Foi tudo fruto de um acaso. Nem o nome, nem a família — que, durante décadas, viria a ser uma das mais poderosas do país — existiam. “O meu bisavô nasceu de pai incógnito. E foi batizado numa igreja. Quem o trouxe foi uma parteira. E o padre, na altura, pensou e deu-lhe o nome ‘Espírito Santo’. O padrinho foi um empregado da igreja e a ‘madrinha’ foi Nossa Senhora. Portanto, o meu bisavô nasceu nestas condições. Dizem que ele era filho de um aristocrata que tinha tido esta criança fora do casamento”, afirma José Maria Ricciardi, bisneto do fundador da dinastia Espírito Santo.
Há uma forte hipótese de o pai de José Maria do Espírito Santo e Silva ter sido o Conde de Rendufe, que teria tido um filho fora do casamento com uma criada e depois o abandonou ao destino. Mas José Maria não precisou de nascer num berço de ouro para conseguir pôr de pé um império. Em 1869, com apenas 19 anos, fundou uma casa de câmbios. O sucesso foi tão grande que viria a ser transformada em banco. E quando morreu, em 1915, passou o banco aos três filhos homens legítimos: José, Ricardo e Manuel (tinha ainda uma filha chamada Maria, teve outras duas filhas do primeiro casamento, Maria Justina e Luísa Cândida, e no testamento assumiu ainda a paternidade de quatro filhos bastardos).
Por essa altura, em 1915, Ricardo Espírito Santo tinha apenas 15 anos. Isso não o impediu de ser o secretário-geral da casa bancária, ao passo que o irmão mais velho, José, com 20, era o presidente. Os irmãos “trabalhavam dia e noite”, recorda José Maria Ricciardi, neto de Ricardo, que ficou com os dois primeiros nomes do bisavô.
Mas, em 1932, uma história de um amor proibido veio mudar tudo. José, que era casado, apaixonou-se por Vera Cohen, irmã da mulher do próprio irmão, Ricardo. No final desse ano, envia-lhe uma carta com uma mensagem curta: “Faz as malas que eu vou mandar-te raptar”. E partiram para Paris.
José Maria Ricciardi recorda como, naquela altura, o caso foi um escândalo. “E ele veio ter com o meu avô, Ricardo, e diz-lhe: ‘Olha, Ricardo, eu vou-me embora para Paris porque não aguento aqui a pressão desta gente toda. Vou com a tua tia Vera, mas não tenho dinheiro suficiente para viver em Paris. Portanto, vou vender-te a minha posição no banco.” E foi assim que, aos 32 anos, Ricardo Espírito Santo fica à frente daquele que, muito em breve, viria a ser o maior banco do país.
Ricardo fez crescer o banco, tornou-o cada vez mais internacional, aproveitando também o impulso que já tinha sido dado ainda durante a presidência do irmão, recorda Ricciardi. “O meu avô e o meu tio José também tinham muitos conhecimentos dos bancos ingleses. E portanto, naquela época, traziam mais depressa a tecnologia para o banco Espírito Santo do que os outros conseguiam trazer para os outros bancos. E a certa altura, fusionaram-se com o Banco Comercial de Lisboa, cujo principal acionista era o Sr. Manuel Queiroz Pereira, grande amigo do meu avô e, se não estou em erro, passou a ser o maior banco privado do país.”
Só que Ricardo Espírito Santo não era apenas um homem de negócios. “Ele era o chamado ‘bonvivant'”, destaca Carlos Alberto Damas, investigador que, durante anos, esteve à frente do Centro de História do Banco Espírito Santo. “O Ricardo era um homem muito ligado ao mundo, muito de vivência, tinha um contacto social intenso. Era aquilo que se chamava o verdadeiro banqueiro.”
O banqueiro era também um ávido colecionador de arte. Comprou a primeira peça de tapeçaria aos 16 anos e nunca mais parou: desde quadros a esculturas, móveis antigos e azulejos. Teve quatro filhas e conta-se que, de cada vez que casava cada uma delas, era ele que lhes decorava a casa. Era ainda um grande amante de desporto. Foi campeão de esgrima e de golfe, jogava ténis e praticava ainda um sem número de outros desportos, como vela, natação, remo e hipismo.
Em 1940, Ricardo Espírito Santo era não só um dos homens mais ricos e poderosos do país, mas também alguém que se movia facilmente entre os meandros da alta sociedade. No início de julho desse ano, foi ele o escolhido para ser o anfitrião português de um homem que tinha acabado de chegar ao país e que já tinha sido o Rei de Inglaterra.
