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Vai entrando e saindo da sala do grupo parlamentar com um certo à-vontade, nem parece que é a primeira vez na Assembleia da República. Por vezes, pára em frente à porta com os braços cruzados, que regularmente descruza para ir cumprimentando os colegas que passam ou para se apresentar a quem ainda não conhece. O corpo balança de entusiasmo. Ao contrário do colega ao lado, eleito pelo círculo eleitoral de Setúbal, que já está relativamente familiarizado com os cantos à casa embora também se estreie no papel de deputado, Miguel Arruda comenta com o Observador: “Eu não, é a minha primeira vez aqui. Então… vim dos Açores”.
As viagens entre a terra natal e o continente serão, para o único eleito do Chega por aquele círculo eleitoral, cada vez mais frequentes nos próximos tempos, e é provável que os cantos que agora estranha se tornem mais familiares daqui para a frente, naquela ‘casa’ e na que vier a encontrar em Lisboa. Na capital, ainda não encontrou habitação para arrendar — está no início do processo da procura — e, por isso, ficou a dormir no sofá de um amigo, não do partido mas dos tempos do exército. A ânsia do novo ‘emprego’ não lhe tirou o sono, mas está consciente que a vida daqui para a frente vai sofrer alterações.
Miguel Arruda e Nuno Gabriel, presidente da distrital de Setúbal, ambos em frente à sala onde se adivinha que venham a passar grande parte dos seus próximos tempos, apercebem-se da tentativa do Observador de abordar a mais jovem deputada da legislatura, Madalena Cordeiro, de 20 anos. sem sucesso — para poder falar aos jornalistas, tem de ter autorização de um dos assessores, Patrícia Carvalho ou Bernardo Pessanha, ambos eleitos deputados a 10 de março mas que, pelo menos por enquanto, acumulam esses cargos com as funções de comunicação. Essa autorização não chegou e Madalena pede desculpa, mas diz que não pode falar.
“Não será fácil conseguir falar [com deputados] a partir de agora”, comenta um deputado estreante, ao Observador. Foram “orientações superiores”, definidas previamente e transmitidas aos novos colegas. Se for para falar com jornalistas, tem de haver uma autorização dos assessores de imprensa. A informação está centralizada, mas entre os deputados mais experientes, a regra não é sempre cumprida. Rita Matias, eleita em 2022, fala sem esse entrave.
Ao Observador, depois de entrar em direto para uma rádio a partir de uma casa de banho, onde se refugiou para estar mais sossegada perante o rebuliço dos corredores do primeiro dia, conta que o gabinete de assessoria do Chega, em conjunto com a liderança, “desenvolveram nos últimos dias uma logística de apoio” para ajudar os novos colegas a encontrar habitação em Lisboa, o que pode passar por residências que acolhem deputados ou pela partilha de casa, e que, segundo diz, já está a acontecer entre alguns colegas enquanto não encontram onde morar.
E a tarefa pode não ser fácil “ao preço a que a habitação está em Lisboa”, atira Rita Matias, que na nova configuração parlamentar ocupa a direita de André Ventura, na primeira fila do plenário. “Estamos a aconselhar que se interajudem”, indica. No primeiro dia de trabalhos, diz que os deputados se organizaram em grupos de forma a garantir que “ninguém fica sozinho”. E com 50 deputados — dos quais garante que já sabe os primeiros nomes, mas nem sempre os apelidos ou as profissões —, haverá muitas alterações na logística e organização do grupo? “Ainda estamos em reajustamento, foi um crescimento muito grande, é preciso readaptar”.
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Rodrigo Taxa, que desde 2019 era assessor jurídico do partido e sobe agora a deputado, também refere que, a partir de agora, é que se verá como conseguirão coordenar 50 deputados. “Agora é que vai começar, mas seguindo a lógica do que se passava anteriormente, teremos briefings, reuniões de trabalho”. Na sua vida, por outro lado, “não muda nada, só mesmo as funções”. Continuará a vir as vezes que forem necessárias a Lisboa, vindo de casa, no distrito de Santarém, no carro próprio. “Aumenta a responsabilidade. É um desafio que encarei com honra. E já fui vendo, fui aprendendo”, diz. Os vários deputados que falaram com o Observador antecipavam com expectativa a primeira reunião do grupo parlamentar, que esteve agendada para a tarde desta terça-feira, após a sessão plenária.
