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É o judeu com o cargo político mais importante nos Estados Unidos da América (EUA) e assume-se como um “defensor acérrimo” do Estado de Israel. O líder democrata do Senado norte-americano, Chuck Schumer, surpreendeu o mundo quando, num discurso na câmara alta do Congresso na quinta-feira passada, declarou que a coligação liderada pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já não serve os “interesses” daquele país. “O mundo mudou radicalmente e, desde então, os israelitas estão sufocados por uma visão governativa presa no passado”, prosseguiu o responsável, que apelou à realização de novas “eleições” legislativas.
Foi uma das críticas mais dura e explícitas de um dirigente político norte-americano ao governo de Benjamin Netanyahu, mas corporiza o sentimento de desagrado com a gestão política de Israel que se vem formando há meses dentro do Partido Democrata. Outro sinal do descontentamento democrata com o executivo do primeiro-ministro veio do Presidente norte-americano. Joe Biden concordou, em traços gerais, com as palavras de Chuck Schumer: “Ele fez um bom discurso. Penso que manifestou algumas sérias preocupações que não são partilhadas apenas por ele, mas por muitos norte-americanos”.
Com uma ofensiva militar que dura há mais de seis meses, estas declarações mostram que Benjamin Netanyahu está a ser cada vez mais pressionado por aqueles que considera como o seu principal aliado — os Estados Unidos. E esse tom crítico deverá continuar nos próximos tempos. Sem se ter chegado a acordo para um cessar-fogo temporário durante o Ramadão, o governo israelita deverá avançar em breve com uma operação militar no sul da Faixa de Gaza, em redor da cidade de Rafah, o que está a gerar preocupações em Washington.
Em resposta a todas estas críticas, Benjamin Netanyahu deixou uma mensagem clara: “Quero assegurar que nenhuma das pressões nos vai parar. O futuro e a sobrevivência de Israel estão em risco. Não temos outra opção se não uma vitória total e essa vitória ainda pode ser alcançada”. Mantendo-se inflexível nos objetivos finais da operação militar em Gaza — destruir o Hamas e libertar os reféns —, o líder do executivo israelita enfatizou aos países “amigos” que não podem “apoiar o direito de existir de Israel”, ao mesmo tempo que se opõem quando “Israel exerce esse direito”.
Perante o pedido de novas eleições por Chuck Schumer, o primeiro-ministro israelita disse à CNN considerar “inapropriado” e criticou a tentativa de ingerência de alguns líderes norte-americanos. “Não somos uma república das bananas”, atirou, acrescentando que o seu governo é o “único” que deve trabalhar para “colapsar a tirania terrorista” do Hamas. E comparou o pedido “ridículo” do líder democrata do Senado a um possível cenário da demissão George W. Bush após os ataques de 11 de setembro: “Não se faz este tipo de coisas”.
Em público, o primeiro-ministro israelita desvaloriza as críticas ao seu governo, ainda que não hostilize diretamente nenhum dos líderes estrangeiros. Mas Benjamin Netanyahu sabe que — sem o apoio da elite política norte-americana— corre o risco de Israel ficar praticamente sozinho a defender a operação militar em Gaza. Os próximos tempos não se avizinham fáceis, igualmente: os Estados Unidos estão em plena campanha eleitoral para as presidenciais e os democratas sabem que o apoio quase incondicional de Joe Biden a Telavive tem afastado alguns eleitores.
Neste momento do conflito, no seio da comunidade internacional, apenas os Estados Unidos continuam incondicionalmente ao lado de Israel. Vários países da Europa têm-se afastado e dirigido críticas à maneira como Telavive tem gerido a guerra. Prova do afastamento europeu, em meados de fevereiro, uma resolução que pedia o cessar-fogo em Gaza votada no Conselho de Segurança das Nações Unidas foi vetada apenas por conta do voto de Washington, enquanto França votou a favor e o Reino Unido absteve-se.
