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O que se passa quando Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos estão nos bastidores
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O que se passa quando Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos estão nos bastidores

O que se passa quando Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos estão nos bastidores

O chá de gengibre, as massagens e o risco limitado. Estivemos nos bastidores das campanhas do PS e PSD

Milhares de quilómetros, pequenas mazelas físicas, marketeiros atarefados e um risco calculado para evitar erros fatais. Os bastidores das campanhas que querem acabar em São Bento

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A campanha eleitoral é uma prova de resistência mental e, sobretudo, física. São milhares de quilómetros percorridos por todo o país, pouquíssimas horas de sono e um cansaço acumulado que obriga a uma resistência de maratonista. Com uma eleição disputada e muitos indecisos, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro não dispensaram voltas longas e exigentes. Mesmo exaustos, foram ambos repetindo para contrariar o cansaço que estão bem e preparados para o que aí vem. É aquilo que querem que os eleitores vejam, mas há uma outra campanha por detrás da que passa nas televisões, nas rádios e nos jornais, onde ficam evidentes as fragilidades, mas também o profissionalismo das máquinas partidárias.

Têm mensagens diferentes, mas ambos preocupações com a voz. Se Pedro Nuno Santos já começou rouco e não se convenceu com o chá de perpétuas roxas (prefere pastilhas para a garganta), Luís Montenegro tem sido salvo por um chá de gengibre com curcuma. O líder do PSD teve algumas dores nas costas e não dispensa a presença de uma fisioterapeuta na comitiva.

Ambos arriscam pouco e preferem participar em programas de humor do que dar entrevistas longas a órgãos de comunicação social. Coisa diferente é a relação com quem faz a cobertura da campanha: um alimenta picardias com jornalistas, outro mantém-se mais distante, mas com simpatias de circunstância. Um tenta ser pontual, outro irrita-se com demoras. O Observador acompanhou nas últimas duas semanas as campanhas da AD e do PS, num jogo de bastidores que é cada vez mais profissional, mas também mais protegido.

O Pedro Nuno Santos das varandas que evita riscos e anda a pastilhas para a garganta

Num hotel na Covilhã, o líder do PS já desce em cima da hora da arruada e deixa a equipa pendurada para gravar mais um tempo de antena.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Não vão descansar? Ah… estão a ver se eu levo com tinta…” A meia hora da praxe das selfies pós-comícios tinha finalmente terminado e Pedro Nuno Santos saía da Aula Magna — onde tudo o que podia correr mal aconteceu — e comentava com os jornalistas, resignado com essa sombra que paira sobre qualquer candidato nesta altura. No caso dele não é a única. O PS partiu para a estrada receoso com o que poderia encontrar e isso traduziu-se numa campanha controlada, sempre por ruas onde o peso do partido nunca fosse inferior a 40% (nos resultados de 2022), sem entrevistas longas a jornalistas e onde a coisa mais radical que o candidato fez foi mesmo subir a varandas.

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[Já saiu o segundo episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui]

Na sua entourage nota-se que o ânimo arrefeceu a meio da última semana. O fim de semana da viragem — pelo menos programado para esse efeito — não pegou. Os líderes bem podem tentar minimizá-las, mas as sondagens pairam sempre sobre as caravanas e as do PS estão, nos gráficos evolutivos, em queda desde o meio de janeiro. Isso vai pesando nos ombros à medida que o dia 10 se aproxima e nem mesmo a “charanga Huga” que tantas vezes segue à frente dos contactos com a população a tocar modinhas consegue virar o ânimo.

Nesta quarta-feira, o candidato apareceu no Barreiro e em Torres Vedras para arruadas mais pequenas do que as que fez a norte nos dias anteriores. A dada altura, em Torres, depois de ruas onde não se via mais do que comerciantes curiosos com o barulho na rua do “Laurindinha” tocado pela banda, Pedro Nuno desembocou numa praça completamente vazia e foi ele mesmo quem entendeu dirigir-se, sempre em passo muito apressado, para a esplanada mais próxima para tentar contactar pessoas. Nota-se, na reta final, uma certa urgência em chegar ao maior número de eleitores possível.

