De repente, os astros parecem estar a alinhar-se no sentido de evitar uma crise política que muitos antecipavam como inevitável. Luís Montenegro enfrenta esta quarta-feira o seu primeiro Estado da Nação como primeiro-ministro depois de ter recebido a garantia de que Pedro Nuno Santos está disponível para negociar um Orçamento do Estado que antes dizia ser “praticamente impossível” de viabilizar. Resta saber se o debate parlamentar vai ou não confirmar o amenizar da crispação entre os dois partidos.
Atendendo ao que vão dizendo (ao dia de hoje, pelo menos) Montenegro e Pedro Nuno, o cenário de uma crise política iminente parece ter perdido alguma força. Nas semanas que antecederam este Estado da Nação, os dois principais protagonistas têm mostrado alguma abertura para negociar o próximo Orçamento do Estado. De resto, esta segunda-feira, a Comissão Política Nacional socialista mandatou mesmo Pedro Nuno Santos a negociar o documento com o Governo, sem impor, para já, qualquer tipo de linhas vermelhas.
O confronto agendado para quarta-feira será a primeira oportunidade para testar a temperatura da água e perceber como vai reagir Luís Montenegro ao repto de Pedro Nuno Santos — até ver, o primeiro-ministro tem optado por manter a tensão ou por manifestar desconfiança em relação à real disponibilidade dos socialistas para negociar e viabilizar o próximo Orçamento do Estado.
Aliás, basta ver o que disse Montenegro, no Conselho Nacional do PSD, dirigindo-se em particular ao PS. “Querem ver vertidas nas propostas orçamentais algumas das suas propostas, sim, têm parceria. Se por um acaso tudo isto não passar de um jogo, então tenham a coragem de deitar abaixo o Governo, porque nós cá estaremos para poder dizer aos portugueses o que é que está em causa.”
Ora, estas declarações aconteceram ainda antes de Pedro Nuno Santos ter sido autorizado pela direção do partido a negociar este Orçamento. No entanto, e tal como explicava o Observador ainda no final de junho, o Governo acredita que Pedro Nuno já não terá “coragem” de chumbar o Orçamento do Estado e provocar uma crise política, pelo que tudo não passará, neste momento, num jogo de sombras para que ninguém perca a face.
Recorde-se que, para ser aprovado, o documento precisa do voto favorável do Chega (que parece cada vez mais distante de Montenegro, e vice-versa) ou, pelo menos, da abstenção dos socialistas. Se este Orçamento for aprovado, o Governo um prazo de sobrevivência pelo menos até ao arranque de 2026, uma vez que, seis meses antes de terminar o mandato, Marcelo Rebelo de Sousa estará impedido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições.
Poderia colocar-se o cenário de um eventual chumbo do Orçamento do Estado, que obrigaria o Executivo a governar por duodécimos, precipitar essa crise política. Em maio, em entrevista ao Público, Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão, foi cristalino: “A oposição tem de saber que chumbar o orçamento significa uma opção por ir a eleições“. O governante dizia mesmo que era “altamente improvável” imaginar o Executivo a ficar preso aos duodécimos.
Porém, também essa posição terá evoluído no núcleo duro do Governo. Não sendo uma hipótese brilhante parece cada vez menos difícil de acomodar, o que torna menos provável um cenário de crise política. Já em abril o Observador aventava essa hipótese, depois veio a entrevista de Castro Almeida, mas o tema duodécimos nunca desapareceu no debate no núcleo duro do Governo — como reforçava nos últimos dias o Observador. Uma hipótese alimentada pelo Executivo, mas também por Aníbal Cavaco Silva.
A pressão de Marcelo
Marcelo Rebelo de Sousa tem mantido pressão para que Montenegro e Pedro Nuno Santos se entendam. Ainda esta terça-feira, o Presidente da República aproveitou a decisão da Comissão Política Nacional do PS para elogiar a “abertura ao diálogo com tempo por parte dos líderes e dos partidos”. Apesar de tudo, Marcelo pareceu sugerir nas entrelinhas que não é exatamente adepto de um Governo em duodécimos — em 2021, foi precisamente o chumbo do Orçamento que motivou a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições.
Agora, Marcelo defende que é ainda mais importante aprovar o Orçamento do Estado, porque em 2021 “não havia guerra, não havia Médio Oriente, não havia imprevisibilidade das eleições americanas e agora há“. “Tudo o que dependa de nós que possa contribuir para aumentar a estabilidade é bom, tudo o que signifique não aumentar a estabilidade, é mau“, acrescentou Marcelo. Ou seja, não é exatamente claro o que faria Marcelo em caso de chumbo orçamental.
Tudo dependerá dos próximos meses, portanto. O debate do Estado da Nação permitirá perceber as estratégias que os três principais partidos desta equação — PSD, PS e Chega — vão assumir durante o verão. Previsivelmente, Luís Montenegro recordará todas conquistas que o Governo considera ter conseguido — os acordos com professores e forças de segurança, a localização do futuro aeroporto em Alcochete e os pacotes e para a saúde, imigração, corrupção ou habitação.
Paradoxalmente, as sondagens dão algum conforto a Montenegro e a Pedro Nuno Santos, o que pode ajudar a esvaziar o balão que vinha em crescendo até às europeias (que os socialistas ganharam). Se, por um lado, o PS continua a surgir ligeiramente à frente da Aliança Democrática, Montenegro tem conseguido bons indicadores de popularidade — superior aos de Marcelo, inclusive. Além disso, e de acordo os estudos de opinião mais recentes, a maioria dos inquiridos não quer eleições. Cereja no topo do bolo: o Chega parece estar em quebra, o que aconselha alguma cautela Ventura.
Apesar de tudo, o líder do Chega veio esta quarta-feira, já depois do psicodrama que o partido alimentou na Madeira, aumentar novamente a pressão sobre a AD, exigindo clarificação a Montenegro. “É impossível ter um orçamento que agrade ao Chega e ao PS. Ou o Governo opta por ir ao encontro das satisfações do PS, e isto significa impostos elevados, subsídios elevados, mais despesa e a contração da economia, em troca de uma subsidiação dessa economia ou opta por um modelo mais próximo do Chega, com menos impostos, um investimento público específico e selecionado e a promoção do crescimento económico, aliviando as famílias e as empresas da carga fiscal brutal”.
Tudo somado, Montenegro parece chega a este Estado da Nação em clima de aparentes tréguas e com um estado de graça que poucos antecipavam. No entanto, ninguém no Governo ignora que o processo orçamental pode resultar num caos político. Admitindo que PS e/ou Chega até permitem que o Orçamento do Estado passe na generalidade, os dois partidos podem perfeitamente desfigurar o documento através de votações cruzadas na discussão da especialidade, forçando Montenegro a executar um Orçamento que não é o dele, o que seria politicamente insustentável para a Aliança Democrática.
Como explicava o Observador ainda em junho, esse poderia ser um cenário-limite para Montenegro. “Se Orçamento ficar feito em retalhos, temos de ver o que fazemos na altura. Mas sim, pode não ser sustentável continuar”, ameaçava na altura um governante. Para já, é muito cedo para antecipar quais serão as próximas jogadas de Pedro Nuno e Ventura e até onde vai a real disponibilidade de Montenegro para ouvir e incorporar as propostas da oposição.