[Já saiu o quarto episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui e o terceiro episódio aqui]
O Presidente francês, Emmanuel Macron, tem apelado a um cessar-fogo e tem instado por várias vezes que Israel “respeite o direito humanitário, as leis da guerra e o direito internacional”, instando a um cessar-fogo. A diplomacia britânica tem feito a mesma coisa. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, David Cameron, igualmente apelou a uma “pausa no conflito” e tem alertado para o sofrimentos dos civis palestinianos.
Inicialmente totalmente a favor da operação militar israelita em Gaza, os dirigentes da União Europeia (UE) têm igualmente deixado críticas a Israel. O alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, lamentou na segunda-feira que Gaza se tenha tornado um “cemitério a céu aberto”: “É um cemitério para milhares de pessoas e também um cemitério para muitos dos princípios mais importantes do direito humanitário”.
Na Europa, as ações de Telavive são olhadas com apreensão e preocupação, havendo mesmo países como Espanha que querem reconhecer o Estado da Palestina em breve. Perante este progressivo abandono europeu, Israel depende do amparo da diplomacia norte-americano. Por agora, até quando é que Washington vai manter o apoio é uma incógnita.
Os efeitos políticos em Israel: Netanyahu recebe apoio vital de rival político — e pode virar o jogo a seu favor
“Imprudentes e perigosas.” É assim que Amichai Magen, especialista em estudos de Israel no Instituto Freeman Spogli na Universidade de Stanford, descreve ao Observador como estão a ser interpretadas as palavras de Chuck Schumer em Israel. O pedido de eleições num país estrangeiro é “inaceitável” para os israelitas. “Seria inaceitável para o Reino Unido, França, Portugal ou Alemanha. É inaceitável em Israel.”
Para provar o seu ponto de vista, o especialista recorda as palavras de Benny Gantz, que faz parte do gabinete de guerra e que é um antigo comandante das Forças de Defesa de Israel que goza de uma elevada popularidade em Israel. Neste momento, ainda que não se oponha diretamente ao governo, é o principal “rival” político do chefe do executivo, diz Amichai Magen: “É o homem que provavelmente vai substituir Netanyahu nas próximas eleições”. Mesmo com este estatuto, o também antigo ministro da Defesa saiu em defesa do seu futuro e provável adversário político.
Na sua conta pessoal do X (antigo Twitter), Benny Gantz ressalvou que Chuck Schumer é um “amigo de Israel” e, apesar de “ter errado” nas suas declarações, “desempenha um papel importante a apoiar o Estado de Israel, incluindo em tempos difíceis”. Mas logo a seguir o antigo militar adotou um tom crítico e saiu em defesa do governo israelita, recusando a realização de novas eleições: “Israel é uma democracia robusta e apenas os seus cidadãos vão decidir o seu futuro e liderança. Qualquer interferência externa neste assunto é contraprodutiva e inaceitável”.
The United States and Israel share common values and interests, and the citizens of Israel profoundly cherish the clear stance of the United States in support of Israel throughout these trying times.
The Senate Majority Leader Chuck Schumer is a friend of Israel, and though he…
— בני גנץ – Benny Gantz (@gantzbe) March 14, 2024
A única figura de relevo a subscrever as palavras do senador norte-americano foi Yair Lapid, líder do principal partido da oposição, Yesh Atid. Num comunicado citado pelo Washington Post, este responsável político sublinha que Benjamin Netanyahu “está perder os maiores apoiantes de Israel um por um”. “Está a causar danos graves no esforço nacional de vencer e de preservar a segurança de Israel.”
Na opinião de Amichai Magen, um político experiente como o primeiro-ministro israelita deverá conseguir virar o jogo a seu favor, após a crítica de Chuck Schumer. “Fortalece Netanyahu politicamente”, começa por indicar o analista, explicando depois que o chefe do executivo “é capaz de dizer à base política” do partido que lidera (Likud) que é “o único líder corajoso e forte o suficiente para enfrentar a administração Biden”.