Desde o fim de semana é prática comum o candidato acabar arruadas em varandas que encontra. Em Guimarães foi irónico, já que poucos metros à frente da varanda de um dos momentos tensos desta sua campanha, Pedro Nuno Santos estava pendurado noutra, minutos depois do incidente, a falar ao “povo”, como gosta de dizer. Tinha feito o mesmo, de manhã, em Caxinas e novamente, no dia seguinte, na Afurada.

Na rua não é invasivo. Nunca é ele quem distribui rosas ou o que quer que seja do material de propaganda do partido. Vai de mãos livres para cumprimentar, mas analisa primeiro se há recetividade do outro lado. Esse trabalho fica para os jotas, de saco totem ao ombro, sacam canetas, lápis, crachás com o slogan “Mais ação” e abre-caricas para distribuírem.

“Não temos encontrado animosidade“, comenta-se na caravana com algum alívio. A expectativa, depois de oito anos no poder e de uma demissão do governo tumultuosa, era baixa. Houve nas ruas, até aqui, apenas alguns episódios muito pontuais, que são imediatamente afastados pelos gritos de “PS” ou de “É Jota, é Esse, é JS”, e Pedro Nuno segue. Em Coimbra, a meio do Largo da Portagem, um homem furou a bolha para chegar ao líder do PS e dizer-lhe qualquer coisa, percebendo-se apenas a hostilidade. De imediato nasceu um cordão de braços nas costas de Pedro Nuno, e a ministra e cabeça de lista distrital, Ana Abrunhosa, foi a primeira a saltar em defesa do líder do PS.

No contacto com a população, o candidato é contido. Limita-se a agradecer o alento que vai recebendo e a desejar “felicidades” àqueles com quem se cruza. Chateia-se muitas vezes por a turba que o rodeia, com câmaras, lentes e microfones, não o deixar chegar às pessoas. E, a dada altura da arruada de Coimbra, arruma as cadeiras desalinhadas pelo arrastão que com ele vai numa esplanada. Espreita para dentro do café e pede desculpa com a mão aos empregados.

Dentro de empresas — o que aconteceu apenas nos primeiros dias de campanha oficial — demora-se mais do que nas ruas, que percorre de forma tão apressada que a própria comitiva lhe pede que desacelere o passo. Nas visitas empresariais é muito diferente: pergunta, mexe, interage e conta histórias da sua infância no meio das máquinas do pai. Vai envolvido nas conversas, como acontece na visita ao hospital Cova da Beira, na Covilhã, acabando mesmo quase dentro de um bloco operatório. Quando se dá conta está à frente de um vidro, do outro lado decorre um cateterismo e acaba por dizer que é melhor não estar (ele e várias câmaras televisivas) ali.

Em Portalegra, antes do comício, pára num hotel para preparar o discurso do comício dessa noite.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Não sai tão rápido, no entanto, quando se visita a sala de medicina reprodutiva do mesmo hospital. Conhece na primeira pessoa o drama de casais como o que está sentado na sala de espera, a quem deseja sorte, e fica de olhos rasos quando assume, na visita guiada, que conhece “bem” o tema. Muda o semblante quando, no final da visita, fala aos jornalistas e atira ao PSD por ter como candidatos “negacionistas climáticos”, mas mal uma jornalista lhe fala nessa experiência pessoal volta a fechar a cara e a carregar na necessidade de reforçar o investimento no SNS para “ajudar os jovens casais que querem ter filhos”: “Esse é um dos dramas mais duros, porque se trata de um projeto de vida que é colocado em causa, sonhos que são postos em causa. Precisamos de mais investimento por parte do SNS nessa área muito importante para os jovens casais e para mim também”.

Com os jornalistas, em rodas de perguntas, chama, não raras vezes, pelo nome e trata sempre por tu os profissionais. Provoca durante as arruadas, como fez em Guimarães quando entrou num café e encontrou nas mesas a tomarem o pequeno almoço quatro ou cinco socialistas seguidos: “Anda aí muita gente enganada“, comentou com os jornalistas numa picardia que é constante.

