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José Manuel Fernandes. A grande lição britânica de democracia

O programa de Boris era simples: cumprir a vontade do eleitorado, e não a dos jornais, e concretizar o Brexit. E o eleitorado confirmou que era isso mesmo que queria, dando-lhe uma confortável maioria

Uma das grandes vantagens de um político é ser subestimado – e Boris Johnson foi quase sempre subestimado. Apresentaram-no como o Trump britânico, quando quase tudo os separa – só terem o cabelo parecido os junta. Mas neste tempo de aparências, há quem julgue que as aparências são tudo. Não são.

E Boris Johnson, podendo ter um estilo fora do comum, chegou ao poder com um programa muito claro: fazer aquilo que Theresa May não tinha conseguido fazer, isto é, concretizar o Brexit. Tirar o Reino Unido da União Europeia. Cumprir a vontade do eleitorado expressa em referendo.

Os meses que passaram desde que tomou posse, e os choques que teve com alguns dos antigos ministros de May permitem perceber com clareza porque é que o anterior governo conservador não conseguia finalizar o Brexit – era porque boa parte dos seus membros não queria. Tudo foi diferente com Boris Johnson e não é possível tirar mérito ao que conseguiu nos últimos meses.

É bom recordarmos o estado em que estava o Reino Unido no Verão passado. Com Theresa May à frente do governo, os conservadores não só não tinham conseguido aprovar no Parlamento o acordo de saída da União Europeia, como tinham sido humilhados nas eleições europeias. Tinham tido menos de 10 por cento dos votos. O partido do Brexit ameaçava destruir os tories.

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Quando chegou a Downing Street com a missão muito simples e muito clara de cumprir a vontade dos eleitores que tinham votado pelo Brexit, Boris Johnson prometeu que o faria negociando e aprovando um melhor acordo de saída ou, se isso não fosse possível, saindo sem acordo. A sua data limite era 31 de Outubro. Percebeu que o Reino Unido estava cansado do Brexit. Os seus adversários não perceberam que ele estava a falar a sério e consideraram a sua missão impossível.

Não foi, pois reabriu as negociações com a União Europeia e conseguiu melhores condições. Depois, mesmo tendo perdido a sua maioria no Parlamento, foi buscar votos suficientes à bancada dos trabalhistas para aprovar o novo acordo. Só lhe faltou tempo para sair na data prevista. Mas vai poder agora, com esta maioria, fazer tudo à sua maneira. Mais: vai poder fazê-lo com uma maioria confortável, que o deixa protegido dos mais radicais do seu partido.

Foi um processo turbulento, mas que acaba com uma grande lição de democracia. Para todos.

Boris cometeu neste processo um erro, quando quis fechar o Parlamento por umas semanas. Mas as instituições funcionaram e o Parlamento foi reaberto. No Reino Unido, mesmo sem Constituição escrita, funcionou a separação de poderes, funcionou a limitação de poderes. E com o Parlamento a funcionar o povo pode assistir ao bloqueio institucional – e assim, quando por fim pode pronunciar-se, pronunciou-se de forma esmagadora por uma solução que não deixa lugar a dúvidas.

Ontem o Reino Unido referendou pela segunda vez o Brexit. Referendou a estratégia de Boris Johnson e dos conservadores. E recusou de forma expressiva o radicalismo esquerdista dos trabalhistas de Jeremy Corbyn. O resultado dificilmente poderia ter sido mais expressivo.

No país que mais respeita o Parlamento, depois de o Parlamento não se ter dado ao respeito, o povo soube ser soberano. Uma verdadeira lição de democracia dada pelo país que nem precisa de uma Constituição escrita para respeitar as suas instituições, respeitar as suas liberdades e sobretudo respeitar as escolhas dos seus eleitores, contra tudo e contra todos, se necessário for.

Inês Domingos. Boris Johnson ganhou

Curiosamente, uma maioria significativa dos tories também permite ao primeiro-ministro ser mais flexível nas negociações do que foi em campanha. Por isso, o acordo de saída deverá ser finalizado muito rapidamente, mas continua tudo em aberto relativamente ao acordo futuro.