Essa ideia de um líder forte e assertivo “funciona entre a base eleitoral do Likud” — e até pode extravasá-la chegando ao centro político, devido ao apoio tácito de Benny Gantz. Benjamin Netanyhau pode mesmo recuperar alguma popularidade perdida desde o 7 de Outubro, devido ao papel que está a desempenhar de que “pode proteger Israel de intervenções externas”. Deste modo, Amichai Magen afirma que o primeiro-ministro israelita vai usar este episódio para mostrar que o único capaz de chegar a acordo para o fim do conflito. Em resumo, o especialista não tem dúvidas: “Schumer tentou enfraquecer Netanyahu, mas apenas lhe deu mais força”.
Em declarações ao Observador, David A. Levy, antigo comandante da marinha norte-americana, antigo diplomata e atual membro do Centro dos Estudos Estratégicos Begin-Sadat, corrobora o ponto de vista de Amichai Magen: “Sempre que alguém fora de Israel ataca Bibi [alcunha por que é conhecido Benjamin Netanyahu] tem sempre um efeito mobilizador. Os números das sondagens sobem”.
Aproveitando a situação, Benjamin Netanyahu utiliza uma retórica que combina uma postura assertiva com alguma autocomiseração. Por exemplo, o primeiro-ministro israelita perguntou diretamente no último domingo aos “amigos da comunidade internacional” se tinham problemas de “memória”: “Esqueceram-se rapidamente do 7 de Outubro, o massacre mais terrível cometido contra os judeus desde o início do Holocausto? Negam tão rapidamente o direito de Israel se defender contra os monstros do Hamas?”. “Não há pressão internacional suficiente para nos parar de alcançar todos os objetivos da guerra: eliminar o Hamas, libertar todos os reféns e assegurar que Gaza não representa mais uma ameaça contra Israel”, enfatizou Benjamin Netanyahu.
Mesmo que consiga recolher louros políticos deste episódio, Benjamin Netanyahu não se livra da contestação nas ruas. De acordo com o Jerusalem Post, durante o fim de semana, cerca de 34 mil manifestantes protestaram em várias cidades israelitas contra o governo e para pedirem, tal como o líder do Senado norte-americano, novas eleições em Israel. Reavivando a onda de protestos contra a implementação da reforma judicial que tomou as ruas no ano passado, a oposição (principalmente a de esquerda) está a aproveitar o momento para se revitalizar.
À esquerda, Yair Golan é o principal rostos dos protestos contra o governo. Num protesto em Haifa, este antigo deputado e major-general na reserva pediu que se organize a “mãe de todos os protestos”. “Temos de encher as ruas e paralisar a habilidade para governar. Devemos fazer com que Benjamin Netanyahu chegue à conclusão inevitável que ele deve dissolver o Knesset [parlamento israelita] e escolher uma data para novas eleições”, apelou, citado pelo Jerusalem Post.
Chuck Schumer, o moderado líder do Senado que disse o que Biden não pode dizer
Nos Estados Unidos, a maneira como Chuck Schumer se dirigiu ao governo israelita foi particularmente dura. Principalmente por dois motivos: o líder do Senado sempre apoiou Israel e pertence à fação mais centrista dos democratas. “Um judeu senador de Nova Iorque, um líder de maioria e um amigo que Netanyahu que sempre pendeu para Israel a expressar criticismo como este?”, questiona o antigo diplomata Alon Pinkas ao New York Times, sentenciando: “Se se perde Chuck Schumer, perde-se a América”.
As críticas ao governo de Benjamin Netanyahu por parte do Partido Democrata não são propriamente novas. As fações mais progressistas do partido têm condenado a maneira como Israel tem gerido o conflito. Ora, o líder da maioria democrata do Senado não pertence à fação mais à esquerda do Partido Democrata; é considerado um liberal moderado. Daí que as suas palavras ganhem relevo e possam ser interpretadas como o sentimento generalizado dos democratas.