Com quem encontra na rua, nesta sua primeira campanha como cabeça de cartaz, procura primeiro tentar perceber se vai ser bem recebido o seu aperto de mão. A Norte corre tudo mais fácil, mas a Sul a contenção é maior, nada a ver com o que se viu em Caxinas ou na Afurada, no domingo e segunda-feira. Mas, aí, já se sabe, o PS reina e comanda com facilidade. No bairro de pescadores de Vila Nova de Gaia, perto da porta da Junta de Freguesia (55% socialista), há um oleado a proteger uma mesa de bifanas, no final da arruada com Pedro Nuno.

Os socialistas sublinham a forte mobilização do partido nestas eleições e ela já se tinha visto, no Porto, no sábado no comício com António Costa no Pavilhão Rosa Mota, onde havia comida  e senhas distribuídas nos autocarros que levaram simpatizantes do distrito até ali. A máquina está oleada e os oito anos de poder ajudaram a um envolvimento mais acentuado de que Pedro Nuno vai beneficiando no terreno. A máquina é eficaz em encher salas que em alguns sítios, como Coimbra ou Braga, por exemplo, foram além da lotação.

No final e cada comício fica sempre meia hora na selfies com os simpatizantes. E é prática comum na rua também.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Não pisa terreno pantanoso. A campanha foi gerida com pinças desse ponto de vista. Os contactos com a população passam por Vendas Novas (43% PS, em 2022), Évora (41%), Caxinas (43%), Afurada (44%), Guimarães (40%), Setúbal (46%), Marco de Canaveses (47%), Barreiro (51%), Covilhã (55%).  Só a Feira da Alheira em Mirandela é que caiu fora desta norma. É terra onde o PS está atrás do PSD e foi logo aí que se cruzou com uma mulher que o avisou para ter atenção aos professores.

Nessa como noutras tiradas, seja de quem passa, sejam perguntas de jornalistas, Pedro Nuno Santos responde sempre com a mira apontada ao lado de lá da barricada. Nesse caso concreto foi onde nasceu o desafio a Montenegro para explicar se nas progressões de carreiras da função pública afinal contaria só o mérito e já não o tempo de carreira, obrigando o social-democrata a clarificar.

Pedro Nuno Santos evitou ao máximo os riscos nesta campanha e não quis dar entrevistas, para além das conversas que teve nos programas do daytime, de cariz pessoal, e programas de humor. Para alguns órgãos de comunicação social disponibilizou apenas uns poucos minutos já no final da campanha. Controlo total da mensagem, embora o socialista se disponibilize várias vezes por dia, no meio de arruadas, para responder a perguntas dos jornalistas. Nos últimos dias, as respostas é que já são sempre em tom de comício e também numa respiração ofegante no apelo ao voto e, muitas vezes, sem responder diretamente ao que foi perguntado.

A voz do candidato começou a falhar cedo. São já vários meses de estrada. Na sua equipa mais direta estão elementos que estão em roda viva desde novembro, altura em que Pedro Nuno assumiu a candidatura à liderança do PS e se fez à estrada para conquistar o partido a José Luís Carneiro. Pedro Vaz, que nesta campanha gere a agenda do dia, Hernâni Loureiro, e a assessora de imprensa Márcia Galrão têm seguido o candidato desde esta altura e continuaram quando ganhou o partido, seguiu para o congresso e rapidamente entrou em contagem decrescente para tentar nova pesca a linha, agora num mar mais alargado e agitado, a campanha das legislativas.

Depois de todo este percurso contínuo em três meses não é de estranhar que o candidato tenha chegado aos Açores, na segunda-feira,  26 de fevereiro, já a explicar a quem compareceu no comício de Ponta Delgada que tinha de poupar a voz. Já entrou na campanha rouco.

Tem andado isolado, no carro vai apenas com a assessora de imprensa e o chefe de gabinete no PS.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Neste dias ainda recorreu, um par de vezes, ao famoso chá de perpétuas roxas, para tentar resolver os danos vocais, mas Pedro Nuno Santos prefere pastilhas para a garganta que vai tomando ao longo do dia. Dicas para ultrapassar esta questão tem recebido muitas. Ainda esta semana, em pleno comício no Teatro Sá de Miranda em Viana do Castelo, ouviu-se uma oferta de pastilhas para a garganta vinda da plateia, mas o candidato respondeu do palco que já tinha muitas.

