Índice
Índice
“A Europa é agora efetivamente a primeira jurisdição do mundo onde as plataformas online já não beneficiam de um ‘livre passe’ e estabelecem as suas próprias regras”. As palavras de Thierry Breton, comissário europeu para o Mercado Interno que lidera o departamento responsável pela aplicação da Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla original), surgem numa altura em que 19 plataformas estão obrigadas a estar em conformidade com a nova legislação.
As empresas que não cumprirem as novas regras europeias podem enfrentar multas de até 6% do seu volume de negócios global e, em última instância, uma suspensão temporária da operação na União Europeia. A Lei dos Serviços Digitais quer manter os utilizadores seguros online ao reforçar as obrigações das empresas no combate aos conteúdos ilegais e à desinformação. Pretende ainda que exista uma maior proteção dos menores na internet, por exemplo através da proibição da publicidade direcionada a crianças ou com base em dados como a etnia e a orientação sexual.
Desde 25 de agosto, com o fim do período de adaptação, que as empresas que contam com serviços com mais de 45 milhões de utilizadores na União Europeia devem estar em conformidade com as regras da legislação que entrou em vigor em novembro do ano passado. Aquelas que foram classificadas por Bruxelas como “plataformas e mecanismos de pesquisa muito grandes” contam com obrigações adicionais, como, por exemplo, a realização de avaliações anuais dos riscos de perigos dos seus produtos no que diz respeito à disseminação de desinformação.
A partir de 17 de fevereiro de 2024, a Lei dos Serviços Digitais passará a ser “diretamente aplicável em toda a União Europeia”.
Quais são as 19 plataformas e que alterações vão fazer?
AliExpress (detida pelo grupo Alibaba), Amazon Store, AppStore (da Apple), Booking.com, Facebook, Google Play, Google Maps, Google Shopping, Instagram, LinkedIn, Pinterest, Snapchat, TikTok, Twitter, Wikipedia, YouTube, Zalando, Bing e Google Search são as 17 plataformas e os dois mecanismos de pesquisa online que a Comissão Europeia considera como “muito grandes” e que, por isso, abrangidos pela Lei dos Serviços Digitais.
As empresas detentoras destes serviços têm de atualizar o seu número de utilizadores — e divulgá-lo a Bruxelas — no mínimo de seis em seis meses. Se ao longo de um ano inteiro registarem menos de 45 milhões de utilizadores, de acordo com o The Verge, o seu nome é retirado da lista de plataformas e mecanismos de pesquisa “muito grande”, o que significa também que deixam de ter responsabilidades adicionais.
Neste momento, várias das firmas já divulgaram as alterações que fizeram ou que ainda vão fazer aos seus serviços para estarem em conformidade com a DSA, enquanto outras contestaram a designação de “plataformas online muito grandes” e recorreram à justiça. Por outro lado, o Politico nota a ausência de algumas plataformas na lista das 19.
Desde logo, o jornal indica que os sites Pornhub e YouPorn declararam ter, respetivamente, 33 milhões e 7 milhões de visitantes na União Europeia (UE), apesar de serem classificados com regularidade como sendo dos mais visitados em vários países europeus. O mesmo parece acontecer com o Telegram, que indicou no ano passado ter mais de 700 milhões de utilizadores mensais ativos em todo o mundo, mas que declara contar somente com 38,5 milhões de utilizadores na UE. Já o Spotify optou por não revelar o número de utilizadores que tem nos Estados-membros, afirmando apenas que não era uma plataforma online muito grande.
TikTok
No início deste ano, várias foram as organizações que proibiram os funcionários de utilizar o TikTok nos dispositivos de trabalho devido a preocupações de segurança. Foi o caso do Parlamento Europeu, da Comissão Europeia e da NATO. Nos EUA, o escrutínio — que existe desde 2020 devido a preocupações de que a plataforma esteja a ser utilizada como ferramenta de espionagem ao serviço de Pequim — aumentou, com o CEO Shou Zi Chew a ser ouvido durante mais de cinco horas pelo Congresso.
Na União Europeia, em meados de julho, a rede social foi submetida a um teste de stress voluntário na preparação para a Lei dos Serviços Digitais. Thierry Breton, citado pelo Politico, afirmou que a aplicação ainda precisava de “acelerar” o trabalho para cumprir as regras a tempo. Porém, salientou que a estava a ser mostrado “um compromisso sério” para com a legislação.
