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O leste da Europa foi polvilhado com dezenas de milhares de monumentos de homenagem aos soldados soviéticos do Exército Vermelho que combateram na II Guerra Mundial. Mas a derrota e expulsão dos nazis foi acompanhada pela ocupação de vários países pelos russos e a incorporação na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas — fundada a 30 de dezembro de 1922, há quase 100 anos. Os monumentos são, assim, símbolos de libertação, mas também de ocupação, com o peso do segundo a crescer consideravelmente depois da invasão da Ucrânia em fevereiro deste ano.
O atentado à soberania do Estado ucraniano reuniu iniciativas de apoio à Ucrânia e repúdio às investidas russas, desde os Estados Unidos à Turquia, com os países que fazem fronteira com a Rússia (ou que estão suficientemente próximos) a recearem pela sua segurança. Para os Estados Bálticos, agora com democracias ocidentais, a ocupação russa não traz boas memórias e a invasão da Ucrânia veio abrir feridas mal saradas. Como apoio à Ucrânia, mas também pela verdade histórica, Lituânia, Letónia e Estónia estão a retirar os memoriais soviéticos dos lugares de destaque que ocupavam.
Ao longo do tempo, muitos dos monumentos soviéticos foram colocados de parte, não tanto pela remoção, mas porque deixaram de ser cuidados e deixaram de ter a importância simbólica que lhes havia sido atribuída. Alguns foram retirados após a dissolução da URSS, em 1991, outros numa nova vaga em 2015 — depois da anexação da Crimeia —, mas foi a invasão da Ucrânia em fevereiro deste ano que motivou os Estados Bálticos a criarem novas leis de proibição da glorificação do totalitarismo e autoritarismo e a traçarem um plano para eliminar do espaço público todos (ou quase todos) os monumentos soviéticos até ao final deste ano (alguns exemplos aqui).
A grande intervenção no Parque da Vitória de Riga na Letónia
Entre os alvos de remoção mais recentes está o gigantesco monumento no Parque da Vitória, em Riga, capital da Letónia, com uma área de intervenção de cerca de três hectares. O complexo, que inclui um obelisco de 80 metros de altura, várias esculturas, caves e um enorme lago artificial com 50 mil litros de capacidade, começou a ser demolido na segunda-feira, dia 22.
A zona está vedada a peões e veículos, os ajuntamentos e manifestações estão proibidos, mas 14 pessoas foram detidas esta quarta-feira por se recusarem a dispersar do local, após ter havido confrontos entre as pessoas presentes. Quem se manifesta contra a demolição do monumento — que não terá outro fim que não a destruição — relembra que o local era usado para celebrar o Dia da Vitória, assinalado a 9 de maio segundo a tradição soviética (mas sobre este dia falaremos mais à frente).
Este é apenas um dos cerca de 300 locais ou memoriais que podem ser retirados pelas autoridades locais letãs, indica a Al Jazeera, mas é o maior e o que tem maior simbolismo associado — tanto pela existência, como pela remoção. Outros monumentos, em várias cidades letãs, têm sido retirados — de acordo com uma lei aprovada este ano — ou vandalizados, ambos como forma de oposição à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Poucos monumentos terão a carga emocional deste complexo de Riga ou do Soldado de Bronze na Estónia, disse Dmitrijs Andrejevs, investigador na Universidade de Manchester no Reino Unido, ao canal Al Jazeera. E a sua retirada desperta igualmente poderosas emoções contra e a favor. Retirar o Soldado de Bronze de uma praça central para um cemitério militar na periferia de Tallinn (capital da Estónia), em 2007, originou conflitos durante vários dias que levaram à detenção de mais de 800 pessoas, uma vítima mortal e ainda 150 feridos.
As autoridades nos países bálticos dizem ter aprendido com este exemplo, em particular a Estónia, que na semana passada procurou tirar de forma pacífica (e quase secreta) um marco importante da entrada russa no país: o tanque T-34 em Narva, a principal cidade-fronteira a nordeste. Neste caso, ao contrário do monumento de Riga, o tanque foi levado para um museu.
“Considerando o rápido aumento das tensões e confusão junto aos memoriais em Narva, temos de agir rapidamente para garantir a ordem pública e a segurança interna”, justificou a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, citada num comunicado oficial. A nota foi publicada na manhã de dia 16 e da parte da tarde o governo anunciava que já tinha retirado o tanque e mais cinco monumentos, incluindo placas e memoriais sobre sepulturas de guerra, às quais foi atribuída sinalização neutra.
