saúde? A solução para a carreira dos professores? A revisão da grelha salarial dos elementos das forças de segurança? A redução dos impostos? O aumento do salário mínimo e do complemento solidário para idosos?
A resposta a estas perguntas condicionará os próximos meses de debate político. Instalada no centro do tabuleiro político e, em teoria, com dinheiro para distribuir, a Aliança Democrática poderá pressionar os adversários à esquerda e à direita a cederem onde lhes dói mais, sabendo que qualquer chumbo será usado contra os respetivos autores. É um poder que o PSD não tinha antes e que agora terá. A ideia, portanto, é uma: arrancar com uma política social forte que permita a Luís Montenegro não perder o brilho demasiado cedo.
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Ainda não é claro se o fará ou não através de um Orçamento Retificativo. Antes e durante a campanha eleitoral, Luís Montenegro e destacados dirigentes de PSD e CDS assumiam como “praticamente inevitável” corrigir o Orçamento do Estado de Fernando Medina. Agora, e apesar de a decisão ainda não estar ainda fechada, o precário equilíbrio parlamentar desaconselha grandes aventuras – e convém guardar algumas munições para o combate que aí vem.
Até porque, e ao contrário de tudo o que se vai dizendo e escrevendo na opinião pública e publicada, o núcleo mais restrito da Aliança Democrática acredita que a bolha político-mediática continua a falhar redondamente nas análises que vai fazendo – o governo de Luís Montenegro está aí para durar e vai durar muito mais do que se antecipa. Não só porque, no passado, já foi possível governar em minoria contra fatores de bloqueio e colher frutos mais à frente; mas porque o calendário pode ser favorável à AD.
E acredita-se nisso fundamentalmente por quatro razões: Pedro Nuno Santos não está em condições de derrubar (já) um governo da Aliança Democrática; André Ventura não poderá votar contra uma agenda que responda aos anseios do seu próprio eleitorado; chumbar o próximo Orçamento do Estado seria demasiado arriscado para qualquer partido; e o Orçamento do Estado para 2026 já será discutido e aprovado durante a janela temporal (outubro/novembro de 2025) em que Marcelo Rebelo de Sousa está impedido constitucionalmente de dissolver a Assembleia da República (há eleições presidenciais em janeiro de 2026).
Ou seja: mesmo que, mais à frente, esse segundo Orçamento do Estado seja chumbado, o Governo manter-se-ia sempre em funções até ao segundo semestre de 2026, altura em que o futuro Presidente da República, sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa, já terá a plenitude dos seus poderes – um prazo de validade mais do que suficiente para fazer a AD crescer em futuras eleições legislativas, acredita a equipa de Luís Montenegro.
Claro que este raciocínio tem um problema de princípio: entre PS e Chega, um dos dois terá de ceder para permitir a viabilização do primeiro Orçamento do Estado. Os sociais-democratas parecem estar mais inclinados em apostar que os socialistas não vão ter coragem de o chumbar já e partem do pressuposto de que Pedro Nuno Santos estará disposto a, pelo menos, abster-se na votação do Orçamento do Estado para 2025. Isto mesmo depois de o socialista ter dado sinais inequívocos — antes, durante e depois da campanha — de que não estará disposto a ser a bengala do PSD.
AD agarra-se a aviso de Ferro Rodrigues
O quartel-general da Aliança Democrática desvaloriza e acredita que Pedro Nuno Santos precisa de tempo para preparar a sua liderança e o partido para novas eleições. A força da conjuntura não deve ser ignorada, vai-se avisando no PSD. As eleições europeias vêm aí, estão agendadas para 9 de junho, e os sociais-democratas antecipam que, a AD, revigorada por estas legislativas e sem André Ventura como candidato, vai ter um resultado mais expressivo e desfazer as dúvidas que possam ter subsistido depois das legislativas.
Provocar a queda de um governo seria sempre penalizador; provocar a queda de um governo e fazê-lo antes do tempo seria um monumental tiro no pé. Provocar a queda de um governo, antes do tempo e com Luís Montenegro na mó de cima seria um suicídio político para o PS. “Pedro Nuno Santos não vai cometer um harakiri”, comenta com o Observador um destacado dirigente social-democrata.
De resto, as recentes declarações de Eduardo Ferro Rodrigues, insuspeito de nutrir particular simpatia pela ideia de um governo da AD, estão a ser lidas com muita atenção pela equipa de Luís Montenegro. Disse o antigo presidente da Assembleia da República: “Não me parece [que haja eleições], nem acho que seja bom para a democracia. Penso que é preciso dar tempo ao Luís Montenegro, para conduzir o Governo, e também ao Pedro Nuno Santos, para reconstruir à esquerda uma plataforma suficientemente forte que possa ganhar as eleições e que possa combater a extrema-direita. E isso não se faz em poucos meses”.