Na caravana segue sempre o diretor, Rui Pereira (que já é veterano nestas funções em campanhas socialistas), que vai à frente da bolha quase sempre caótica a evitar qualquer descontrolo. No apoio, David Damião (que já assessorou três primeiros-ministros socialistas e estava mais recentemente com o presidente da Assembleia da República), vai orientando o candidato, não só em relação às solicitações da comunicação social, como também atento à rua para perceber para onde Pedro Nuno tem de olhar ou para onde se deve dirigir.

Depois há o diretor de campanha João Torres, que muitas vezes segue na cauda das arruadas, e também Pedro Espírito Santo (que era chefe de gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Europeus) e Pedro Costa (presidente da Junta de Campo de Ourique, o filho de António Costa que é apoiante de Pedro Nuno), que dão apoio com ideias e são radares nas redes sociais. Há também um grupo de cinco pessoas dedicadas à parte do desenvolvimento multimédia, que recolhem imagens para montar vídeos, seja para as redes sociais, para exibir em comícios ou para os tempos de antena.

As gravações seguem em paralelo com toda a campanha, com o líder a ser travado, algumas vezes, em hotéis para filmar mensagens específicas. Nem sempre tem tempo, como na Covilhã quando sai a correr do hotel, já em cima da hora da arruada e só então faz saber que não vai dar para gravar naquele momento.

A equipa tinha tudo montado e preparado para filmar um vídeo para o tempo de antena, mas teve de voltar a carregar tudo nas carrinhas, de Pedro Nuno estampado nas portas e vidros, que percorrem o país nestes dias, com o material e staff de apoio ao candidato. Pedro Nuno tem estado empenhado em cumprir as horas da agenda pública, que tem seguido à risca, sem atrasos de maior — ao contrário do que foi a sua imagem de marca em alguns momentos no Governo.

No carro, com o candidato, segue apenas a assessora de imprensa e Hernâni Loureiro, além do motorista do BMW, que só nesta campanha oficial já irá próximo dos 3 mil quilómetros percorridos. Quando tem tempo, antes dos comícios, Pedro Nuno Santos tem jantado com dirigentes locais, tal como aconteceu em Viana, por exemplo. Mas muitas vezes pára num hotel local e faz tempo numa sala privada, onde aproveita para preparar o discurso da noite. Não escreve textos, aponta algumas notas e vai compondo o que tem para dizer ao longo da intervenção.

Nas viagens de carro pelo país não tem aproveitado para descansar. Ou vai ao telemóvel, ou a tratar de alguma solicitação ou simplesmente a ouvir música. Não há notícias, só música sintonizada na Smooth FM ou na M80. Não consta que por lá se oiça o tema que passa no aquecimento das salas de comício, composto por Zé Barbosa, artista popular de Matosinhos, que ofereceu à caravana um hino que se mete nos ouvidos, sobretudo o refrão “Boa sorte, boa sorte eu te desejo de todo o coração”.

Fica normalmente nos hóteis onde fica a equipa e é sempre o último a descer.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Por estes dias já é tão familiar ao ouvido de quem segue o candidato socialista como a linha do seu discurso. Não tem mudado muito, ainda que a meio da campanha tenha começado a incidir de forma mais direta no apelo ao voto dos indecisos — com António Costa a trazer essa direção à campanha no sábado — e também com algumas achegas no apelo ao voto útil. Esta última frente não agrada à esquerda à sua esquerda, mas é mesmo o único problema que Pedro Nuno provoca em relação a essa frente por estes dias. Não há qualquer ataque ou crítica feita a esse lado político, nem pelo líder, nem por nenhum dos elementos que veio à campanha.

De resto, o adversário único é a AD, sobretudo por via dos nomes dos barões que surgiram em volta de Luís Montenegro neste tempo de campanha oficial e que foram servindo para cavar a distância para a coligação — o “nós e eles” foi a fórmula escolhida para isso — e ainda pôr toda a direita no mesmo saco onde está o Chega. Depois segue a jurar que a direita quer desinvestir no SNS para entregar aos privados, reduzir o IRC num “choque fiscal” que, por sua vez, provoca um “rombo” nas contas públicas.