Esse compromisso foi esta semana destacado pelo TikTok que, em comunicado, garante que, “ao longo dos últimos 12 meses, mais de mil pessoas de diferentes equipas de toda a empresa trabalharam com foco na preparação do cumprimento desta legislação”. Para isso, foram feitas “alterações significativas” que incluem “novos processos e funcionalidades concebidos para aumentar ainda mais a transparência”.
- Os utilizadores europeus passam a conseguir desativar a personalização para que os feeds “Para si” e “Em direto” recomendem vídeos populares a nível mundial ou na sua região e no seu idioma preferido em vez de conteúdos baseados nos interesses pessoais.
- É agora possível aos utilizadores denunciar conteúdos, incluindo publicidade, que considerem ilegais. Essas publicações serão analisadas e removidas globalmente se for considerado que não respeitam as diretrizes. “Caso contrário, a nova equipa de moderadores e especialistas jurídicos avaliará se o conteúdo viola a legislação local e o acesso a esse conteúdo será restringido nesse país.”
- Tanto as pessoas que denunciam um determinado conteúdo como as que o publicam passam a ser informadas da decisão (de o remover ou não) e da sua fundamentação (sobre o porquê de ser ou não ilegal), tendo a oportunidade de recorrer. É a Lei dos Serviços Digitais que determina a obrigação das empresas a informar os utilizadores se removerem os seus conteúdos ou se limitarem a sua visibilidade.
- Passa a existir uma “base de dados pesquisável”, denominada Biblioteca de Conteúdos Comerciais, que contém informações sobre “anúncios pagos no TikTok e metadados do anúncio — tais como o criativo publicitário, as datas em que foi veiculados e os principais parâmetros utilizados para a segmentação”.
- Desde julho que os utilizadores europeus com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos não conseguem ver publicidade personalizada com base nas suas atividades.
A aplicação diz que se encontra ainda a “trabalhar num ‘European Online Safety Hub‘, que estará disponível em 23 línguas europeias e que servirá como um ‘balcão único'” através do qual a comunidade poderá “perceber melhor” como é que o DSA está a ser cumprido e o que implicações isso tem na experiência do utilizador.
TikTok anuncia “alterações significativas” no âmbito da Lei dos Serviços Digitais
A Google afirma que ao longo dos anos fez “investimentos significativos” nos seus produtos, o que, acredita, tornou possível que cumprisse algumas das regras mesmo antes de a legislação entrar em vigor. Há dois anos, exemplifica, em comunicado divulgado no seu blog, já tinha tomado a decisão de bloquear a publicidade personalizada a menores de 18 anos.
No YouTube, a opção de “recorrer de remoções ou restrições de vídeos” também já era dada aos criadores de conteúdos — que depois são analisadas por uma equipa que decide se mantém ou se reverte a decisão. Para estar em total conformidade e cumprir requisitos específicos, a Google teve, ainda assim, de adaptar e alterar o funcionamento de alguns dos seus serviços.
- Expansão do Centro de Transparência de Anúncios, um repositório para pesquisar anunciantes de todas as plataformas e que forneça “informações adicionais sobre a segmentação de anúncios veiculados na União Europeia”.
- Maior acesso a dados para os investigadores que “desejem perceber mais sobre como o Google Search, o YouTube, o Google Maps, o Google Play e o Shopping funcionam na prática” e que queiram realizar “investigação relacionada com a compreensão dos riscos sistémicos dos conteúdos na União Europeia”.
- Criação de uma nova Central de Transparência, onde os utilizadores podem aceder a informações sobre as políticas de cada produto. Os relatórios de transparência passarão a incluir informações acerca da moderação de conteúdos em “mais serviços, incluindo o Google Search, o Google Play, o Google Maps e o Shopping”.
Meta
Da lista dos 19 serviços que têm mais de 45 milhões de utilizadores na União Europeia, dois são propriedade da Meta: o Facebook e o Instagram. A tecnológica diz ter trabalhado “arduamente” para se adaptar às novas regras, contando com uma equipa de mais de mil pessoas dedicada a “desenvolver soluções” para cumprir a lei.