Estónia. Memoriais soviéticos retirados dos locais públicos da cidade de Narva
Eliminar memoriais soviéticos respeitando os restos mortais
Muitos dos memoriais, estátuas e outras representações relacionadas com o fim da II Guerra Mundial e com a antiga URSS, pretendem assinalar as sepulturas dos soldados e homenagear aqueles que lutaram contra a Alemanha nazi. É por isso que os familiares das vítimas e outros descendentes russos continuam a prestar homenagem aos combatentes junto a estes monumentos, estejam em território russo ou fora dele.
O Soldado de Bronze também assinalava o local onde estavam sepultados os restos mortais dos soldados que, tal como a estátua, foram retirados e levados para o cemitério militar. A presença de restos mortais — numa sepultura pré-existente (mais tarde identificada com um monumento) ou numa nova campa para onde foram levados posteriormente para serem celebrados — tornou-os locais “sagrados”, o que amplifica a repercussão do que aí acontecer.
“As autoridades soviéticas utilizaram os mortos para dar a um monumento ideológico a sacralidade de uma lápide”, disse Hellar Lill, diretor do Museu da Guerra na Estónia, ao canal Al Jazeera. E é por isso mesmo que os memoriais sobre sepulturas são muito menos vezes removidos ou destruídos, afirmou o historiador Mischa Gabowitsch, em 2021, na altura investigador Einstein Forum (Alemanha).
O diretor do museu estónio denunciou, no entanto, que uma escavação na cidade de Otepää, no sul da Estónia, revelou que ali não se encontravam sepultados quaisquer restos humanos. Noutros locais, o número de mortos anunciados no memorial pode não corresponder ao número de sepultados no local.
Convenção de Genebra protege restos mortais de vítimas de conflitos armados
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- Artigo 34.º — Restos mortais de pessoas falecidas
1 – Os restos mortais das pessoas que morreram devido a causas ligadas a uma ocupação ou aquando de uma detenção resultante de uma ocupação ou de hostilidades e os das pessoas que não eram nacionais do país em que morreram devido às hostilidades devem ser respeitados e as sepulturas de todas essas pessoas devem ser respeitadas, conservadas e assinaladas como previsto no artigo 130.º da Convenção IV, salvo se esses restos e sepulturas não beneficiarem de um regime mais favorável em virtude das Convenções e do presente Protocolo.
2 – (…) b) Assegurar a permanente proteção e conservação dessas sepulturas; (…)
4 – (…) b) Quando a exumação se impuser por motivos de interesse público, incluindo os casos de necessidade sanitária e investigação, em que a Alta Parte Contratante deve tratar sempre os restos mortais com respeito e avisar o país de origem da sua intenção de os exumar, dando informações precisas sobre o sítio previsto para a nova sepultura.
Procuradoria Geral da República/Ministério Público
A Convenção de Genebra (em particular o Protocolo I Adicional, de 1977) obriga os membros signatários a respeitarem as sepulturas das vítimas da guerra e assinalá-las devidamente. Com as novas resoluções, os Estados Bálticos entendem que os monumentos erguidos sobre estas campas não estão incluídos nesta proteção — sobretudo quando se tornaram símbolos de violência — e que “proteger as sepulturas” não significa “mantê-las inalteradas”.
A Estónia, por exemplo, justificava (já antes de 2018) a retirada dos restos mortais de praças centrais para outros locais onde fosse mais adequada a sua comemoração, escreveu Mischa Gabowitsch na Politika, uma plataforma de partilha de investigação sobre ciências políticas, com informação recolhida até 2018. Na Rússia e na Bielorússia, pelo contrário, continuam a erguer-se monumentos de celebração que fiquem mais acessíveis a quem os queira visitar, acrescenta.
“Estes locais de enterro são muito diferentes”, disse Vidmantas Bezaras, diretor do Departamento de Herança Cultural lituana, à emissora nacional LRT. “Alguns deles são muito moderados e realmente respeitosos, enquanto noutros [os soviéticos ou autores dos memoriais] tentaram acrescentar esculturas agressivas, parafernália da era soviética, bandeiras, metralhadoras, etc..”