No entender de Chuck Schumer, o primeiro-ministro israelita é um “obstáculo à paz” no Médio Oriente. Além disso, numa altura que “muitos israelitas perderam a confiança na visão e direção” no atual governo, o líder do Senado acredita que existe uma “necessidade de mudança”: “Acredito que ao organizar novas eleições […] pode dar aos israelitas uma oportunidade para expressar a sua visão para futuro pós-guerra”, disse ainda o responsável político no seu discurso na passada quinta-feira, salientando que Israel não vai conseguir ter sucesso caso se converter num “pária no resto do mundo”.
Mesmo que publicamente esta movimentação possa ser encarada como um murro na mesa, esta animosidade ao governo israelita pelos democratas já circulava em Washington. Um documento confidencial elaborado pelos serviços de informações norte-americanos, desclassificado no início desta semana, já se assinalava que a continuidade de Benjamin Netanyahu à frente dos desígnios de Israel, juntamente com a sua coligação, que inclui partidos de extrema-direita e ultraortodoxos, podia “estar em risco”.
Estes partidos e o primeiro-ministro israelita seguem, lê-se no documento, “políticas duras” contra os “palestinianos”. “A desconfiança na habilidade de Netanyahu em governar é agora maior” e está presente “em vários setores da sociedade”. Tendo em conta este cenário, os serviços secretos dos Estados Unidos esperavam “protestos” em Israel com o objetivo de pedir a “demissão” do primeiro-ministro israelita e “novas eleições”. Sem nunca especificar por quem seria liderado, os serviços de informações de Washington dizem poder haver a “possibilidade” de um “governo diferente e mais moderado”.
Até que ponto este documento influenciou as palavras de Chuck Schumer não é claro, mas é um sinal de que na administração Biden há pelo menos alguma convicção de que o primeiro-ministro israelita pode ser deposto. Comentando as palavras do líder do Senado, o Presidente norte-americano classificou-o como um “bom discurso”, mas depois o porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca, John Kirby, veio tentar corrigir o posicionamento da presidência.
Segundo John Kirby, o chefe de Estado norte-americano entende que Benjamin Netanyahu é “primeiro-ministro” e que cabe ao “povo israelita” decidir quando quer “novas eleições”. Numa entrevista à estação televisão ABC, o responsável da presidência norte-americana sublinhou que Israel é um “país democrata” — e que os Estados Unidos têm de respeitar a “soberania” do país.
Os dois líderes, afirmou John Kirby, têm uma “longa relação de trabalho” ao longo dos anos, concedendo que não “concordam em tudo”. “Nós [norte-americanos] não concordamos com tudo o que se passa em Gaza, mas é o governo que está em funções, é com esse governo e com o gabinete de guerra que vamos continuar a trabalhar”.
Numa conversa telefónica na segunda-feira entre os dois líderes, o jornal Axios apurou que Joe Biden tentou tranquilizar Benjamin Netanyahu — e deixou-lhe garantias que não vai apelar à realização de novas eleições em Israel.
Os interesses distintos de Biden e Netanyahu — e Rafah no meio
Após as palavras de Chuck Schumer, vários democratas saíram em sua defesa. Por exemplo, Nancy Pelosi, antiga líder da Câmara dos Representantes, elogiou o seu discurso, classificando-o como um “ato de coragem e um ato de amor por Israel”. Em sentido inverso, os republicanos não pouparam críticas ao líder do Senado.
Com uma retórica explosiva, o ex-Presidente norte-americano e muito provável candidato republicano às presidenciais republicanas, Donald Trump, veio logo acusar os democratas de “odiarem Israel”. “Qualquer judeu que vote nos democratas odeia a sua religião, odeia tudo o que tem a ver com Israel e devem ter vergonha de si mesmo porque [com o Partido Democrata] Israel será destruído”, afirmou, sendo depois criticado por várias organizações judaicas nos Estados Unidos.
