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É um cenário que aparenta cada vez mais estar em vias de se materializar. Pela primeira vez, esta sexta-feira, um chefe de Estado disse acreditar que a Rússia vai invadir a Ucrânia “nos próximos dias” — e acrescentou que Vladimir Putin já terá tomado essa decisão. Quem o afirmou foi o Presidente norte-americano, Joe Biden, que também indicou que a capital ucraniana, Kiev, será um dos alvos do ataque.

“Estamos a denunciar alto e bom som e de forma insistente os planos da Rússia… Estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance quer para desconstruir qualquer pretexto que a Rússia possa vir a dar para justificar uma invasão à Ucrânia, quer para evitar que avancem”, sinalizou o Presidente dos EUA.

Biden está “convencido” que Putin “já tomou uma decisão”: vai invadir a Ucrânia

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A acontecer, disse, esta “será uma guerra catastrófica e desnecessária”. O que leva a Joe Biden a traçar um cenário tão negro? Quais são os sinais em que se baseou? E o que tem a Rússia feito para preparar uma eventual invasão?

As mais de 170 mil tropas na fronteira

Esta sexta-feira, os EUA estimam que a Rússia possua entre 169 a 190 mil soldados destacados dentro e junto à fronteira ucraniana, incluindo-se também forças separatistas. Embora a Rússia tenha alegado uma diminuição da presença militar — chegando mesmo a mostrar imagens na televisão estatal para o comprovar —, as contabilizações da NATO desmentem as informações veiculadas pelos meios russos.

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A 30 de janeiro, havia 100 mil tropas junto à fronteira, que passaram para 150 mil na primeira semana de fevereiro. Esta sexta-feira, já poderão ser 190 mil — e não é expectável que a presença militar diminua. O Ocidente diz ter imagens de satélite que provam um aumento de tropas e pediu a Putin que as suas palavras correspondam a ações.

A retirada de civis que começou esta sexta-feira e a quem Putin promete 100 mil rublos

A tensão escalou ainda mais esta sexta-feira com a retirada de civis da zonas separatistas de Donbass. Após bombardeamentos e várias violações do cessar-fogo, o líder da região separatista, Denis Pushilin, anunciou o início da retirada de civis por receio de uma escalada militar.

Neste momento, já há registo de autocarros para retirar civis que vivem na região, levando-os para a Rússia, onde já chegaram os primeiros. “Foi organizada uma partida em massa e centralizada da população para a Federação Russa. Mulheres, crianças e idosos serão os primeiros a ser retirados”, disse Denis Pushilin.

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No local, os jornalistas presentes em Donetsk relataram que foram ouvidas sirenes e ordens à população para que se preparem para serem retiradas. Formaram-se inclusivamente filas inclusive nos multibancos e nas bombas de gasolina.

Entretanto, Vladimir Putin apoiou a retirada de civis, prometendo mesmo a todos aqueles que saírem da região de Donbass e rumaram à Rússia uma quantia de 10 mil rublos (cerca de 114 euros). Além disso, o Presidente russo pediu ao seu ministro das Situações de Emergência, Aleksand Chuprian, para ir “urgentemente” para junto à fronteira, de forma a “criar condições para acomodar”, a fornecer “refeições quentes” e “tudo o necessário” para as populações.

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Receio de bandeira falsa: o pretexto que a Rússia procura

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, aproveitou a reunião do Conselho de Segurança da ONU para desvendar uma eventual estratégia russa para iniciar uma invasão à Ucrânia.

Segundo o que apuraram os serviços secretos norte-americanos, Moscovo tentará “fabricar um ataque”, isto é, procurar um pretexto para atacar. Segundo Antony Blinken, a invasão pode começar por um “ataque terrorista” em solo ucraniano contra populações que se identificam etnicamente como russas. Pode ainda ser um “ataque de drones contra civis” (como na Geórgia), podendo o Kremlin “usar armas químicas” para o efeito.

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Outra das hipóteses é algo que já se veio a verificar nos últimos dias: Moscovo pode forjar o pretexto de que há populações russas na Ucrânia que estão a ser alvo de uma “limpeza étnica” ou de um “genocídio” — e o Kremlin inicia o ataque com o intuito de defender as suas populações.

Ataque no infantário ou explosões: os pretextos possíveis

O primeiro pretexto possível aconteceu esta quinta-feira com um ataque a um jardim-de-infância em Donetsk, que acabou por resultar em três feridos. A Ucrânia e a Rússia trocaram acusações sobre a autoria do ataque, podendo, no entanto, servir como um pretexto para Moscovo tentar “salvar as suas populações” de um alegado “genocídio”.