Foi esta apropriação dos símbolos que justificou a decisão de retirar seis esculturas em granito de soldados do Exército Vermelho do lugar de destaque que ocupavam no cemitério Antakalnis, em Vilnius, capital da Lituânia. “Apesar de um cemitério ser um cemitério e de, na civilização ocidental, ser normalmente um lugar intocável. É claro que os soviéticos sempre gostaram de ultrapassar as marcas e fazer dos cemitérios coisas ideológicas“, disse Remigijus Šimašius, presidente do Município de Vilnius, ao serviço noticioso do Báltico BNS. As esculturas serão retiradas e, eventualmente, colocadas num outro lugar.
Trocar nomes de ruas e proibir fitas Georgianas para pôr um fim à sovietização
A Lituânia apressou-se a retirar todas as estátuas que não marcavam locais de sepulturas — nomeadamente de Lenine, Estaline e outras figuras soviéticas — logo após a dissolução da URSS, em 1991, não tanto por uma decisão do governo central, mas por iniciativa dos governos locais que queriam apagar estas marcas das suas praças. Também na Estónia, durante os anos 1990, foram retiradas dezenas de memoriais leninistas.
Nos últimos meses, vários municípios estónios expressaram oficialmente a vontade de deslocar os restos mortais dos soldados de Exército Vermelho de locais públicos para cemitérios de guerra. Foram também as autoridades locais lituanas, depois da invasão da Ucrânia, que pediram ao Departamento de Herança Cultural para retirar o estatuto de proteção aos memoriais soviéticos sobre as sepulturas para poderem retirá-los.
A “de-sovietização” (numa tradução livre, sem sinónimo em português) da Lituânia inclui dar um novo nome a tudo o que lembre a era Soviética. “Estamos a falar dos nomes dos monumentos que restam, das praças e ruas e também das escolas. É muito importante que haja uma segunda parte desta lei, que discuta quem foram as pessoas que deram nome às ruas, o que significam para o nosso estado e para a nossa história”, disse Paulė Kuzmickienė, presidente da Comissão para as Lutas pela Liberdade e Memória Histórica, à LRT. A Ucrânia também aproveitou o dia do aniversário da independência para mudar o nome em 95 ruas de Kiev que eram alusivos à herança soviética.
Apesar de poderem ter valor histórico, cultural e patrimonial, os monumentos soviéticos representam também um potencial palco de confrontos, especialmente nos Bálticos onde uma parte importante da população é russófona. A colagem de Vladimir Putin à era Soviética só aumenta a vontade dos governos da Europa de leste retirarem a importância a estes monumentos, ao mesmo tempo que classificam a ação como uma “medida de segurança”.
O Presidente russo, os seus aliados e os media estatais referem-se àquilo que chamam de “operação militar especial” como uma forma de desnazificar a Ucrânia e comparam a recente invasão do país com a luta que foi travada contra os nazis nos anos 1940, refere um artigo na plataforma The Conversation. Nesta tentativa de enaltecer os feitos e ignorar as atrocidades cometidas, Putin e os aliados têm-se apropriado dos símbolos e memoriais soviéticos como forma de apoio ao governo russo e à sua ofensiva sobre a Ucrânia, conforme acusam líderes e autarcas nos bálticos.
Um destes exemplos é a fita de São Jorge (com três riscas pretas e duas laranjas) que fazia parte da decoração das fardas militares soviéticas e que se tornou um símbolo dos veteranos da II Guerra Mundial. A fita era também usada durante as homenagens aos soldados mortos. Mas desde a ocupação da Crimeia, a fita passou significar o apoio da agressão russa contra a Ucrânia. Na Lituânia, esta fita Georgiana foi proibida em espaços públicos e alvo de punição, tal como a exibição de símbolos nazis ou outros símbolos soviéticos.
Mudar a lei para cumprir a justiça histórica e combater a desinformação
A Convenção de Genebra determina a proteção dos restos daqueles que morreram durante a guerra — qualquer uma —, mas alguns países também assinaram com a União Soviética (e, por legado, com a Rússia) acordos sobre a gestão das sepulturas de guerra e outros monumentos. Dos três Estados Bálticos, a Letónia foi o único a assinar este tipo de acordo bilateral, em 2007, mas nem isso impediu a mudança da lei este ano.
A invasão da Ucrânia tornou as coisas bastantes claras para o governo letão: “Ou se está a favor do regime de Putin ou se está contra o regime de Putin”, disse Arvils Ašeradens, presidente da comissão parlamentar que supervisiona a mudança da lei sobre os monumentos, sem dar margem a uma terceira hipótese. O respeito pelas vítimas da II Guerra Mundial é universal, mas a Letónia “não quer ter monumentos de propaganda que glorifiquem o Exército Vermelho”, acrescentou em entrevista ao canal Al Jazeera.