Este tipo de acusações deixa antever que a guerra em Gaza será uma arma de arremesso político entre Donald Trump e Joe Biden. Os republicanos deverão defender um alinhamento praticamente total com os objetivos políticos do primeiro-ministro israelita, mas a questão não é tão linear assim entre os democratas, uma vez que os eleitores mais jovens não veem com bons olhos a operação militar de Telavive em Gaza.
Por tudo isto, Amichai Magen prevê nos próximos tempos uma dramatização do discurso — de parte a parte. “Tanto do lado norte-americano como do israelita as pressões políticas estão a aumentar. Politicamente, tanto Biden como Bibi têm um interesse limitado e de curto prazo em terem uma espécie de luta política”, esclarece o especialista.
O motivo? A operação militar em Rafah, no sul de Israel, que começará em breve. “Israel não tem outra escolha se não entrar em Rafah, caso contrário o Hamas vencerá a guerra”, considera Amichai Magen. “Isso aumentará a pressão política sobre Biden da fação à esquerda do Partido Democrata”.
Ou seja, os dois têm interesse em manter uma divergência pública: Joe Biden consegue mostrar a sua insatisfação com a operação militar em Rafah, ao passo que Benjamin Netanyahu tenta recuperar alguma da sua popularidade perdida. Ainda assim, Magen vaticina que a tensão será de curta duração — e durará apenas durante a campanha eleitoral para as presidenciais. Isto porque os dois países têm praticamente os mesmos inimigos. “Ambos os lados entendem que o Irão, o Hezbollah [grupo libanês pró-iraniano], a Rússia e a China estão a ver de perto esta relação estratégica entre os dois países.”
A aliança entre Telavive e Washignton é “demasiado importante para miná-la durante estes tempos perigosos”, aponta Amichai Magen. “Os norte-americanos entendem que a situação no norte de Israel — com o Hezbollah — é muito delicada e que exercer muita pressão em Israel pode incentivar os iranianos ou o Hezbollah a levar a cabo um ataque em Israel”, clarifica o especialista. Nesse contexto, poderia escalar uma “guerra total no Médio Oriente”.
“Isso é o que o Biden não quer em ano de eleições”, continua o especialista em estudos de Israel no Instituto Freeman Spogli na Universidade de Stanford, que define a situação como “tensa mas com limites”: “Nunca ficará fora de controlo”.
A operação militar em Rafah e as críticas norte-americanas e europeias
Ao Observador, David A. Levy partilha que não acredita que esta tensão faça mossa nas relações entre Israel e os Estados Unidos. “Não acredito que as coisas vão piorar. Provavelmente, todos vão parar com esta retórica em breve”, antecipa o especialista. Também para o antigo comandante, é a operação militar em Rafah que está a causar problemas entre Joe Biden e Benjamin Netanyahu.
“Parece que Washington está à procura de uma solução em que as Forças de Defesa de Israel possam destruir o Hamas sem causar uma situação humanitária catastrófica”, conjetura o antigo militar, que também acredita que Israel quer o mesmo. No entanto, Telavive “não se pode inclinar a comprometer-se demasiado porque isso pode levar a um falhanço nesse objetivo”.
No terreno, o antigo diplomata norte-americano que serviu na marinha antevê que as Forças de Defesa de Israel vão entrar em Rafah “um pouco depois do Ramadão”, que termina a 9 de abril. Por sua vez, Benjamin Netanyahu já deu luz verde para a operação militar naquela cidade do sul da Faixa de Gaza, para a qual fugiram cerca de um milhão de palestinianos desde outubro de 2023. Contudo, o primeiro-ministro nunca deu uma data concreta, assegurando apenas que começará em “breve” e que durará “várias semanas”.
No entender das autoridades israelitas, Rafah — uma cidade localizada a cerca de doze quilómetros da fronteira com o Egito — é o “último bastião” do Hamas. Telavive diz que apenas pode concretizar o objetivo de “eliminar” aquele grupo islâmico se invadir aquela localidade.
