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“Poderia não tê-lo aceite, por razões de acanhamento... e aqui não estaria agora, a assumi-lo. Mas teria sido uma grosseria e uma indelicadeza, certamente”, disse Gilberto Gil ao receber o Honoris Causa na Universidade Nova de Lisboa
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“Poderia não tê-lo aceite, por razões de acanhamento... e aqui não estaria agora, a assumi-lo. Mas teria sido uma grosseria e uma indelicadeza, certamente”, disse Gilberto Gil ao receber o Honoris Causa na Universidade Nova de Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Poderia não tê-lo aceite, por razões de acanhamento... e aqui não estaria agora, a assumi-lo. Mas teria sido uma grosseria e uma indelicadeza, certamente”, disse Gilberto Gil ao receber o Honoris Causa na Universidade Nova de Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Ontem uma coisa, hoje outra. E assim vai, assim segue”: um doutoramento de vida e de MPB com Gilberto Gil

O músico celebrou 60 anos de carreira com um concerto esgotado no Coliseu de Lisboa. Recebeu o honoris causa da Universidade Nova de Lisboa e tem mais duas noites de êxitos, em Lisboa e no Porto.

Foi numa cerimónia “a meio do Atlântico” que, esta terça-feira, Gilberto Gil foi homenageado pela Universidade Nova de Lisboa. No “intervalo” dos dois concertos marcados para o Coliseu dos Recreios, o músico, ativista, embaixador cultural e antigo ministro brasileiro, com 81 anos, recebeu o título de Doutor Honoris Causa, pelas contribuições culturais e cívicas que construiu ao longo de mais de seis décadas de vida pública.

João Sàágua, reitor da Nova, justificou a atribuição do grau académico pelos “valores fundamentais da arte da cidadania” representados por Gil e que a instituição, a comemorar os seus 50 anos, quer promover. A cerimónia inseriu-se no programa do ciclo “Brasil na NOVA – Em Homenagem a Gilberto Gil”, um conjunto de concertos e iniciativas organizados pela universidade para celebrar a obra do artista.

Perante um auditório cheio, em que o português – de Portugal e do Brasil – ecoou e se misturou, Gil refletiu sobre se seria ou não merecedor do título que lhe foi agora conferido. “Poderia não tê-lo aceite, por razões de acanhamento… e aqui não estaria agora, a assumi-lo. Mas teria sido uma grosseria e uma indelicadeza, certamente” disse, antes de recuperar, num momento que arrancou gargalhadas da plateia, uma célebre frase do ex-Presidente brasileiro, Jânio Quadros: “fi-lo porque qui-lo”.

O público presente (que incluiu figuras passadas e presentes da música e da cultura dos dois países, de Ana Moura e Pedro Mafama, de Sérgio Godinho e Fafá de Belém), recebeu calorosamente o artista brasileiro, com longos períodos de aplausos e gritos de “obrigado, Gil”, numa cerimónia que foi concluída pelo pianista Júlio Resende, que protagonizou uma emotiva homenagem ao cancioneiro de Gilberto Gil, gerando espontaneidade suficiente na plateia para cantar em uníssono as letras do músico ao som do piano.

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Concluída a cerimónia oficial, e após um período de saudações e cumprimentos formais, Gilberto Gil refletiu um pouco mais sobre o seu legado musical e a evolução do seu lugar na cultura brasileira em conferência de imprensa. “É curioso as voltas que o mundo dá, os contrastes se sucedendo na vida. (…) Ontem uma coisa, hoje outra. E assim vai, assim segue”, comentou em referência ao seu passado como preso político, no período da ditadura militar.

“A arte é um bálsamo para o amadurecimento desse músculo enrijecido que é a humanidade, cada vez mais populosa, e para a grande operação da vida contemporânea no mundo moderno"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Numa altura em que o seu país vive um período de transição no que às políticas culturais diz respeito, o músico refletiu sobre a eventual “desvalorização” do meio durante o período do anterior chefe de Estado (que extinguiu o Ministério da Cultura) e a sua retoma durante a presidência de Lula. Um contexto que, a seu ver, reflete um “Brasil melhor” a retomar um “caminho de diálogos amplos, variados, entre o povo e as instituições”, bem como “o fortalecimento das instituições democráticas, que sofreram leves ameaças”.

Gil, que foi ministro da Cultura de Lula da Silva entre 2003 e 2008, considerou a sua atuação política “uma tentativa minha de amplificar e endereçar ao país uma série de questões sobre a extensa vastidão do mundo cultural, no Brasil e no mundo”. Nesse sentido, elogiou o trabalho pela atual titular da pasta, a cantora, compositora e ativista Margareth Menezes. “A Margareth é muito afeita a todos os conceitos relativos ao papel do Estado na vida cultural”, disse. “Tem noções muito nítidas, que partem de trinta anos de atuação musical e como militante social e política da vida, em Salvador e no Brasil. Tem uma compreensão suficiente para dar conta do recado”, acrescentou.

Questionado ainda sobre a forma como vê o papel da música e da arte numa sociedade cada vez mais dividida, o autodenominado adepto da “bondade radical” e Artista Pela Paz da UNESCO respondeu: “A arte é um bálsamo para o amadurecimento desse músculo enrijecido que é a humanidade, cada vez mais populosa, e para a grande operação da vida contemporânea no mundo moderno. (…) O papel da canção é ser esse bálsamo no corpo da humanidade”.