O Reino Unido falou e deu uma vitória avassaladora ao Partido Conservador. À hora em que escrevemos, a sondagem à boca das urnas sugere que o Partido Conservador terá eleito 368 deputados em 650. O Partido Trabalhista terá tido, pelo seu lado, um dos piores resultados da sua História, com 191 deputados. O Partido Nacionalista Escocês (SNP) terá obtido um resultado muito próximo de 2015, com 55 deputados. Por fim, os Democratas Liberais ficaram com um resultado praticamente inalterado face às últimas eleições, com 13 deputados. Os resultados finais ainda não são conhecidos a esta hora, mas não deverão mudar a maioria absoluta dos conservadores.

A campanha para estas eleições foi praticamente dominada pelo tema do Brexit. A vitória retumbante dos tories com um programa a favor de uma saída rápida parece indicar que o eleitorado confirma, e até reforça, o resultado do referendo sobre a saída do Reino Unido da UE. É por isso uma derrota significativa, pelo menos fora da Escócia, para os que defenderam um segundo referendo ou até a revogação do artigo 50, como foi o caso dos Democratas Liberais. Por outro lado, a posição muito clara dos tories a favor da saída esvaziou o Partido do Brexit.

Esta maioria oferece muito mais liberdade ao primeiro-ministro não só para implementar o acordo de saída, mas também para negociar um acordo de comércio com a UE. Durante a campanha, Boris Johnson foi claríssimo ao indicar que quer finalizar as negociações sobre um acordo futuro até ao final de 2020, enquanto Michel Barnier, negociador da UE, terá indicado que será impossível chegar a um acordo antes de 2021. Existe assim o risco de o Governo britânico acabar por optar por uma saída dura, isto é, sem acordo. Curiosamente, uma maioria significativa dos tories também permite ao primeiro-ministro ser mais flexível nas negociações do que foi em campanha. Por isso, o acordo de saída deverá ser finalizado muito rapidamente, mas continua tudo em aberto relativamente ao acordo futuro.

Já no que diz respeito à Escócia, a vitória do Partido Nacionalista reforça a expectativa de que a líder, Nicola Sturgeon, irá tentar fazer um novo referendo sobre a permanência da Escócia no Reino Unido. Mas uma maioria forte do Partido Conservador poderá impedir um novo referendo, que tem de ser aprovado pelo Parlamento nacional.

A vitória maioritária dos tories pode significar que o receio de um “hard Brexit” e o risco de desunião poderão diminuir face à situação de um Parlamento dividido.

Inês Domingos é economista e colunista do Observador

Diana Soller. Danos colaterais

O bom resultado eleitoral do Partido Nacionalista Escocês neste contexto político parece indicar a inevitabilidade de que a Escócia tenha começado um novo caminho que a poderá levar à independência.

Hoje pode muito bem ficar para a história como o dia em que o Reino Unido saiu da União Europeia e que a Escócia saiu do Reino Unido. A esmagadora maioria absoluta de Boris Johnson e a votação muito aquém do esperado de Jeremy Corbyn podem esconder um dos resultados mais importantes da noite: os 55 deputados eleitos pelo SNP, o Partido Nacionalista Escocês.

Nicola Sturgeon irrompeu na campanha eleitoral a concorrer como uma espécie de vice de Corbyn com as suas condições bem claras: viabilizaria um governo trabalhista, caso os tories não tivessem maioria absoluta, em troca do assentimento do Parlamento a uma nova consulta pública aos escoceses sobre a sua permanência no Reino Unido.

Não conseguiu o seu intento imediato. Mas o bom resultado eleitoral neste contexto político parece indicar a inevitabilidade de que a Escócia tenha começado um novo caminho que a poderá levar à independência.

Em primeiro lugar, porque a vitória de Boris Johnson torna certo o Brexit e a Escócia manifestou, desde o primeiro momento, vontade de permanecer na União Europeia (nas urnas e nas instituições). Sturgeon usará o argumento de que o referendo de 2014 perde a validade nestas novas condições políticas. Em segundo lugar, a saída do Reino Unido da União Europeia legitima a saída da Escócia do Reino Unido. Pode argumentar-se que a unidade supranacional e a unidade nacional são completamente diferentes, mas as razões morais de uns são as mesmas de outros: não se pode pertencer a uma unidade política sem o consentimento dos cidadãos. Westminster vai resistir a este movimento, mas a Escócia tem razões de peso para seguir o seu próprio caminho.