Eduardo, que ficou com o título de Duque de Windsor depois de abdicar, e a mulher, a americana Wallis Simpson, chegaram a Lisboa na tarde de 3 de julho. Ao final do dia foram encaminhados para Cascais, para uma mansão isolada situada na zona da Boca do Inferno. Nada menos do que a casa de Verão de Ricardo Espírito Santo que, no mês que se seguiria, iria ser o palco de várias intrigas e conspirações.
A mansão cor de rosa da Boca do Inferno
O sítio era isolado, não muito longe do penhasco aberto para o mar onde as ondas batem violentamente contra as rochas e que ganhou o nome de “Boca do Inferno”. A casa já tinha sido construída no final dos anos 20, mas em 1936 foi comprada por Ricardo Espírito Santo, que decidiu fazer dela a sua casa de Verão. José Maria Ricciardi afirma que o avô “foi dos primeiros a ir para Cascais no Verão — isto na Era moderna, sem falar no Rei D. Carlos.” Nos anos que se seguiram, a mansão cor de rosa iria tornar-se um local icónico, não apenas pela passagem dos Duques de Windsor no verão de 1940, mas por muitas outras histórias de festas, intrigas e glamour.
Assim que comprou a casa, o banqueiro fez extensas obras de remodelação. As instalações de luz, água e esgotos foram completamente renovadas. Mandou fazer uma piscina enorme, com mármores, e construiu uma vedação em volta da casa. Conta-se até que era avisado de quando iam acontecer demolições em Lisboa para poder ficar com os azulejos antigos, e terá sido assim que conseguiu os azulejos do século XVII, que foram usados para decorar os muros interiores.
A mansão tinha quatro pisos, contando da cave até ao sótão. Era um palacete de luxo, com salões largos. No primeiro andar havia seis quartos, e ainda um quarto de vestir. Para além de três casas de banho, uma arrecadação, e uma área de serviço. O banqueiro mobila o palacete com peças de mobiliário do século XVIII e porcelanas da Companhia das Índias. E, no exterior, a casa tinha um enorme jardim virado para o pinhal nas traseiras.
A mansão acabaria, décadas depois, por ser herdada por uma das filhas de Ricardo Espírito Santo, Maria da Conceição Cohen Espírito Santo Silva, e depois pelos cinco filhos — entre eles o ex-banqueiro Ricardo Salgado. Depois de várias tentativas de vendas, dificultadas pelos processos judiciais em torno do caso da queda do Banco Espírito Santo, a casa acabou por ser finalmente vendida no final de 2023 a um milionário norte-americano, por 16,5 milhões de euros.
O investigador Carlos Alberto Damas, antigo diretor do Centro de História do Banco Espírito Santo, afirma que, em julho de 1940, aquele era o lugar ideal para receber um convidado com o perfil do Duque de Windsor. “Todo este espaço onde é a casa está cercado, tem muros altos ainda hoje. E é absolutamente controlável, quer por uma polícia política, quer pelos serviços secretos ingleses. Não havia ali a possibilidade de alguém se aproximar, muito menos nos anos em julho de 40, sem ser logo visto.”
Os Duques tinham vindo de França, onde viviam até os nazis terem invadido o país e tomado Paris. Passaram ainda por Madrid antes de se dirigirem a Lisboa, por recomendação do governo britânico. O plano seria regressar no dia seguinte a Londres, mas desde a abdicação que Eduardo estava em guerra com o governo e a família real. Não queria voltar sem que lhe fosse oferecido um cargo compatível com o seu estatuto. E exigia ainda que a mulher, Wallis Simpson, fosse recebida pela família. A juntar a tudo isso, há anos que se avolumavam as suspeitas das simpatias nazis do Duque de Windsor, reforçadas quando, em outubro de 1937, visitou a Alemanha e se encontrou com Hitler. Tudo somado, a presença do Duque em Portugal representava uma situação delicada, do ponto de vista político e diplomático.
Há diferentes versões para explicar de que forma os Duques foram parar à casa da Boca do Inferno, que pertencia a Ricardo Espírito Santo. Na primeira, a embaixada britânica terá tentado marcar um quarto no Hotel Palácio, no Estoril, mas o gerente terá respondido à última hora que não podia receber o casal por falta de espaço e por não poder garantir a segurança. E terá encaminhado os hóspedes para a casa de Ricardo Espírito Santo. Esta é a versão que dá origem às teorias da conspiração.