Esta sexta-feira também não faltaram minas e armadilhas, sem vítimas colaterais (pelo menos humanas), no conflito entre Rússia e Ucrânia. O dia começou com uma notícia avançada pelos meios de comunicação estatais russos, que garantiam que se ouvira “uma grande explosão” no centro de Donetsk, num território ocupado por separatistas pró-Rússia.

Tratar-se-ia, afinal, de um “carro-bomba” que explodira. A Russia Today, estação estatal russa, deixava a sua versão (para consumo interno e não só) do que acontecera, afiançando que o carro que explodira tinha como alvo “um veículo pertencente ao líder da milícia popular da autoproclamada República Popular de Donetsk”, formada por militantes pró-russos. A explosão “não originou quaisquer vítimas”, dizia ainda a estação russa.

Citado pela CNN, um assessor do ministro do Interior ucraniano, Anton Geraschenko, descreveu o momento como uma mera “encenação e provocação” da Rússia, refutando que fosse uma ação provocada pela Ucrânia.

Horas depois, novo relato informativo ou nova ofensiva mediática (conforme a versão): os meios de comunicação estatais russos relataram duas novas explosões, mas desta feita ocorridas na cidade de Lugansk, localizada na região separatista pró-Rússia da Ucrânia.

Segundo o canal estatal Russia Today (RT), a primeira explosão pode ter atingido um oleoduto na área, originando um grande incêndio. Já a segunda terá ocorrido num posto de combustível, também de acordo com a versão dos media russos. Nenhuma das duas foi confirmada oficialmente por uma fonte independente.

O que é verdade ou mentira? No campo da informação também se trava uma guerra

O conflito entre Rússia e Ucrânia também se tem alimentado de informação e contrainformação, verdades e dissimulações. As acusações ao Kremlin e ao regime de Vladimir Putin de fabricação de notícias falsas e de criação de cortinas de fumo mediáticas têm-se acentuado nos últimos dias.

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Em sentido contrário, os defensores de Putin lembram que também os EUA têm feito uma série de declarações falsas e sustentadas em factos que não se confirmam: por exemplo, a alegação de que a Rússia estava pronta para invadir a Ucrânia a 16 de fevereiro, o que não se concretizou.

Esta sexta-feira, a guerra de contrainformação mediática ganhou novos contornos quando foram postos em causa dois vídeos publicados por separatistas pró-russos — que ilustrariam (supostamente) novas retiradas de tropas da Ucrânia. Afinal, os metadados dos dois vídeos em questão mostravam que as gravações tinham sido criadas há dois dias, não podendo assim ilustrar movimentações ocorridas esta sexta-feira.

O Presidente dos EUA alertou para “a desinformação crescente” lançada pelos media russos para alimentar “o público” do país — informação produzida assim para, junto dos cidadãos russos, criar alegados motivos para um ataque.

A ameaça informática que pode parar um país

No campo tecnológico, uma ameaça invisível: o Kremlin foi acusado de ter orquestrado os ciberataques feitos esta semana a redes do Ministério da Defesa da Ucrânia e a grandes instituições bancárias do país, nomeadamente a dois bancos privados (Privatbank e Oshadbank) e ao banco público do país.

Do lado norte-americano, a acusação chegou pela voz de Anne Neuberger, principal autoridade de segurança cibernética da Casa Branca. Já o Reino Unido visou o Kremlin através de um porta-voz do seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, que, citado em comunicado, apontou: “O Governo britânico acredita que a inteligência militar russa (GRU) esteve envolvida nos ataques” contra o setor financeiro da Ucrânia.

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Apesar de os ataques cibernéticos e digitais não terem provocado consequências definitivas e de grande impacto — já que as autoridades ucranianas conseguiram repor a normalidade nos sistemas de comunicação, armazenamento e difusão de informações afetados —, as comunicações do Governo ucraniano por via digital (nomeadamente do seu ministério da Defesa) ficaram temporariamente afetadas e criou-se uma sensação de insegurança quanto aos recursos do país no meio de um conflito latente.

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Para quê estes ataques? Os serviços secretos norte-americanos acreditam que possa tratar-se de um ensaio para testar que impacto conseguiriam hackers pró-russos ter nos serviços de internet e comunicações internas da Ucrânia. Outra alternativa era que esta fosse uma mera tentativa de criar ansiedade.