Como escreve Yonah Jeremiah Bob, jornalista especialista em assuntos militares no Jerusalem Post, a serem bem-sucedidas, as Forças de Defesa de Israel eliminariam “os batalhões que restam” do Hamas em Rafah, uma “cidade em que está escondida a liderança [do grupo islâmico] e permanecem reféns como escudos humanos”. Atacar a localidade também vai privar o Hamas de se “rearmar” e de “conseguir armamento fora de Gaza”.
Ainda que Israel insista na importância de atacar Rafah, estes planos estão a preocupar os países do Ocidente. Contrariamente a outras fases do conflito, em que a população civil palestiniana tentou fugir para outras partes da Faixa de Gaza, naquela cidade não há para onde escapar. O Egito mantém a fronteira encerrada e as regiões mais a norte estão completamente destruídas — e em muitas zonas as Forças de Defesa de Israel ainda estão a operar.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 1,5 milhões de civis estão a viver em Rafah. A ofensiva israelita e as táticas de guerrilha urbana utilizada pelo Hamas podem levar a um autêntico massacre na cidade. Para evitar esse cenário, Telavive já anunciou que está a abrir corredores humanitários e já pediu aos civis devem abandonar a região. Mas nada disto parece satisfazer o Ocidente.
Na conversa telefónica que Joe Biden e Benjamin Netanyahu mantiveram esta segunda-feira, o Presidente norte-americano deixou bem clara a sua posição. “Uma operação terrestre [em Rafah] seria um erro. Levaria à morte de civis, pioraria a crise humanitária já existente, aumentaria a anarquia em Gaza e isolaria ainda mais Israel internacionalmente”, frisou Jake Sullivan, conselheiro do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca numa conferência de imprensa depois do telefonema.
O conselheiro de Segurança Nacional garantiu que os objetivos israelitas em Rafah podiam ser “alcançados doutro modo”. Para tentar clarificar os contornos de uma possível operação militar, uma delegação israelita aceitou deslocar-se a Washington — e Benjamin Netanyahu comprometeu-se, segundo Jake Sullivan, a não invadir a cidade até aquela equipa regressar a Israel.
Tal como os Estados Unidos, a União Europeia tem expressado apreensão. Josep Borrell sinalizou que uma ação militar em Rafah pioraria a “já situação de catástrofe humanitária” em Gaza.
E há outro ponto em que Joe Biden e Benjamin Netanyahu discordam: o futuro do conflito em Gaza. Particularmente num ponto: a criação e o estabelecimento de um Estado palestiniano. O primeiro-ministro israelita avisa que “após o Hamas ter sido destruído, Israel deve manter o controlo de segurança sob Gaza e garantir que Gaza não é mais uma ameaça contra Israel, um requisito que contraria o pedido de soberania palestiniano”.
Para Joe Biden e para a esmagadora maioria da comunidade internacional, a solução de dois Estados é a única viável. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano realçou, numa conferência de imprensa em janeiro, que a criação de um Estado palestiniano que possa conviver em paz com Israel é a “realidade que melhor serve os interesses” da região. Admitindo que o governo israelita tem outra opinião, John Kirby insiste: “Acreditamos que os palestinianos têm todo o direito a viver num Estado independente com paz e segurança”.
Por tudo isto, Benjamin Netanyahu enfrenta um dilema: se levar a cabo uma operação militar em Rafah — com todas as consequências humanitárias que isso acarreta — e se insistir em não apoiar a criação de um Estado palestiniano, arrisca-se a perder o apoio do seu maior aliado. Publicamente, o primeiro-ministro israelita mostra-se seguro e assertivo na operação, pois é a única que garante que o Hamas é “destruído”. Nos bastidores, com a pressão de Joe Biden e com o risco de Israel ganhar o estatuto de pária, a situação pode ser bem diferente.