Fala na “empatia”, na atenção aos mais velhos e aos mais jovens. Ao “Portugal Inteiro” do seu slogan. Pelo meio, faz sempre a defesa do legado, promete fazer melhor e acena com o medo de vir o papão da direita para “desbaratar” as conquistas da obra socialista. Acaba invariavelmente a apelar ao voto, não sem antes prometer defender os valores de Abril, logo este ano que o país vai a caminho das comemorações dos 50 anos da revolução.

Nesse dia 25 de Abril, Pedro Nuno Santos sonha em descer a Avenida já como primeiro-ministro. Faltam poucos dias para saber se assim será, mas, na verdade, ainda falta tudo. É como toca a banda no Laurindinha: “Se ele vai p’ra guerra, deixá-lo ir.” Uma coisa é certa, mesmo se perder, “ele torna a vir”.

Na afurada subiu a uma varanda para acenar, ao lado de Rosa Mota, a quem o acompanhou na arruada.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O Luís Montenegro do chá de gengibre, da dor nas costas e do peso da responsabilidade

“O tom de voz está bom? Sim? Ok. ‘Dear members and participants of the EPP congress…’” Luís Montenegro está a gravar uma mensagem para o Congresso do Partido Popular Europeu (PPE ou EPP, em inglês), que arrancou esta quarta e que se estende até quinta-feira. Passam largos minutos das cinco da tarde de terça-feira, 5 de março, e o líder do PSD está atrasadíssimo para a arruada que tem prevista para o centro da Alcobaça.

A agenda paralela que foi mantendo ao longo desta campanha (almoços e encontros com estruturas locais dos partidos, gravação de tempos de antena e vídeos de campanha, entrevistas para órgãos de comunicação social nacionais e internacionais…) fez com que muitas vezes chegasse atrasado à agenda oficial. Numa campanha que foi controlada ao milímetro e avessa ao risco, essencialmente pensada para o boneco televisivo, o trabalho de bastidores foi intenso.

Montenegro, um perfecionista que não gosta particularmente de delegar, exaspera com as falhas. Enquanto grava a mensagem nos claustros do Montebelo Mosteiro de Alcobaça Historic Hotel, irrita-se com a velocidade com que os operadores vão correndo o teleponto. Os elementos da equipa do publicitário brasileiro Sérgio Guerra, especialista em marketing político que desempenhou um papel muito importante nesta campanha e que tem experiência em países como Angola, Cabo Verde, Argentina e Brasil, claro, vão tentando controlar a situação, evitando que a frustração se instale. Montenegro chega a perguntar por uma outra colaboradora, já habituada à sua cadência e velocidade de leitura. Mas ela não está.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A tecnologia não ajuda, o wifi falha, o teleponto salta. A língua inglesa tem alguns trava-línguas que ainda atrapalham quem leva mais de 30 anos a fazer política e a discursar em português. “Ai, agora fui eu”, desculpa-se Montenegro ao take três. Está pressionado pelo tempo e isso prejudica a concentração. O texto também. Mantém o hábito de escrever todos os seus discursos, mesmo sabendo que, um dia, terá também de delegar essa tarefa. Vai, ainda assim, permitindo algumas exceções.

A mensagem para o PPE foi preparada por Pedro Esteves, chefe de gabinete e diretor de campanha de Luís Montenegro, que foi durante 12 anos chefe da delegação do PSD e braço direito de Paulo Rangel no Parlamento Europeu. Montenegro leu-a atentamente antes de gravar, sentado sozinho numa outra mesa. Pedro Esteves e Ricardo Carvalho, secretário-geral adjunto do PSD que tem igualmente ligações ao PPE, conversam à margem. Só se aproximam quando Montenegro os chama e já depois de ter corrigido a versão original. E é ele quem faz questão de passar a limpo o texto para o computador portátil.

À frente das câmaras, e depois de alguns falsos arranques, comunica que está em “curso uma mudança política em Portugal”. “A window of change.” Não chega ao fim, todavia. A coisa não está a fluir, está a perder tempo que manifestamente não tem e combinam que, depois da arruada, Montenegro voltará ao hotel para gravar o resto.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Sai em passo apressado em direção ao Mercedes que o transportou ao longo de toda a campanha e que, no arranque da segunda semana, deu de si, provocando um atraso que não estava nos planos – um problema mecânico que teve de ser corrigido e que obrigou a alguma dose de improviso. O motorista, “o senhor Henrique”, que acompanha Montenegro desde o início da sua liderança, já o espera. São cinco minutos de viagem até ao centro de Alcobaça.