Andrew Lownie, autor do livro “O Rei Traidor”, defende a tese de que o Duque de Windsor estava recetivo a alinhar num plano dos nazis para o voltarem a colocar no trono quando a Alemanha vencesse a guerra. Lownie garante que Eduardo foi parar à casa da Boca do Inferno por influência dos alemães. “Penso que a razão pela qual o Duque acaba em casa de Ricardo terá a ver com um plano alemão em que eles controlavam o gerente do hotel, onde o Duque poderia ter ficado, e o gerente afirmou que o hotel estava cheio e que não o poderiam receber.” Na base desta tese está o facto de o banqueiro ter relações muito próximas com os alemães, tendo mesmo uma amizade com o então embaixador alemão em Lisboa, Oswald von Hoyningen-Huene.
Mas esta teoria é inteiramente refutada por Carlos Alberto Damas. O antigo responsável pelo Centro de História do Banco Espírito Santo afirma que é impossível que todo o processo não tivesse tido a aprovação de uma pessoa: António de Oliveira Salazar, o chefe do governo.
“Primeiro, era muito mais recatado, obviamente, estar na casa de Cascais do que num hotel”, começa por afirmar o investigador. Depois, “um negócio destes nunca poderia ser tratado sem o conhecimento de Salazar. E, nesta fase, Salazar também era ministro dos Negócios Estrangeiros, dominava tudo. As relações com o ministério dos Negócios Estrangeiros britânico também passavam por ele. Nada lhe escaparia, certamente. E o Ricardo terá sido contactado para receber em casa o Duque de Windsor, porque seria o local mais privilegiado para manter em recato um ex-Rei britânico”.
Há ainda uma outra realidade a suportar esta tese. É que Ricardo não era apenas um dos banqueiros mais influentes do país. Era também muito próximo de Salazar, uma relação que se iria reforçar ainda mais nos anos que se seguiriam.
A amizade entre o banqueiro e o ditador
A relação com o então presidente do Conselho começou na década de 30 e foi-se aprofundando com o passar dos anos. Em 1938, quando Salazar se muda da sua casa particular para passar a viver na residência oficial, no Palácio de São Bento, Ricardo Espírito Santo vendeu-lhe várias peças da sua coleção privada de arte, algumas por menos de metade do valor que lhe tinham custado inicialmente.
A correspondência entre ambos passa também a ser regular. A primeira carta do banqueiro arquivada na correspondência particular do presidente do Conselho data de maio de 1939. Nela, Espírito Santo elogia o “génio” de Salazar, depois de ler um discurso do ditador. Quatro postais enviados dois anos depois a partir da Suíça evidenciam a proximidade crescente entre ambos. Neles, o banqueiro tenta explicar ao ditador o prazer de passar as férias na neve. E envia mesmo uma fotografia dele próprio a esquiar.
Em breve, a relação entre os dois homens passará a ser ainda mais cúmplice, de amizade. Para além de se cruzarem na missa, todos os domingos à noite Salazar recebia Ricardo Espírito Santo em casa. Os encontros estão documentados na agenda do ditador. O banqueiro era um dos principais conselheiros quando a questão era a política económica, explica Carlos Alberto Damas.
“O Ricardo tornou-se o ‘financial advisor’ de Salazar em muitos aspetos. Porque quando o Salazar pretendia ter informações da política financeira de Inglaterra, para além da parte diplomática tinha um informador privilegiado que vinha de fora da diplomacia e que lhe dava a informação mais fidedigna, ou pelo menos o Salazar assim o considerava. E ele tinha todas as razões para confiar em Ricardo, porque o Ricardo sempre se pautou, mesmo na gestão do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, por um grande rigor.”
O advogado José António Barreiros, que tem vários livros publicados sobre o contexto de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, reforça essa ideia. E garante ainda que, para além do conhecimento financeiro, Salazar tirava outros benefícios da relação. “Reuniam-se periodicamente e Salazar tinha muito benefício dos conhecimentos não só da banca e de finanças em geral, mas também da vida internacional que Ricardo Espírito Santo tinha. Ricardo era um cosmopolita”.