Ao longo da manhã e da tarde, segundo Rita Matias, foram sendo realizadas reuniões informais. Antes de almoço, e do anúncio de André Ventura de que o Chega iria candidatar Diogo Pacheco de Amorim a vice-presidente da Assembleia da República, houve um entra e sai da sala do grupo parlamentar onde Ventura se ia reunindo com o núcleo duro do Chega, incluindo os repetentes Filipe Melo, Pedro Frazão, Rui Paulo Sousa, Bruno Nunes ou Pedro Pinto.
O pin aos estreantes oferecido pelos repetentes
A “logística de apoio” que o Chega criou após 10 de março passou também por explicar aos novos deputados como tudo irá funcionar no primeiro dia e dali adiante, incluindo as regras do registo de interesses, para “garantir que tudo decorre de forma séria”, explica Rita Matias.
Segundo indicou um deputado ao Observador, que preferiu não ser identificado, a informação foi veiculada através de um grupo de WhatsApp “centralizado”. Além disso, desde a semana passada que as secretárias do grupo parlamentar do Chega entraram em contacto com os novos deputados eleitos e os informaram sobre que dados teriam de prestar no dia (a morada, por exemplo, para inserção no registo da Assembleia e para eventual atribuição de subsídios e/ou ajudas de custo), quantos familiares poderiam trazer à ‘estreia’, a que horas deveriam chegar, etc.
No primeiro dia da nova Assembleia, um grupo de assessores também foi destacado para ajudar os novos colegas a orientarem-se no interior do parlamento e a dirigi-los ao registo, onde alguns tiveram de esperar vários minutos em pé. “Estive 20 minutos na fila e só me deram um saco”, brinca um deputado. Alguns tiveram direito a visitas guiadas.
Na estreia, houve deputados a chegar, ora em grupos maiores ora mais discretos (nalguns casos organizaram-se e entraram por círculo eleitoral), e muitos a pedirem orientações. “Já fizeste o acolhimento? Onde é?”, vai-se ouvindo. Ou: “Para o plenário? É seguires à direita, a primeira porta”. Em frente à sala do grupo parlamentar do Chega — onde “não cabemos todos”, diz Marta Silva, vice-presidente do partido e eleita deputada, ao Observador — muitos deputados concentram-se num bar. Aquele “bar de deputados” é para todos, mas são os eleitos do Chega que dominam. “É o bar dos deputados do Chega?”, ouve-se mesmo.
É, também, palco para selfies e fotografias a pares para marcar a data. É o caso de uma visitante com um novo deputado, que ouvem do já repetente Bruno Nunes: “Ora o que se passa aqui? Isto é para trabalhar ou quê?”. A visitante responde-lhe: “Este bar está espetacular, o que se passou? Quando estive cá há quatro anos não era assim”.
Não é difícil detetar os deputados do Chega, mas também não é tão fácil como há dois anos, ainda numa fase difícil da pandemia, quando os 12 eleitos chegaram ao primeiro dia de trabalhos com uma máscara com a bandeira de Portugal que não passou despercebida — em dia de jogo da Seleção Nacional. Dois anos depois, já ultrapassada a pandemia, a máscara foi trocada por um “pin” que usam na lapela com duas bandeiras, a do Chega e outra com a esfera armilar.
Esse pin foi dado a todos os novos deputados — Marta Silva recebeu-o de Rui Paulo Sousa, vice-presidente da bancada. É um objeto comum entre os militantes do apoio — aos dirigentes dos órgãos nacionais são dados outros, diz a deputada. Nem todos, mas quase todos a usam. Rita Matias é uma exceção, reconhece ao Observador, para não estragar o blazer acinzentado com que se estreia nesta sessão legislativa.