Antecipando o que aí vinha, Pedro Nuno Santos aproveitou as perguntas dos jornalistas logo na noite eleitoral para garantir que não cederá a qualquer tipo de chantagem para viabilizar um Orçamento do Estado de Montenegro. “Não vamos ceder a nenhum tipo de pressão. O nosso projeto para o país não é compatível. É alternativa ao projeto da AD. Não é a nós que têm de pedir para suportar um governo. A pressão virá, mas vamos aguentar-nos firmes a defender os nossos valores”, prometeu socialista. Luís Montenegro paga para ver se Pedro Nuno Santos não opta pela abstenção se tiver mesmo de ser; ao mesmo tempo, ainda assim, vai mantendo o plano B: desmontar o bluff de André Ventura.
Na cabeça dos dirigentes da coligação PSD/CDS, mesmo atirado para as bancadas da oposição, o líder do Chega não terá como rejeitar determinadas propostas que venham da secretária de Luís Montenegro, como a valorização da carreira dos professores ou dos elementos das forças de segurança, por exemplo. Esta segunda-feira, no programa “Tira-Teimas”, do Observador, Hugo Soares, secretário-geral do PSD e braço direito de Luís Montenegro, fez esse mesmíssimo exercício num debate com Diogo Pacheco Amorim, deputado, fundador e ideólogo do Chega.
“Concorda ou não com a descida dos impostos? Concorda com a recuperação do tempo integral dos serviços de professores? Concorda com a necessidade de termos um serviço complementar no setor social e no privado para responder aos problemas dos portugueses na saúde? Ou então os senhores querem dizer que não só porque dizem que não, porque se querem colocar no papel da oposição?”, foi desafiando o social-democrata, num exemplo claro do que será a dialética entre os dois partidos até às próximas eleições.
Impedir que o poder caia na rua
Mas o tango dança-se a dois: inflamado pelos 48 deputados que conseguiu eleger nestas eleições (e que podem chegar a 49 com os votos que ainda faltam contar nos círculos da emigração), André Ventura tudo fará para forçar a agenda do Chega; e Luís Montenegro terá de decidir, peça a peça, até onde estará disposto a ir, sabendo que cada reivindicação que fique por cumprir será usada por Ventura para acusar o PSD de fazer parte de um sistema que não se quer regenerar.
Dizer que não às propostas do Chega é um preço que a Aliança Democrática terá de pagar se quiser manter alguma racionalidade na governação. “Nós somos moderados, fazemos as coisas com conta, peso e medida. Somos responsáveis. É assim que somos e é por isso que não podemos governar convosco”, atirou Hugo Soares a Pacheco Amorim no mesmo “Tira-Teimas”.
O que levanta outro desafio, assume-se na direção do PSD: a estratégia de colocar entre o Chega entre a espada e a parede só resultará se a AD conseguir dominar a agenda mediática e política. “Este contexto é um incentivo enorme a qualidade governação”, diz ao Observador um destacado dirigente social-democrata. É preciso agir proativamente e não permitir que o poder caia na rua (do protesto).
Logo na noite eleitoral, Luís Marques Mendes, próximo de Montenegro, apontou o caminho. Mesmo não escondendo o pessimismo – “saio desta noite profundamente preocupado e a vaticinar que vamos ter novas eleições legislativas em janeiro ou fevereiro do próximo ano” –, o comentador sugeriu que a AD só tem uma saída: “Constituir um bom governo” e ter “uma boa capacidade de ação” para dar início ao “novo ciclo político” que começa em Portugal.
Depois, é esperar para ver. Em 1985, quando iniciou funções como primeiro-ministro à frente de um governo minoritário, Aníbal Cavaco Silva enfrentou todo o tipo de bloqueios até finalmente ser derrubado por uma aliança entre PS e PRD — só travada porque o então Presidente da República, Mário Soares, recusou dar posse a um governo socialista e preferiu convocar eleições. Dois anos depois de ter chegado ao poder, Cavaco Silva teve maioria absoluta, o PS atingiu mínimos olímpicos e o PRD praticamente desapareceu.
O mesmo aconteceu em 2022, quando António Costa esvaziou a esquerda depois de um chumbo orçamental e conseguiu chegar a uma maioria absoluta que poucos tinham antecipado. Neste novo ciclo, há uma esperança não escondida de que a história se possa repetir. Mas ninguém ignora que serão tempos de grande complexidade e que, do outro lado, os adversários são muito mais imprevisíveis do que os antecessores.
Governo de combate, pensado para mini-ciclo e a pagar para ver o bluff de Ventura