Assim que entra no carro, Montenegro agarra-se à garrafa térmica onde guarda o chá de gengibre com curcuma, um remédio santo para a voz – fez mais de duas dezenas de discursos e de intervenções numa campanha com frio, muito frio, e chuva. “Para já, não tive nenhum problema com a voz. Mas tive algum receio no outro dia. Então, comecei a tomar aqui um chá de gengibre com qualquer coisa que não sei o que é, mas que gosto muito”, conta ao Observador.

Uma lesão nas costas, um problema numa vértebra, também o obrigou a ter especial cuidado. A acompanhar a comitiva da Aliança Democrática esteve sempre uma fisioterapeuta, pessoa de confiança do núcleo mais restrito do líder social-democrata, madrinha de um dos filhos de Hugo Soares, secretário-geral do PSD e braço direito de Luís Montenegro.

Durante os primeiros dias de uma campanha que foi fisicamente muito exigente – muitos quilómetros de estrada, muito entra e sai do carro, muitas arruadas com empurrões para lá e para cá –, o presidente do PSD teve de aproveitar o tempo entre algumas ações para fazer massagens e aliviar as dores de costas que o foram afetando aqui e acolá. Nada que tivesse passado para a bolha que acompanhava Montenegro – discreta, a fisioterapeuta andou sempre com os três seguranças pessoais do líder da coligação.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Foi uma campanha diferente das habituais – diferente, desde logo, da de Pedro Nuno Santos. Não houve visitas a hospitais, não houve vistorias a escolas, incursões por fábricas, viagens de comboio ou reuniões com empresários. Foi de arruada em comício e de comício em arruada – algumas feitas ao anoitecer ou mesmo durante a noite, como aconteceu em Évora ou em Barcelos. Uma novidade nestas andanças. Ao ponto de haver três arruadas num dia e três comícios noutro.

Em teoria, mostrar os problemas que a governação socialista não conseguiu resolver em oito anos seria vantajoso para a coligação. Mas o caminho escolhido não foi esse. No núcleo duro do líder social-democrata existe a convicção de que esta campanha tinha de servir para mostrar o lado mais popular de Montenegro, mais “humanista”, e não o lado mais institucional. Mostrá-lo ao lado das pessoas, a beijar e a ser beijado, a agarrar e a ser agarrado, a cumprimentar e a ser cumprimentado.

Além disso, existe a perceção (verdadeira) de que a comunicação social gosta mais do colorido da rua do que do lado mais assético das campanhas – em muitos casos (na generalidade dos casos, aliás) a confusão, a agitação, os empurrões, a sensação de enchente era provocada pelo próprio emaranhado de jornalistas, repórteres de imagem, câmaras, cabos e microfones, um cordão humano que tornava muitas vezes impossível interações naturais entre Montenegro e as pessoas que o queriam cumprimentar.

O mapa da volta foi pensado para que houvesse essencialmente duas bases: Lisboa, na primeira semana, e Espinho, na segunda. Com uma particularidade: houve a preocupação de, na fase mais adiantada da corrida, repetir incursões pelos distritos mais populosos no litoral do país – Aveiro, Braga e Porto antes de rumar a Sul e terminar em Lisboa. Tudo para manter viva a mobilização dos militantes e simpatizantes da Aliança Democrática e a ideia de que a onda laranja e azul estava a crescer.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

De resto, a megalomania foi permanente. A campanha teve arruadas muito concorridas e vários comícios à pinha, com e sem direito a almoço ou jantar, alguns deles com mais de duas mil pessoas. Militantes e simpatizantes  empenhados e entusiasmados por estarem ali, como não se viu nas últimas duas campanhas do PSD, é certo; mas sempre com um trabalho nas sombras das diligentes estruturas concelhias dos partidos, que transportaram muitos militantes até à festa laranja e azul.