Diz-se que quem ganhou as eleições foi a “fadiga do Brexit”. Mas, ultrapassada esta barreira, abrem-se dois novos processos políticos com um enorme potencial de tensão. Por um lado, Boris Johnson quer um Reino Unido soberano, grande e unido e Nicola Sturgeon quer uma Escócia nacionalista e independente. Os dois projetos são incompatíveis. Por outro, a Europa quis fazer do Reino Unido um caso exemplar do que pode acontecer a um Estado que se quer separar da União. A Grã-Bretanha retribuiu-lhe uma nação com uma reforçada legitimidade independentista que tem tudo para contagiar outros nacionalismos continentais.

Hoje pode ser o dia em que o Reino Unido deu o passo decisivo para sair da União. Mas também é o dia em que os danos colaterais do Brexit ganham um novo impulso. E se os danos colaterais económicos estão inumerados há muito, mas tenderão a ser dirimidos no tempo, os danos colaterais políticos podem marcar profundamente a política, a geografia e os equilíbrios nacionais no Reino Unido e na Europa.

Diana Soller é colunista do Observador e investigadora da IPRI-NOVA

André Azevedo Alves. #GetBrexitDone e #StopCorbyn

Sem retirar mérito à sua vitória, importa ter presente que Boris Johnson vence contra o Labour mais radicalizado das últimas décadas. Paradoxalmente, o radicalismo de Corbyn acabou por ser o abono de família dos Conservadores.

A confirmarem-se os dados da exit poll, as eleições no Reino Unido acrescentam mais um caso à já longa lista de resultados de difícil compreensão para a generalidade dos comentadores e comunicação social nacional. De facto, à luz da cobertura da campanha feita entre nós, o facto de o Partido Conservador liderado por Boris Johnson conquistar uma expressiva vitória eleitoral e uma maioria absoluta no Parlamento britânico só poderia ser explicado pela estupidez do eleitorado. Vale no entanto a pena ir além da superficialidade e banalidade dessas leituras e tentar perceber o que de facto aconteceu.

A vitória dos Conservadores teve dois pilares principais: concretizar o Brexit e travar Jeremy Corbyn, percepcionado por uma grande parte do eleitorado como um marxista dogmático e um extremista absolutamente incapaz de exercer o cargo de primeiro-ministro de forma responsável.

Sem retirar mérito à sua vitória, importa ter presente que Boris Johnson vence contra o Labour mais radicalizado das últimas décadas. Paradoxalmente, o radicalismo de Corbyn acabou por ser o abono de família dos Conservadores, como aliás foram mostrando as sondagens relativas às percepções do eleitorado sobre os dois líderes. Sendo certo que o próprio Boris Johnson tem várias fragilidades, para muitos eleitores britânicos o risco de Corbyn poder vir a ser primeiro-ministro foi suficiente para os mobilizar nos Conservadores.

O outro pilar da vitória Conservadora foi a concretização do Brexit, por contraste com a posição ambígua e pouco clara do Partido Trabalhista. Boris Johnson tem agora pela frente o desafio de implementar o Brexit com sucesso e estando à altura das elevadas expectativas geradas. Se no Continente — muito por influência e estratégia alemã — há um enorme pessimismo sobre o Brexit, existe em muitos britânicos um optimismo que pode ser excessivo e gerar expectativas difíceis de satisfazer. Um Brexit bem sucedido terá necessariamente de implicar um Reino Unido mais aberto ao mundo, evitando as tentações proteccionistas e isolacionistas. #GetBrexitDone será o grande teste de Boris Johnson e o que vai definir como ficará para a história.

André Azevedo Alves é professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e Reader in Economics, Political Economy and Public Policy na St. Mary’s University, London

Ricardo Pinheiro Alves: A vitória da Democracia

A vitória da Democracia é ainda a confirmação de que a bicicleta europeia não anda sempre para a frente. O futuro da UE continua a dividir-se entre uma federação com poucas preocupações de legitimidade democrática e uma união de Estados soberanos fundada na legitimidade democrática.

1. A vitória dos tories nas eleições é, antes de tudo, uma vitória da Democracia (da verdadeira). Assumindo que o Brexit já não descarrila, e que não há surpresas dos membros do Parlamento eleitos, confirma-se que o que mais de 17 milhões de pessoas escolheram em referendo no voto mais participado das últimas décadas vai ser implementado. Não é só a Democracia no Reino Unido que ganha — só isso já era muito importante, dado que é o país que garantiu os valores democráticos na Europa — é a Democracia em todo o continente.