Desde fevereiro que a empresa liderada por Mark Zuckerberg não permite que os menores — com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos — vejam publicidade personalizada e baseada na sua atividade, nomeadamente nas páginas que segue no Instagram e no Facebook. Desta forma, a idade e a localização são as únicas informações desses jovens a que os anunciantes têm acesso. Numa nota divulgada online, a Meta revela medidas adicionais que vai introduzir:
- Expansão da biblioteca pública de anúncios para que qualquer pessoa possa ter informações sobre a publicidade que lhe é mostrada: desde as datas em que foi publicada aos parâmetros utilizados para escolher o público-alvo (por exemplo, idade ou localização). Os anúncios ficam guardados durante um ano.
- Os utilizadores europeus vão poder optar por ver conteúdos do reels e das stories por ordem cronológica ao invés daqueles que são selecionados pela Meta através de algoritmos e de Inteligência Artificial.
- Será partilhada mais informação sobre a forma como os sistemas de Inteligência Artificial classificam os conteúdos publicados no feed, reels e nas stories.
- Será partilhada mais informação acerca dos motivos que levam a que determinado conteúdo ou parte dele seja removido.
- Os investigadores poderão “pesquisar, explorar e filtrar” o conteúdo disponível publicamente “numa interface gráfica ou através de API [Interface de Programação de Aplicações]”. Terão ainda à disposição a Meta Content Library, que contém conteúdo de páginas, grupos e eventos do Facebook, bem como de contas de criador e de negócios negócios do Instagram.
Snapchat
Com “valores de longa data alinhados com os princípios da Lei dos Serviços Digitais”, o Snapchat acredita que a “privacidade, a segurança e a transparência” são fundamentais para o seu funcionamento. Para se certificar que cumpria as novas regras europeias a tempo fez várias atualizações à sua plataforma. E também nomeou “técnicos para a conformidade da DSA” para garantir que continua a respeitar os requisitos no futuro. As novas funcionalidades e medidas de transparência são as seguintes:
- Os utilizadores europeus passam a ter a possibilidade de desativar a personalização dos feeds “descobrir” e “destaque”. A rede social explica que é essa personalização, que tem por base um algoritmo, que permite que sejam recomendados conteúdos de desporto a quem passa mais tempo a ver essas publicações, por exemplo.
- Os utilizadores serão notificados “sobre o motivo pelo qual a sua conta e determinado conteúdo foi removido” e vão conseguir recorrer da decisão. Estas funcionalidades estarão inicialmente disponíveis só na UE, mas serão lançadas globalmente “nos próximos meses”.
- Deixa de ser permitida a personalização de anúncios para os utilizadores na União Europeia e no Reino Unido com menos de 18 anos. Idade, definições de idioma e localização são as únicas informações acerca dos menores a que os anunciantes terão acesso.
- Para os utilizadores com mais de 18 anos passa a ser possível obter “mais detalhes sobre o motivo pelo qual determinado anúncio foi mostrado” e “limitar a personalização dos anúncios que são mostrados”.
- Será criada uma biblioteca digital de anúncios mostrados na União Europeia, onde qualquer pessoa poderá fazer pesquisas e ver “detalhes de campanhas de publicidade pagas”, nomeadamente como é que determinado anúncio foi pago ou a duração da campanha.
X (anteriormente conhecida como Twitter)
Foi há mais de um mês que o Twitter disse adeus ao pássaro azul e passou a denominar-se X, naquela que é uma das maiores e mais recentes alterações determinadas por Elon Musk. Desde que o multimilionário comprou a rede social, em outubro do ano passado, que esta tem apresentado dificuldades em atrair mais anunciantes e tem estado envolta em incerteza.
Quando assumiu o controlo, Musk, que se autointitula de “absolutista da liberdade de expressão”, demitiu a maior parte da equipa da rede social especializada em moderação de conteúdos. Depois, em maio, renunciou ao acordo voluntário do código de conduta da União Europeia contra a desinformação online.
A Comissão Europeia, na voz do comissário Thierry Breton, respondeu à posição da rede social deixando o aviso de que as obrigações se manteriam inalteradas: “Podes correr, mas não te podes esconder. Além dos encargos voluntários, o combate à desinformação será uma obrigação legal ao abrigo da Lei dos Serviços Digitais a partir de 25 de agosto“.