Letónia vai demolir monumento soviético de 80 metros de altura na capital
No dia 12 de maio, o parlamento letão decidiu pela suspensão do artigo 13.º do acordo entre o Governo da Federação Russa e o Governo da República da Letónia que visava, por exemplo, garantir que a Letónia preservava os memoriais soviéticos. A decisão entrou em vigor no dia 16 — e assim ficará até que a Rússia abandone a ofensiva contra a Ucrânia. Mas logo no dia 13, o município de Riga aprovava a demolição do monumento no Parque da Vitória.
Letónia. Nova lei defende democracia e justiça histórica
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Artigo 1. Objetivo da Lei
O objetivo desta lei é:
- evitar a difamação e a ameaça dos valores da Letónia como estado democrático e nacional;
- manifestar uma posição condenatória contra a ocupação ilegal pela URSS e pela Alemanha nazi, as políticas implementadas e os crimes cometidos;
- promover a compreensão do público sobre os acontecimentos no território da Letónia durante a II Guerra Mundial e o período pós-guerra, fortalecendo assim a memória histórica do público;
- garantir a restauração da justiça histórica — evitar coberturas falsas, imprecisas e tendenciosas de eventos históricos e honrar a resistência do povo letão ao poder de ocupação da URSS e da Alemanha nazi.
República da Letónia
Cerca de um mês depois, o mesmo parlamento aprovou uma lei “sobre a proibição de exibir objetos que glorificam o regime soviético e nazi e o seu desmantelamento no território da República da Letónia” — com exceção daqueles localizados nos locais de enterro de soldados e vítimas —, conforme comunicado no site oficial do Saeima. A lei quer também “evitar coberturas falsas, imprecisas e tendenciosas de eventos históricos”.
A Lituânia não assinou nenhum acordo bilateral com a Rússia, mas a herança cultural no território, que seja importante para outros Estados, é alvo de legislação especial. No mesmo país, uma outra lei proíbe desde 2008 o uso de símbolos comunistas, como a foice e martelo, entre outra simbologia soviética.
Estes dois princípios legais corriam o risco de representar decisões opostas sobre uma mesma situação (o que chegou a acontecer), mas a nova proposta de lei “sobre a proibição de promover regimes totalitários e autoritários e as suas ideologias” pretende acabar com o problema.
A lei não só pretende proibir símbolos e propaganda destes regimes, como impede que pessoas que ocupam ou ocuparam cargos políticos, militares ou em estruturas repressivas, usem o espaço público para promover estas ideologias, de acordo com a LRT. As celebrações relacionadas com pessoas ou datas que remetam para a ocupação soviética ou nazi também ficam proibidas.
A informação não desaparecerá: vai continuar a estar presente nos museus, arquivos e bibliotecas; vai ser usada para informar as pessoas sobre as ideologias destes regimes e as consequências passadas, presentes e futuras; e será, naturalmente, usada com objetivos educacionais, científicos e artísticos.
Nem os acordos bilaterais previnem a destruição dos símbolos soviéticos
A União Soviética assinou acordos bilaterais com vários países onde ficaram enterrados os seus soldados e onde fez questão de glorificar a vitória soviética sobre a Alemanha nazi, mas o tipo de acordos pode ser muito diferente de país para país, explica
Mischa Gabowitsch no seu artigo.
Na Polónia, por exemplo, os municípios pediam à embaixada russa que assinasse uma autorização de relocalização de qualquer monumento — mas só até 2015. Desde a anexação da Crimeia, o Conselho para a Proteção dos Sítios de Luta e de Martírio deixou de parte o seu papel de intermediário e disse que esta coordenação com as autoridades russas não era um requisito legal exceto para as sepulturas. Em 2016, a lei que proíbe a propaganda comunista foi alterada para incluir os monumentos soviéticos.
Como vivem os vizinhos de Putin? José Milhazes na fronteira da Estónia com a Rússia
Para outros Estados tidos como sucessores do regime, incluindo a Ucrânia, Geórgia e Usbequistão, terá ficado no ar a ideia de que não seriam precisos acordos de proteção adicionais, descreve o historiador. E ainda foi preciso algum tempo até se tornar claro que as atitudes face aos monumentos soviéticos poderiam ser muito diferentes e altamente voláteis.