Os dois não podiam ser mais diferentes. Salazar saiu apenas duas vezes do país, de comboio, para ir a Badajoz e Sevilha, onde se encontrou com o ditador espanhol, Francisco Franco. Só andou uma vez de avião na vida para fazer um voo entre Lisboa e o Porto, e à chegada disse apenas: “Meu senhores, tenho a dizer que não gostei.” Mas Ricardo Espírito Santo era um homem viajado, com experiência e contactos a nível internacional. Isso trazia uma experiência que o ditador nunca poderia ter. Só que as ligações internacionais do banqueiro, e do banco, iriam trazer-lhe também suspeitas que iriam perdurar durante décadas.
O banqueiro que lucrou com a guerra
Há um facto que ninguém contesta. Durante a Segunda Guerra Mundial, o dinheiro e o ouro da Alemanha nazi passaram, entre outros bancos portugueses, pelo Banco Espírito Santo. E o banco prosperou, e muito, com a guerra.
José Maria Ricciardi, neto de Ricardo Espírito Santo, recusa a tese de que o banco tenha crescido à custa de uma relação privilegiada com os alemães. “O que se passava com o BES era o que se passava com todos os outros bancos. Por indicações do Salazar faziam negócios e emprestavam dinheiro aos alemães e, ao mesmo tempo, aos Aliados. Isto era típico do Salazar, chamava-lhe a neutralidade ativa”. E a certa altura, quando percebeu que os alemães iam perder a guerra, então começou a dizer: ‘Bom, agora emprestem sobretudo aos Aliados’. E até o último banco a emprestar dinheiro aos alemães, já depois do Banco Espírito Santo já não emprestar, foi o “Fonsecas, Santos e Viana”. Portanto, é absolutamente falso que o meu avô favorecia os alemães, toda a banca fazia negócios com eles”.
José António Barreiros, que investigou as redes de espionagem em Portugal durante aqueles anos, afirma ainda que o banco serviu também para os alemães pagarem aos agentes. “Os pagamentos eram feitos através de dinheiro depositado no Banco Espírito Santo. Admito que passavam contas de toda a gente. Mas era o banco que era privilegiado pelos alemães para fazer os seus pagamentos.”
O investigador Carlos Alberto Damas recusa, ainda assim, que o crescimento fulgurante do banco tenha sido feito à custa dos alemães. “Há quem diga que o Ricardo Espírito Santo e o banco enriqueceram por causa da ligação à Alemanha Nazi. Isso não tem consistência e eu provei-o na história do Banco Espírito Santo, com todos os quadros de balanços. Quer do Espírito Santo, quer dos outros bancos. Esse crescimento tem a ver com a grande rede internacional que o banco tinha e que lhe permitia captar a maior parte dos negócios, e não está relacionado com qualquer privilégio especial. O Banco Lisboa e Açores e o Banco Português do Atlântico, do Cupertino Miranda, esses sim eram verdadeiramente bancos em que os alemães tinham as suas contas. E o último a fechar as contas, tanto quanto me lembro, foi o Lisboa e Açores.”
Ainda assim, Ricardo Espírito Santo nunca se livraria das suspeitas. Em 1947, poucos anos após o final da guerra, o embaixador britânico Nigel Ronald escreveria: “A paixão por fazer dinheiro levou-o a conceder facilidades bancárias ao Eixo numa escala difícil de conciliar com as suas declarações de que apenas estava a aplicar a política de neutralidade do governo português.”
Na realidade, o banqueiro tinha relações muito próximas tanto com britânicos como com alemães. Tanto que, anos antes, um outro embaixador britânico tinha afirmado que Ricardo não era a favor de nenhum dos lados. Era, isso sim, apenas a favor de fazer dinheiro. Mas há uma relação, em particular, que vai alimentar as teorias da conspiração.
Ricardo Espírito Santo tinha uma relação muito próxima, de amizade, com o embaixador da Alemanha nazi em Lisboa, o barão Oswald von Hoyningen-Huene. Conheceram-se ainda antes de a guerra começar e tinham muitos interesses em comum. Carlos Alberto Damas recorda como um desses interesses era o gosto pela arte. “O Ricardo era muito amigo do Hoyningen-Huene, que também era um colecionador de arte. Eles tinham uma grande ligação e o Ricardo recebia-o em casa, quer em Lisboa, na Lapa, quer em Cascais. E chegou até a juntar o embaixador alemão com o embaixador britânico e francês nos seus jantares, nos seus eventos sociais. “
Mas com a passagem do Duque de Windsor por Portugal, em julho de 1940, essa relação iria estar sob escrutínio. E, poucos anos mais tarde, a descoberta de documentos nazis secretos, feita já nos últimos dias da guerra, iria levantar suspeitas sobre a atuação do banqueiro durante os dias em que o Duque esteve em Cascais.