O manual de invasões russas”: os exemplos de 2014, na Crimeia e em 2008, na Geórgia

A Rússia tem um verdadeiro “manual” que segue quando invade um país, afirma Joe Biden. Também Antony Blinken disse, na Conferência de Segurança de Munique, que se deve olhar para a “História” para ler os sinais de um possível ataque do Kremlin. E o secretário de Estado norte-americano deu dois exemplos —  a Geórgia, em 2008 e a Crimeia, em 2014.

Há 14 anos, o conflito no país do Cáucaso, que havia formado parte da União Soviética até 1991, começou de forma aparentemente programada. Há vários paralelismos com a Ucrânia de hoje em dia: existem duas regiões separatistas e queriam proclamar a independência — a Ossétia do Sul e a Abecásia — e também, em 2008, a Geórgia tentava aderir à NATO.

Em abril do mesmo ano, a Geórgia acusou a Rússia de abater um drone na Abecásia, algo que o Kremlin rejeitou. Em resposta, as forças armadas georgianas enviaram um grande número de efetivos para a região separatista, uma vez que receava uma invasão russa a todo o território. Um mês depois, uma investigação das Organização Unidas concluiu que foi Moscovo que efetivamente abateu o drone.

Foi aqui que a situação escalou: a Rússia enviou tropas para a Abecácia, mas foi apenas em agosto que a Geórgia agiu, reforçando a presença militar na Ossétia do Sul. Em resposta, Moscovo fez uma cerca junto à fronteira georgiana e enviou os primeiros mísseis para a região separatista no dia 7.

O Ocidente tentou reagir e apelar a um cessar-fogo, mas a Rússia estava determinada em seguir o seu plano de invasão. Depois disso, enviou tanques e soldados para a Ossétia do Sul e até para o território georgiano. O conflito durou cinco dias, isto até os dois países assinarem um documento com seis pontos para terminar com a contenda.

Num acordo mediado pelo à época Presidente francês — François Sarkozy —, a Geórgia abandonou a intenção de se juntar à NATO. As tropas russas e georgianas chegaram a acordo para um cessar-fogo, prometendo abandonar as regiões separatistas, assim como Moscovo prometeu sair do país do Cáucaso.

No que diz respeito à Crimeia, a situação complicou-se após um golpe de Estado em fevereiro de 2014. O então Presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, era apoiado indiretamente pela Rússia, mas Moscovo não aceitou a insurreição popular e a substituição do chefe de Estado. Sendo assim, envia tropas para a península da Crimeia, ocupando-a.

Num espaço de um mês, Moscovo ajudou a organizar um referendo, em que 97% da população votou a favor de a península integrar a Rússia. A 18 de março, a Crimeia é oficialmente anexada — ao que a Europa e os EUA responderam, impondo sanções ao Kremlin.

Ucrânia na NATO: a pedra no sapato de Putin

É um poucos objetivos claros da Rússia desde o início da tensão: o país não quer a Ucrânia na NATO. Moscovo alega que, se Kiev entrar na organização, isso representará um perigo para as fronteiras, temendo um ataque militar.

Outro grande intuito com esta crise é a retirada das forças norte-americanas da Europa Central e Oriental e dos Estados bálticos, como a Letónia, a Estónia e a Lituânia, que fazem parte da NATO.

Ora, Vladimir Putin fala em “ausência de vontade por parte do lado americano de acordar em firmes garantias legais para a nossa segurança”. E com isso, “a Rússia será forçada a reagir, nomeadamente implementando medidas de natureza militar e técnica”

Moscovo eleva o tom e ameaça que “será forçada” a tomar “medidas técnico-militares”

Por sua vez, o Ocidente não quer a Rússia a decidir o destino de um país vizinho. No seu discurso de terça-feira, Joe Biden garantiu que os aliados da NATO não querem “destabilizar a Rússia”, mas destacou que não se devem “sacrificar princípios” que reúnem consenso na comunidade internacional. As “nações têm direito à soberania, à integridade territorial e devem ter liberdade para decidir a quem se querem associar”, defendeu.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, tentou apaziguar o receio dos russos, afirmando esta sexta-feira que a integração da Ucrânia na NATO “nos próximos dias, meses ou anos não está na ordem do dia”, pelo que a Rússia não tem motivos “para toda esta escalada” de tensão.

Scholz afirma que entrada do país na NATO “não está na ordem do dia”