Mas é também uma lição para a classe política, especialmente para os membros do Parlamento que foram eleitos com a promessa de respeitar o resultado de referendo e que, uma vez “instalados”, actuaram hipocritamente e tudo fizeram para o bloquear. A confiança entre eleitores e eleitos, que anda pelas ruas da amargura, esteve em risco de ser ainda mais abalada por todo este processo. Esta vitória permite recuperar alguma desta confiança, que é fundamental para o funcionamento da Democracia.

2. A vitória da Democracia é também a vitória de Boris Johnson. BoJo foi vilipendiado de várias formas, acusado de não ter princípios ou considerado desonesto por muitos, e especialmente pela imprensa mainstream que é contra o Brexit. BoJo foi também frequentemente comparado com o seu herói, Churchill, nem sempre da forma mais agradável. Mas a verdade é que teve a coragem que a sua antecessora não teve e desde o início assumiu claramente que pretendia o Brexit, “come what may”, não restando dúvidas a partir desse momento de que só se o impedissem é que o Reino Unido não sairia da União Europeia. É o vencedor destas eleições sem margem para qualquer dúvida.

3. A vitória da Democracia é ainda a confirmação de que a bicicleta europeia não anda sempre para a frente. O futuro da UE continua a dividir-se entre uma federação com poucas preocupações de legitimidade democrática e uma união de Estados soberanos fundada na legitimidade democrática. O caminho futuro até pode estar facilitado com a saída do Reino Unido, mas agora há um precedente que demonstra que todos os países são livres de escolher o que querem fazer. Em Portugal, e em outros países, deixa de ser aceitável uma federação europeia sem um referendo que a legitime.

4. A vitória da Democracia é também a derrota de Corbyn e das políticas retrógradas e centralistas que propôs. Com companhias pouco recomendáveis ao longo da sua vida, a que se junta um Labour com práticas anti-semíticas, Corbyn propôs um retrocesso civilizacional para os anos 1970, quando a demagogia ideológica imperava e se pensava que o Estado era o motor e a essência da sociedade, com legitimidade para tudo decidir. A proposta de distribuir 10% das empresas cotadas pelos trabalhadores ou a longa lista de nacionalizações prometidas mostram desrespeito pelas pessoas e a recusa de uma sociedade descentralizada e livre.

Mas o facto de estas propostas terem recebido tantos votos mostra uma coisa que é preocupante: as pessoas têm memória curta e a História tem de ser permanentemente e rigorosamente recordada, porque só assim se pode evitar repetir os erros do passado. Isto é especialmente importante num tempo em que os ideais socialistas estão outra vez a ganhar terreno.

5. Finalmente, a vitória da Democracia é a confirmação de dois grandes desafios para os britânicos. O desafio de manter o reino unido gerindo as tentativas da Irlanda de integrar a Irlanda do Norte e unificar a ilha, e da Escócia de recuperar a sua independência. E o desafio de os britânicos se voltarem a afirmar num contexto global, em que o centro se desloca lentamente para o Pacífico, garantindo o acesso ao mercado europeu para os seus serviços e alargando a sua presença nos países emergentes mais dinâmicos e livres. BoJo tem finalmente a oportunidade de demonstrar que é feito da mesma cepa de Churchill.

Ricardo Pinheiro Alves é economista

Miguel Pinheiro. Queriam um segundo referendo, não queriam?

Os opositores do Brexit queriam um segundo referendo — e foi isso mesmo que tiveram esta quinta-feira. Mas, afinal, parece que os eleitores não se enganaram, não foram enganados nem se distraíram quando votaram pela saída da UE em 2016.

A 23 de junho de 2016, o referendo sobre o Brexit acabou com 51,89% a votarem “sim” e 48,11% a votarem “não”. Poucas horas depois, a 24 de junho de 2016, começou a ouvir-se um clamor aparentemente imparável a exigir um segundo referendo. Os eleitores britânicos tinham-se enganado. Ou então: os eleitores britânicos tinham sido enganados. Ou então: os eleitores britânicos tinham-se distraído. Ou então: os eleitores britânicos tinham votado “sim” a 23 mas já tinham mudado de opinião a 24.