Já Marta Silva não dispensa o objeto identificativo. Estreia-se como deputada, mas já conhece bem os cantos à Assembleia. Foi, na anterior legislatura, assessora principal na área da saúde, apesar de a sua área de formação ser das infraestruturas e obras públicas (é arquiteta) e de ter, na reta final, prestado apoio aos deputados do grupo de trabalho das ordens profissionais. Rejeita nervosismos de principiante. “Estamos com sentido de responsabilidade redobrado, já percebemos que não vai ser fácil. Vai ser um desafio grande, ainda para mais porque não existem grandes respostas sobre o que vai acontecer”, diz a deputada, número três pelo círculo eleitoral de Lisboa, mas natural do Barreiro e a viver em Sesimbra. Marta Silva recusa dificuldades na integração de dezenas de eleitos sem experiência política. “Sente-se uma certa serenidade do ar”, atira.
Rui Cristina, que transitou da bancada social-democrata para o Chega, já se faz acompanhar pelos novos colegas de partido. “Achei que estão com muita naturalidade. Senti que sentiram o mesmo que senti em 2019, quando entrei pela primeira vez [no Parlamento]”, afirma. Está ainda a conhecer os novos deputados, “como tive de conhecer em 2019”.
Familiares e apoiantes nas galerias
Os deputados podem trazer familiares para a estreia e outros visitantes também se podem juntar nas galerias, que abrem no início da sessão plenária para quem tiver interesse acompanhar os trabalhos. No arranque da sessão, as galerias encheram. E muitos dos que a preencheram eram apoiantes e familiares do Chega (alguns, segundo Rita Matias, terão mesmo tirado o dia de folga). Os primeiros foram visíveis através das reações geradas quando, durante a votação para a presidência da Assembleia da República, foi chamado o nome do deputado do PSD Bruno Miguel Pedrosa Ventura.
Entre a bancada do Chega, perante o apelido Ventura, houve quem atirasse um “Oh lá…” conjunto. Bruno Ventura, depois de depositar o voto na urna, dirigiu-se ao outro Ventura e cumprimentou-o. Nas galerias, houve quem aplaudisse o gesto, sendo rapidamente repreendido pela PSP (a regra é que quem está nas galerias não possa fazer-se ouvir, nem tirar fotografias).
Antes disso, e ao final da sessão da manhã, para a constituição da mesa provisória, alguns deputados da bancada do Chega acenaram a apoiantes e familiares nas bancadas. Foi o caso do marido de Sónia Monteiro, uma dos sete deputados eleitos pelo círculo eleitoral do Porto. Ao Observador, assume que foi apoiar a mulher em dia de estreia. A ideia era almoçar com ela e voltar à sessão da tarde. Foi isso que fez e viu os deputados tentar, sem sucesso, eleger José Pedro Aguiar-Branco como Presidente da Assembleia da República.
O “tabu” sobre quem o Chega iria propor para a vice-presidência foi sendo tema de ‘despiques’ com outros grupos parlamentares. Ao repto de um deputado do Chega para que Bernardo Blanco (Iniciativa Liberal) se juntasse para um café, o deputado liberal atirou: “Estou à procura do vice-presidente”. Rui Rocha, mais tarde, também comentou, enquanto passava pelo corredor onde o Chega é vizinho da IL: “Acabem com o tabu”.
O “tabu” chegou ao fim com o anúncio de Ventura sobre a candidatura de Pacheco de Amorim, mas outro foi criado com a não eleição de Aguiar-Branco. Quando Rui Rocha, aos jornalistas, no mesmo corredor, acusou o Chega de não ser confiável e de não honrar os acordos que firma, alguns deputados do Chega ouviam-no atentamente junto à sua sala do grupo parlamentar. André Ventura viria, depois, naquele mesmo local, garantir que deu a indicação à bancada para aprovar o nome do social-democrata, admitindo que essa orientação não tenha sido seguida. Para os novos eleitos, o dia que começou ordeiro e terminou atribulado.