Que papel teve Espírito Santo em julho de 1940?
Deveria ter sido tudo destruído no final da guerra. Em abril de 1945, uma patrulha de soldados norte-americanos fez uma descoberta surpreendente: milhares de documentos secretos que os nazis tiveram de abandonar à pressa, e já não tiveram tempo de eliminar.
São sobretudo telegramas, comunicações entre o ministério dos negócios estrangeiros alemão e as embaixadas espalhadas pelo mundo. As informações relativas ao que aconteceu em julho de 1940, durante a passagem do Duque de Windsor por Portugal, são encontradas num microfilme que tinha sido enterrado no meio da floresta, e que foi apenas descoberto graças à denúncia de um informador alemão. São informações cuja publicação o governo britânico vai procurar adiar ao máximo, mas que serão finalmente tornadas públicas em 1957.
Os telegramas expõem o plano alemão, orquestrado pelo ministro dos negócios estrangeiros de Hitler, Joachim Von Ribbentrop. Num telegrama enviado a 11 de julho de 1940 para o embaixador alemão em Madrid, o ministro revela que o objetivo passa, primeiro, por trazer o Duque de Windsor de volta para Espanha — um território que seria mais favorável aos nazis do que Portugal — para depois lhe fazer a proposta final: oferecer-lhe o trono do qual teve de abdicar anos antes, em troca da paz com a Alemanha. Nesse mesmo telegrama, Ribbentrop faz também uma referência a Ricardo Espírito Santo. Escreve que “o Duque está a viver em casa de um banqueiro português que é dado como sendo amigo da Alemanha.”
Mas esta não será a única referência ao banqueiro. À medida que o mês avança, os alemães também vão ter planos concretos para ele. O governo britânico nomeia o Duque para o cargo de governador das Bahamas, uma solução para o manter afastado da Europa e longe dos nazis. Mas Ribbentrop que evitar a partida de Eduardo a todo o custo. A 31 de julho, ordena ao embaixador alemão em Lisboa que peça ao amigo banqueiro para que aborde diretamente o Duque, em representação da Alemanha. É uma tentativa derradeira para tentar convencer Eduardo a ficar e a alinhar com o plano dos alemães. Nesse telegrama, Ricardo Espírito Santo aparece identificado com uma palavra alemã cuja tradução vai causar polémica.
Alguns vão traduzi-la como “agente”. É essa a principal evidência que leva autores como Andrew Lownie, que escreveu o livro “O Rei Traidor”, a afirmar que Espírito Santo estava ao serviço dos alemães. Mas outros vão traduzi-la por “confidente”. O que, para Carlos Alberto Damas, é uma questão muito diferente. “O confidente é uma pessoa em que se pode confiar. O Ricardo é uma pessoa confiável, uma pessoa com quem se calhar podemos falar e ele pode ajudar nisto. Outra coisa é ser agente. Um agente é uma pessoa que tem instruções diretas para agir de determinada forma.”
Mas o investigador vai ainda mais longe. Garante que o banqueiro nunca iria contra a posição de Salazar, que seria a de defender os interesses dos britânicos neste caso mas sem nunca hostilizar diretamente os alemães. E acredita também que Espírito Santo pode ter “fornecido algumas informações não verdadeiras para criar uma espécie de um ambiente falso, uma bolha, para os alemães se irem entretendo, enquanto os ingleses iam preparando tudo para pôr o Duque onde queriam”.
Afinal, onde esteve a verdade? Qual foi o verdadeiro papel de Ricardo Espírito Santo em toda esta história? São questões para descobrir em “Um Rei na Boca do Inferno”, uma série para ouvir em seis episódios, com narração de Soraia Chaves e banda sonora original de Cláudia Pascoal. O guião e as entrevistas são de João Santos Duarte. A sonoplastia é de Beatriz Martel Garcia e Artur Costa.
Há um novo episódio todas as terças-feiras no site do Observador e nas plataformas de podcast, mas os assinantes do Observador já têm acesso exclusivo e antecipado a todos os episódios desta série.
[Já saiu o terceiro episódio de “Um Rei na Boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro e o segundo e terceiro episódios]