A equipa de Montenegro esteve em permanente contacto, através do WhatsApp e dos canais internos que vão mantendo. Toda a caravana – incluindo o autocarro de 40 elementos da JSD e JP – ia e voltava para o sítio onde pernoitava o candidato. De manhã, Pedro Esteves acertava com Luís Montenegro a análise ao dia anterior, fazia alguma revista de imprensa e o plano de comunicação a seguir. Hugo Soares, que tem a chave da máquina laranja e é uma das pessoas de maior confiança do líder social-democrata, foi o interlocutor privilegiado de Luís Montenegro. Ana Cristina Gaspar, assessora de imprensa e uma das colaboradoras mais antigas do líder social-democrata, serviu de ponto de acesso ao presidente do PSD.

No terreno, Paulo Cavaleiro, secretário-geral adjunto, ia sempre uns metros à frente, e era ele quem abordava os lojistas, perguntava se queriam receber Montenegro e depois fazia sinal à máquina azul e laranja de que era paragem segura. José Cesário, antigo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, foi o diretor da volta  e seguia num carro próprio. Além deste e do autocarro com os jotas, a caravana era composta ​​por duas carrinhas com as equipas audiovisuais e redes, um carro avançado que chegava aos locais mais cedo e confirmava se está tudo bem, um carro de apoio a Montenegro com Pedro Esteves, a assessoria de imprensa e secretariado.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Na transição entre a primeira e a segunda semanas de campanha, houve até mudança do hino da coligação. O primeiro falava para o “tempo de mudança”, para um estado de coisas que “já não dá” para aceitar e elegia “Luís Montenegro” como “a esperança”. O segundo hino deixou cair referências a Luís Montenegro e à AD, despersonalizando a mensagem, abrindo-a a mais gente. Deixou de ser sobre o diagnóstico do que está mal para passar a ser mais “positiva”, centrada na necessidade coletiva de fazer o “país mudar”. Os dois hinos, aliás, tiveram o dedo da equipa de Sérgio Guerra, que cuidou também da comunicação digital da coligação.

Os temas também evoluíram. O núcleo restrito da coligação faz uma análise fina das sondagens e dos estudos de opinião e sabia que teclas tinha de tocar. Desde cedo, sabia que teria de falar para os mais velhos (onde o PS é particularmente forte). Depois, o discurso passou a estar centrado igualmente nos mais jovens, que o Chega e a IL mobilizam com particular eficácia. Na viragem para a segunda semana de campanha, mais precisamente ao 10.º dia, Montenegro fez pela primeira vez um apelo ao voto explícito ao eleitorado do Chega que se sente “desiludido e frustrado”.

Por último, o líder da AD vai terminar com um apelo ao voto das mulheres. Numa corrida particularmente renhida e incerta quanto ao desfecho, estes últimos segmentos eleitorais, serão determinantes para o resultado das eleições. O número de indecisos continua a ser maior do que seria de esperar e, entre esses indecisos, há dois grupos: os indecisos que estão entre o Chega e a Aliança Democrática – maioritariamente homens, com o 12.º ano de escolaridade ou menos; e os indecisos que oscilam entre o PSD e o PS, na sua maioria mulheres e com qualificações superiores, o que ajuda a perceber a segmentação do discurso de Montenegro.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O controlo da narrativa foi uma preocupação constante. Aliás, o núcleo mais próximo de Luís Montenegro tenta a todo custo evitar fugas de informação — a campanha reforçou a tendência da direção mais restrita do partido para fechar ainda mais em torno do presidente do PSD, um controlo férreo que é um grande motivo de orgulho para os dirigentes do PSD.

Ainda assim, numa campanha que envolveu muito mais gente, as coisas tornaram-se mais complicadas. Depois da aparição de Pedro Passos Coelho na campanha, a pressão da comunicação social para antecipar que líderes se juntariam à campanha aumentou. No início, Hugo Soares ainda deu instruções claras a todos os envolvidos para que guardassem a informação. Sem grande sucesso — Luís Montenegro chegou mesmo a ficar irritado com o facto de se ter sabido com mais de doze horas de antecedência que Rui Rio se iria juntar à campanha na quarta-feira. Só sabiam os dois. Aliás, os convites de honra e a antigos líderes do PSD foram sempre feitos diretamente por Luís Montenegro, mediante a disponibilidade de cada um.

