Podemos? Os analistas e investidores no mercado de dívida estão cada vez mais convencidos de que não. Isto é, que não é provável uma vitória do partido de esquerda radical nas eleições legislativas que em Espanha se irão realizar na reta final de 2015. As ligações do Podemos e dos seus líderes ao financiamento venezuelano e os conturbados primeiros meses do governo do Syriza, na Grécia, estão a fazer o partido de Pablo Iglésias perder terreno nas sondagens e a tranquilizar quem investe em Espanha.
A evolução recente dos juros da dívida não é um bom indicador para se tirar conclusões sobre os receios dos investidores em relação ao Podemos. É que os juros estão a cair para mínimos históricos em todos os países da zona euro (exceto na Grécia e em Chipre) fruto do programa ambicioso de compra de dívida pública lançado pelo BCE a 22 de janeiro. Mas é possível tirar conclusões sobre a visão dos investidores a partir da comparação com a evolução dos juros em Itália, um país que ao longo da crise da dívida partilhou com Espanha a designação, atribuída pelos especialistas, de países periféricos de segunda linha. Ou seja, países de maior dimensão que não perderam o acesso ao mercado de dívida ao ponto de terem de pedir um resgate mas a quem eram apontadas vulnerabilidades preocupantes.
Um retrato resumido. Espanha tem um rácio de dívida pública de 94% (face ao produto interno bruto, ou PIB), menos do que os quase de 133% de Itália. Segundo as estimativas do FMI, o PIB deverá ter crescido 1,3% em Espanha em 2014, ao passo que em Itália o crescimento terá voltado a ser negativo (-0,2%). Espanha tem, contudo, uma taxa de desemprego que terminou 2014 acima de 24%, ao passo que a mesma taxa não chega aos 13% em Itália. Estes são alguns dos indicadores que desde o início da crise da dívida europeia têm sido ponderados pelos investidores e que têm feito com que os dois países tenham mantido níveis de juros da dívida próximos nos últimos anos, ainda que alternando frequentemente entre quem pagava mais pela dívida e quem era visto como menos arriscado.
Sobretudo desde o final de 2013, a economia espanhola descolou, ainda que isso esteja a fazer com que a taxa de desemprego esteja a cair apenas lentamente. O país vizinho é visto pelos investidores como tendo uma economia mais flexível do que Itália, onde existem mais interesses instalados e menor competitividade. Essa perceção tem contribuído para que os investidores tenham vindo nos últimos trimestres a pedir juros mais baixos a Espanha do que a Itália. Em outubro último, por exemplo, Espanha financiava-se a 10 anos a uma taxa de 2,25%, ao passo que a Itália era pedido 2,60%, uma diferença de 35 pontos base (favorável a Espanha).
Com a ascensão do Podemos na segunda metade do ano e sobretudo depois de agendadas as eleições antecipadas na Grécia, que o Syriza, “partido irmão” do Podemos, ganharia com grande margem, as coisas começaram a mudar. Essa diferença entre Espanha e Itália começou a estreitar-se e, com o Syriza já no governo, chegaria a inverter-se no início de março. O mercado voltou a pedir uma taxa maior para emprestar a Espanha do que a Itália, num reflexo daquilo que os analistas e as agências financeiras chamam o “prémio de risco Podemos“.
Mercado chegou a pedir mais juros a Espanha do que a Itália
De que é que os investidores têm medo?
Incerteza política é algo com que Itália conviveu durante toda a crise da dívida (e quase sempre no Pós-Guerra, na verdade), mas, nesta fase, Matteo Renzi lidera um governo maioritário, sem eleições este ano, e acaba de eleger um novo Presidente da República, algo que na Grécia não se conseguiu sem fazer cair o governo de Antonis Samaras. Em Espanha, o Podemos faz campanha prometendo um perdão da dívida pública, a nacionalização de bancos e de outras empresas estratégicas, o aumento do salário mínimo obrigatório e a promessa de mais poder para os sindicatos.
“Itália vive uma situação política mais estável neste momento, razão por que preferimos Itália a Espanha este ano”, disse à Bloomberg, em fevereiro, o responsável do Royal Bank of Scotland pela análise macroeconómica e de mercados de dívida, Alberto Gallo. A apreensão dos analistas e investidores em relação ao Podemos fica clara, por exemplo, numa nota recente em que o alemão Commerzbank equipara, sensivelmente, o potencial económico de Portugal e Espanha, mas prefere Portugal já que tem “menos risco político“.
Do ponto de vista dos investidores, a ameaça de um perdão de dívida em Espanha é ainda mais grave do que na Grécia. Porquê? Porque quase toda a dívida da Grécia passou, com o segundo resgate, a estar nas mãos de instituições e o governo de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis sempre disse que teria de incidir aí uma reestruturação da dívida, e não tanto sobre os credores privados que já são escassos. Por outro lado, em Espanha, toda a dívida pública está no mercado e, portanto, uma falha de pagamento ou uma reestruturação implicaria, justamente, um corte do valor da dívida que está a circular no mercado.