Além disso, as sondagens eram terrivelmente avassaladoras. Ainda em Outubro deste ano, um artigo no Financial Times explicava, com o devido didatismo, que o “Leave” não vencia em nenhuma das últimas 50 sondagens e que o “Remain” estava “consistentemente à frente”.

E havia ainda, claro, como não podia deixar de ser, as ruas — que são sempre o último recurso do povo derrotado nas urnas. Lendo o sempre esclarecido Guardian há apenas dois meses, éramos informados, com solenidade, que “os cidadãos exigiam a palavra final” sobre o Brexit, naquela que era “uma das maiores marchas de protesto da História britânica”, juntando um milhão de indignados.

Os opositores do Brexit queriam, portanto, um segundo referendo — e foi isso mesmo que tiveram esta quinta-feira. Boris Johnson foi forçado a ir a eleições porque o Parlamento bloqueou as negociações para a saída da UE de forma persistente e inamovível. E passou toda a campanha a prometer que, se lhe dessem poder e votos, iria, finalmente, “get Brexit done”. Três anos e meio depois do primeiro referendo, os britânicos votaram outra vez. Era isso que os “remainers” queriam, não era?

Miguel Pinheiro é diretor executivo do Observador

Sara Antunes de Oliveira. Nem ficar, nem sair. Os britânicos já só quiseram resolver

Talvez tenha sido isso o que Boris Johnson melhor compreendeu: conseguiu forçar os outros partidos a debaterem o Brexit na campanha, mas, enquanto a oposição revisitava argumentos antigos sobre vantagens e desvantagens, riscos e medos, o líder conservador bateu apenas na tecla do “Resolver”.

Apesar de ser possível olhar para os resultados destas eleições no Reino Unido e ver uma nova afirmação do Brexit, aquilo que os números revelam é que os britânicos desistiram de escolher, numa matéria tão decisiva para o país.

Durante meses, sondagens, debates e muito wishful thinking de quem nunca percebeu a vontade do Reino Unido de sair da UE foram garantindo que, se pudessem votar outra vez, os britânicos mudariam de ideias. A verdade é que os britânicos puderam votar outra vez. E, mais uma vez, escolheram o caminho que leva à porta da rua. A diferença, agora, é que o Brexit quase parece ser apenas um dano colateral. Apesar de ter sido o tema fundamental na campanha, poucos olharam para o voto como um “Remain” ou “Leave”. No boletim, para muitos, estava apenas “Resolver” ou “Não resolver”.

Haverá muitas razões para isso, mas quase todas irão ter à forma ziguezagueante como o poder político se comportou nos últimos anos, muitas vezes desrespeitoso para a decisão democrática que o referendo de 2016 apontou, quase sempre humilhante para a imagem do Reino Unido. É certo que, durante algum tempo, a própria União Europeia, sem o assumir, foi alimentando esses avanços e recuos, as idas e vindas de Theresa May a Bruxelas, as extensões de prazo intermináveis, as ameaças nunca cumpridas de que seria a última vez. Mas não é possível que aquilo que se viu na Câmara dos Comuns — os debates, os empates, as decisões revogadas, as leis desenterradas de tomos escritos no século passado, as acusações e insultos — não tenha sido o que mais afastou os britânicos do tema.

Talvez tenha sido isso o que Boris Johnson melhor compreendeu: conseguiu forçar os outros partidos a debaterem o Brexit na campanha, mas, enquanto a oposição revisitava argumentos antigos sobre vantagens e desvantagens, riscos e medos, o líder conservador bateu apenas na tecla do “Resolver”.

A isto acresce a aversão à figura de Jeremy Corbyn, o homem que perdeu a identidade assim que a discussão do Brexit se instalou. O que pensa? O que vai fazer? Como vai fazer? E quando? Mais do que silêncio, os britânicos viram indecisão, incoerência, mudanças de rumo. Ao ponto de até alguns Remainers mais convictos terem decidido votar no único partido (e líder) que prometeu — e deu passos decisivos para isso — que o Reino Unido sairia quase de imediato da União Europeia. Entre o Brexit que não desejavam e Jeremy Corbyn, escolheram o Brexit. Desistiram.

Podia ter sido num tema menos importante, menos decisivo, menos definidor para as próximas gerações. Mas foi neste e não era assim tão difícil de adivinhar que seria.

Sara Antunes de Oliveira é editora de Sociedade do Observador