A regra foi sempre uma: gelo nos pulsos e cabeça fria. Do início ao fim da corrida, a ideia foi nunca permitir que a campanha se transformasse num bate boca entre adversários. Empenhando em seduzir os descontentes com o PS e aqueles que, à direita, fugiram para o Chega, Montenegro evitou hostilizar abertamente os eleitores destes dois partidos. E, apesar das cautelas que vão existindo, na comitiva de Montenegro ninguém consegue esconder verdadeiramente o otimismo – existe a convicção de que só um cataclismo pode impedir a vitória do líder social-democrata. É isso que indicam as sondagens — as que são públicas e os estudos de opinião internos do PSD. Ao Observador, Montenegro não esconde que tem tido a preocupação de gerir as expectativas.

O peso da responsabilidade é enorme e Montenegro não o consegue esconder. “Tenho dito a toda a gente que só se ganha as eleições no dia. Não se ganha nem no dia anterior, nem no dia seguinte. Portanto, o que isto quer dizer é uma coisa muito simples: antes do dia da eleição, temos de dar tudo até ao fim. Porque só vamos ganhar no dia. Depois, já não podemos fazer nada”, repete o líder do PSD, em declarações ao Observador.

Ainda que insista várias vezes no discurso da prudência, o líder social-democrata está globalmente satisfeito com a campanha que fez. Não se arrepende de nada. “As coisas estão a correr manifestamente bem, sinceramente. Tudo aquilo que nós programámos está a acontecer. Depois, há ali um outro pormenor num dia, mais aqui, mais ali, mas são coisas operacionais. Às vezes, irrito-me com uma ou outra coisa menos bem programada, um atraso, quando falta uma coisa qualquer. Nada de especial. Eu é que gosto de saber tudo”, assume o próprio. A atenção ao detalhe foi evidente. Numa campanha em que era proibido cometer erros (e foram cometidos alguns), tudo contou.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

À cabeça, o contacto com os jornalistas foi reduzido aos mínimos olímpicos. Não houve grande margem para declarações prolongadas à comunicação social, o que permitiu (quase) sempre manter o guião oficial. Sem muitas perguntas, não há forma de escorregar. Não que Montenegro seja hostil para os jornalistas – desejou os parabéns a um repórter, aconselhou uma jornalista a provar um bolo conventual que tinha sido feito para o Papa Francisco. Mas não há lugar para o improviso. A equipa de Montenegro só começou a abrir a partir da segunda semana, permitindo algumas pequenas entrevistas e outros apontamentos de reportagem – o que coincidiu com a estabilização da tendência de voto verificada nas sondagens, com a AD à frente e o PS em segundo.

De resto, houve orientações precisas da equipa que acompanha Luís Montenegro para reagir rapidamente a qualquer foco de polémica. Não deixar que os assuntos tomassem proporções desnecessárias. Nos bastidores, claro, houve outros esforços. Depois de ter admitido o referendo ao aborto, Paulo Núncio, vice-presidente do CDS, foi aconselhado a resguardar-se; a JSD, pela candidata a deputada Eva Brás Pinho, fez circular um vídeo para tentar acabar com a questão. “Jamais aceitaremos andar para trás.” Tudo devidamente articulado, claro.

Na terça-feira, a 5 de março, o líder social-democrata aceitou conceder uma entrevista ao jornalista Vítor Gonçalves, da RTP. Foi, aliás, o último dos líderes a fechar uma data para esse momento. Encontraram-se depois de almoço, junto à Caixa Geral de Depósitos de Águeda. Assim que Pedro Esteves percebeu que Vítor Gonçalves estava de gravata, dirigiu-se imediatamente ao candidato, que ainda estava a sair do carro. Montenegro, ainda assim, dispensou o adereço. Não era relevante.

As perguntas foram precisamente aquelas que Luís Montenegro tentou que não contaminassem a campanha: André Ventura e as alianças à direita, Pedro Passos Coelho e a polémica com a imigração, Paulo Núncio e a controvérsia com o aborto, Eduardo Oliveira e Sousa e as milícias armadas de agricultores, o futuro e o tabu sobre o que fará se ficar em segundo lugar. Todos esses temas, apesar de terem marcado a campanha eleitoral da AD, foram sendo paulatinamente esvaziados do discurso oficial. Até ver, Montenegro acredita que foi bem sucedido. Domingo logo se verá.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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