“A intimidade está aberta, está na rua”

Esse bálsamo de que Gil falou durante a homenagem na Universidade Nova foi o mesmo que o brasileiro levou ao Coliseu dos Recreios na noite de segunda-feira. Lembremos: “A vida é rodar o planeta levando a canção”, escrevia o artista mês passado na sua conta de Instagram, pouco antes de iniciar a digressão Aquele Abraço pelas principais salas da Europa. São 60 anos de carreira e mais de 50 em digressões pelo mundo, como a que começou em Berlim no início de Outubro e terminará esta quarta-feira, 1 de Novembro, no Coliseu do Porto.

Em Portugal, a digressão ganha um sabor especial até porque a “língua é a mesma”, sublinhou no início do esgotado concerto no Coliseu de Lisboa, a obrigar a uma data extra nesta terça-feira, para a qual já há poucos bilhetes (os preços variam entre os 20 e os 85 euros). Na sala, e a julgar pela resposta à saudação “aos brasileiros em Lisboa”, estes estão em maioria, com a lição de MPB na ponta da língua, como se vê pelo coro na plateia aos primeiros acordes de Expresso 2222, a primeira do concerto, a que deu nome do álbum de 1972.

Histórias, recordações e explicações foram uma constante durante o concerto, que quase pareceu uma aula a passar por vários géneros musicais brasileiros, do samba ao baião, do xote ao samba-reggae

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O alinhamento, com 20 canções que foram um êxito não só da carreira de Gilberfto Gil como da história da música brasileira, tem sido igual e sem surpresas ao longo da digressão europeia que durante um mês passou por salas emblemáticas como a Royal Albert Hall, em Londres, a Philharmonie de Paris, ou o Parco della Musica, em Roma. Não foram escolhidas ao acaso. Todos estes sítios, da Bélgica à Suíça, acolheram o músico desde que começou a tocar no estrangeiro, em 1969, quando se exilou durante a ditadura, ao lado de Caetano Veloso.

No palco, faz-se acompanhar pelos filhos Bem Gil (na guitarra e no baixo) e José Gil (na bateria), pelo “neto mais velho”, João Gil (também no baixo e na guitarra), e pela “primeira neta mulher”, Flor Gil (no teclado e voz). O ano passado, na digressão Nós, A Gente, que não passou por Portugal, chegaram a ser 28 membros do clã Gil na estrada, uma proeza que está documentada no reality show Viajando com os Gil, que se estreou no Amazon Prime brasileiro em junho. Antes disso, a família já tinha sido espiada numa temporada anterior, Em Casa Com os Gil, filmada durante a pandemia.

Expor a família desta maneira nos palcos e na TV não parece ser um problema para o músico – pelo contrário. “Quando um trabalho envolve tantos talentos – de filhos, netos, bisnetos, parentes e aderentes –, a intimidade está aberta, está na rua”, afirmou este verão numa entrevista à revista brasileira Veja. “Somos uma família da época atual. Tratamos os vários aspetos da vida de forma aberta, não existem tabus nas conversas, reflexões e escolhas.”

Há poucos dias, a neta Flor Gil, de 15 anos, nascida em Nova Iorque, foi notícia no Brasil por ter revelado nas redes sociais “gostar de meninas” e ter recebido o apoio da família. No concerto em Lisboa, Flor foi também o centro das atenções por outros motivos e durante duas canções. Primeiro com uma interpretação de Garota de Ipanema, numa versão bossa nova “com variações de reggae”, explicou Gil; e depois em Moon River, tema escolhido por si para a digressão, acompanhada pelo avô na guitarra e cantada em inglês, a língua “que aprendeu primeiro”, conta o músico.

No palco, faz-se acompanhar pelos filhos Bem Gil (na guitarra e no baixo) e José Gil (na bateria), pelo “neto mais velho”, João Gil (também no baixo e na guitarra), e pela “primeira neta mulher”, Flor

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Histórias, recordações e explicações foram uma constante durante o concerto, que quase pareceu uma aula a passar por vários géneros musicais brasileiros, do samba ao baião, do xote ao samba-reggae. Houve espaço para uma mão cheia de sambas, como Upa, Neguinho, de Edu Lobo, popularizado por Elis Regina, ou a famosa Ladeira da Preguiça, também gravada por Elis e composta por Gil durante o exílio em Londres, uma referência à ladeira baiana com o mesmo nome, a refletir as “saudades que sentia de casa”.

Não Chore Mais, versão brasileira de No Woman, No Cry, que tornou o álbum Realce, de 1979, num dos mais vendidos daquele ano, foi outro dos destaques, primeiro a solo e depois com banda, a relembrar Bob Marley, uma das suas inspirações desde sempre – Gil usou rastas durante o tempo em que foi Ministro da Cultura do Brasil (2003-2008) e uma cronologia sobre o seu penteado ao longo do tempo, “uma bandeira e uma forma de comunicação”, pode ser vista no site Google Arts Culture, numa parceria com o Instituto Gilberto Gil.

A “saudosa” Gal Costa, como lhe chamou, foi outra das homenageadas com Esotérico, que cantou várias vezes ao lado de Maria Bethânia — Rita Lee chegou a ser lembrada noutros concertos com Ovelha Negra, mas desta vez não houve tempo para tudo. Gilberto recordou ainda algumas das canções que compôs na prisão durante a ditadura, como Cérebro Eletrónico, quando um guarda mais generoso lhe levou um violão para a cela.

Antes do encore, com Palco, de 1989, a plateia já tinha largado os lugares para se aproximar do palco do Coliseu e preparar-se para o que aí vinha: Aquele Abraço, canção de 1969 que dá o nome à digressão, e Toda Menina Baiana, lançada dez anos depois, que nos obriga a entoar, até no caminho para casa as letras felizes: “Ah ah ah ah/ Que Deus deu/ Oh uh oh/ Que Deus dá.” Há quem especule que esta pode ser a digressão de despedida, aquele último abraço. Pelo menos terça e quarta são dias de mais Gil.

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