Para a Ucrânia, as leis anti-comunismo em vigor desde 2015-2016 focaram-se sobretudo nas estátuas dos líderes soviéticos, mais fáceis de interpretar como símbolos da ocupação soviética. Os memoriais aos soldados mortos e as sepulturas, por sua vez, tinham também soldados ucranianos que lutaram ao lado dos russos e tornaram-se mais difíceis de eliminar — o que não quer dizer que não tivessem sido alvo de remodelações e reinterpretações.
Mas a mais impressionante — e mais trágica — destruição de um monumento soviético aconteceu na Geórgia, a 19 de dezembro de 2009. O Presidente Mikheil Saakashvili (de 2005 a 2013) num gesto simbólico de “de-sovietização” mandou explodir o Monumento da Glória Militar em Kutaisi para aí construir um novo parlamento. A explosão da estrutura de ferro de 40 metros lançou destroços por centenas de metros, matando uma mulher e a filha e ferindo várias pessoas, algumas com gravidade.
Dia da Vitória: as 24 horas que separaram o ocidente da Rússia
Para os países da Europa de leste poderem reescrever a sua história denunciando a ocupação soviética e deixando de adorar os seus símbolos será preciso mais do que retirar estátuas e monumentos ou mudar nomes de ruas e escolas, é preciso adotar outras medidas: chamar II Guerra Mundial ao conflito global dos anos 1940 e não “Grande Guerra Patriótica” como o definia a União Soviética; e admitir que a guerra teve início quando a Alemanha invadiu a Polónia a 1 de setembro de 1939.
A invasão que marca o início da guerra aconteceu cerca de uma semana depois de assinado o pacto de não agressão entre os ministros das Relações Externas da União Soviética, Vyacheslav Molotov, e da Alemanha nazi, Joachim von Ribbentrop — um pacto com um acordo secreto para dividir a Europa (e a Polónia) em dois, metade para cada um dos Estados totalitários. A Rússia assinalou o aniversário do tratado a 23 de agosto e voltou a omitir esta parte da história.
Por outro lado, os países da Europa de leste também urgem os colegas da União Europeia a combaterem juntos a tentativa da Rússia de reescrever a história e a desinformação e propaganda russa nesse sentido. “A carta conjunta sobre a memória europeia” foi assinada pelos Presidentes da Lituânia e Roménia e pelos primeiros-ministros da Estónia, Letónia e Polónia.
Outra data que opõe a União Soviética (e agora a Rússia) aos restantes países ocidentais é a que marca o fim da II Guerra Mundial e, como tal, o Dia da Vitória dos aliados contra a Alemanha nazi. Os nazis capitularam e a 7 de maio de 1945 assinaram um um “Ato de Rendição Militar” incondicional e um cessar-fogo que entraria em vigor no final do dia seguinte — 8 de maio, o Dia da Vitória no ocidente — em Reims, na França, como lembra a National Geographic.
Estaline, no entanto, exigiu uma nova rendição em Berlim, na presença de oficiais graduados tanto do lado nazi como do lado soviético, como aconteceu no dia 8 (e o cessar-fogo no dia seguinte). É por isso que a comunidade russófona celebra o dia 9 de maio como o Dia da Vitória — aliás, a rendição de Reims só foi anunciada na URSS depois de conhecida a rendição de Berlim.
Os monumentos usados para celebrar a vitória soviética sobre o nazis no dia 9 de maio são, muitas vezes, o palco dos confrontos entre os que falam em libertação e os que dizem que foi o início da ocupação soviética nos países da Europa de leste. Na Letónia, por exemplo, o dia deixou de ser celebrado oficialmente com a declaração da independência.
Nos quatro anos que se seguiram, de 1991 a 1994, o dia 9 de maio serviu para lembrar as vítimas da II Guerra Mundial e fazia parte do calendário de feriados nacionais — mas isso acabou. Desde 1995 que é celebrado o dia 8 de maio, “O Dia da Destruição do Nazismo e o Dia das Vítimas da Segunda Guerra Mundial”. No ano seguinte, o dia 9 de maio passou a ser celebrado com o Dia da Europa. A comunidade russófona, porém, nunca celebrou este dia e continua a celebrar a Grande Vitória nos símbolos soviéticos, como o agora parcialmente destruído monumento do parque de Riga.
Na Lituânia, onde os soldados do cemitério de Antakalnis eram o local de celebração soviético, o Dia da Vitória passou a ser celebrado a 8 de maio, tal como nos restantes países da União Europeia. A mudança aconteceu em 2005, um ano depois de os três Estados Bálticos se terem juntado à UE.