Investidores menos preocupados
No gráfico acima consegue ver-se que a situação parece caminhar para voltar à situação predominante desde 2013, ou seja, Espanha a pagar menos pela dívida do que Itália. Para os analistas, este “regresso à normalidade” está relacionado com a descida do Podemos nas sondagens e o resultado fraco do partido nas eleições regionais da Andaluzia, a 22 de março. Segundo uma sondagem da Jaime Miquel publicada a 1 de março, o Podemos caiu para segundo lugar, com 24,1% das intenções de voto. Nesta sondagem, o Podemos ficou atrás do Partido Popular de Mariano Rajoy (que teve 25,9%) e foi o partido que mais perdeu terreno (1,5 pontos percentuais) face à sondagem anterior feita pela mesma empresa de sondagens, a 15 de fevereiro.
Em contraste, uma sondagem feita pela Sigma Dos no início de dezembro, o Podemos aparecia como primeiro classificado, de forma isolada e em ascensão. Contava com mais de 29% dos votos, segundo esta sondagem que foi feita na mesma semana em que, na Grécia, Antonis Samaras antecipava a votação parlamentar para eleger novo Presidente da República, uma votação cujo fracasso faria cair o governo. Nessa altura, o Podemos estava a acompanhar a popularidade crescente do Syriza, que se afigurava como vencedor óbvio das eleições que seriam marcadas para 25 de janeiro. Uma sondagem feita a 7 de novembro deu 22% de intenções de voto ao Podemos, mais 14 pontos percentuais do que o resultado que o partido de Pablo Iglésias tinha tido nas eleições europeias de maio.
As acusações de financiamento venezuelano à campanha do Podemos terão sido decisivas para esvaziar parte do ímpeto do partido. Um dos fundadores e responsável pela criação do Podemos e do seu programa, Juan Carlos Monedero, esteve no centro de uma polémica que o levou a publicar toda a sua informação fiscal numa tentativa de acabar com as críticas. Monedero recebeu 425 mil euros por trabalho de consultoria política para a Aliança Bolivariana (Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua), ou ALBA. O académico reconheceu que tinha aberto uma empresa unipessoal, em seu nome, para pagar menos impostos, mas garantiu ter feito, entretanto, uma doação voluntária de 200 mil euros ao fisco.
As ligações do Podemos à Venezuela não ficaram, contudo, por aí. Nos anos anteriores à fundação do Podemos, Pablo Iglésias e outros académicos fizeram pesquisa e consultoria para vários governos esquerdistas da América do Sul. A fundação que criaram para este efeito terá ganho algo como 3,5 milhões de euros, o que ajudou a financiar as produções televisivas de debate político. Debates televisivos que ajudaram à rápida ascensão do Podemos.
Mau resultado na Andaluzia sugere recuo do Podemos
O Podemos tem perdido terreno, também, perante a emergência do Ciudadanos, um partido que se diz de centro-esquerda e que recusa o nacionalismo. Este partido está já a recolher quase 10% das intenções de voto, segundo a sondagem da Jaime Miquel de 1 de março, beneficiando não só da queda do Podemos mas, também, do voto de protesto contra os dois partidos mais ao centro, o PP e o PSOE. Mesmo que o Podemos vença as eleições muito dificilmente terá maioria absoluta, sobretudo porque não existe, como na Grécia, um bónus de assentos parlamentares (50 deputados, em Atenas) para o vencedor das eleições.
O parlamento de Madrid caracteriza-se, na realidade, por um sistema de distribuição de lugares onde a representação regional conta mais, o que é outro fator que dificulta a vida do Podemos, já que o seu eleitorado está muito concentrado na população urbana e jovem. O que leva Christian Schulz, um economista do Berenberg Bank em Londres, a considerar “improvável” uma repetição da instabilidade grega em Espanha é, finalmente, o facto de a recuperação económica em Espanha denotar um ímpeto muito mais robusto do que na Grécia, prevendo-se que a taxa de desemprego desça até aos 22% na altura das eleições, contra o pico superior a 26%.
Ainda que não fosse inteiramente imprevisível, o terceiro lugar (afastado) do Podemos nas eleições na Andaluzia não deixou de ser um mau resultado, com 14,9% dos votos. Christian Schulz, economista do Berenberg, nota que “mesmo a região espanhola mais atingida pela crise rejeitou o Podemos”, notando que a taxa de desemprego está nos 34%. Schulz salienta que devem ter-se em conta “especificidades regionais”, já que a Andaluzia é a região mais populosa de Espanha mas tem um eleitorado mais conservador e menos urbano.
“Contudo, o desastre económico e financeiro que o Syriza causou na Grécia, em tempo recorde, poderá ter confirmado a desconfiança de muitas pessoas em relação aos partidos populistas”, escreve o economista, em nota enviada ao Observador. É que, aconteça o que acontecer nos próximos meses, a imagem do Syriza terá tudo para contaminar a perceção dos espanhóis em relação ao Podemos, diz Christian Schulz. “Tanto no cenário em que o Syriza continua a fazer uma inversão de marcha embaraçosa para manter a Grécia na zona euro como no cenário em que leva o país até ao abismo da saída da união monetária, a maioria dos eleitores em Espanha e noutras paragens não quererão seguir o mesmo caminho”.