Twitter leaves EU voluntary Code of Practice against disinformation.
But obligations remain. You can run but you can’t hide.
Beyond voluntary commitments, fighting disinformation will be legal obligation under #DSA as of August 25.
Our teams will be ready for enforcement.
— Thierry Breton (@ThierryBreton) May 26, 2023
Cerca de dois meses depois do aviso, e após uma equipa liderada por Breton ter visitado a sede da plataforma na Califórnia para um teste de stress na preparação para a DSA, Elon Musk disse, segundo o The Guardian, que as regras seriam cumpridas. Após essa visita, o comissário europeu revelou que disse tanto a Musk como a Linda Yaccarino, CEO do X, que a rede social deveria “ser muito diligente na preparação para combater conteúdos ilegais na União Europeia”.
Com a chegada do dia 25 de agosto, Breton assinalou que, após vários meses de preparação, a DSA tornou-se “juridicamente aplicável para plataformas online e mecanismos de pesquisa muito grandes”. “Uma internet mais segura para todos”, desejou, numa publicação no X. A mensagem recebeu uma resposta de Musk, que disse que a aplicação está a “trabalhar arduamente” para estar em conformidade com a legislação. Porém, não deu quaisquer detalhes das alterações que estão a ser preparadas ou que possam, eventualmente, já ter sido feitas.
O Observador questionou a X para perceber que alterações pondera implementar ou já implementou, mas não obteve qualquer resposta até ao momento.
We are working hard on this
— Elon Musk (@elonmusk) August 25, 2023
As batalhas que a Amazon e a Zalando querem enfrentar
A Amazon e a retalhista alemã Zalando recorreram à justiça para contestar a sua classificação como “plataformas online muito grandes”, que lhes foi atribuída pela Comissão Europeia. Por não concordarem com esse estatuto, as duas empresas consideram que não devem ser sujeitas às obrigações adicionais.
Foi no mês de julho que a Zalando contestou a metodologia de Bruxelas para chegar à lista dos 19 serviços muito grandes e levou o caso ao Tribunal da Justiça da União Europeia, que tem sede no Luxemburgo. A empresa considerou que a Comissão Europeia “interpretou mal” os seus números de utilizadores e que não teve em consideração o facto de, nota a agência Reuters, não apresentar um risco sistémico para a disseminação de conteúdos nocivos ou ilegais por parte de terceiros.
A Comissão Europeia não reconheceu o nosso modelo de negócio, essencialmente retalhista. O número de visitantes europeus que se conecta com os nossos parceiros está muito abaixo do limite estabelecido pela DSA” para as plataformas online muito grandes, defendeu Robert Gentz, CEO da empresa alemã.
Duas semanas depois, ainda em julho, a Amazon apresentou uma petição ao Tribunal Geral da União Europeia para solicitar que a decisão da Comissão Europeia de a classificar como uma plataforma online muito grande (ao abrigo da Lei dos Serviços Digitais) fosse anulada. Em comunicado citado pelo The Verge, a tecnológica liderada por Andy Jassy explica que a legislação foi “concebida para lidar com riscos sistémicos colocados por empresas muito grandes que têm a publicidade como principal receita e que distribuem discursos e informações”.
Por isso, apesar de se mostrar empenhada em “proteger os clientes de produtos e conteúdos ilegais”, a Amazon argumenta que está a ser “injustamente destacada” e alega que o negócio retalhista representa a maior parte das suas receitas. Apesar disso, garante que não é a maior retalhista em nenhum dos países da União Europeia em que opera e diz que os seus maiores concorrentes nessas regiões não receberam a mesma designação por parte de Bruxelas.
Se a designação de plataforma online muito grande fosse aplicada à Amazon e não a outros grandes retalhistas em toda a UE, a Amazon seria injustamente destacada e forçada a cumprir obrigações administrativas onerosas que não beneficiam os consumidores da UE”, reiterou a tecnológica, desta vez citada pela agência Reuters.
Apesar de considerar que tem “zero risco de conteúdo ilegal”, a Zalando vai, de acordo com o Politico, implementar as mudanças necessárias para estar em conformidade com a DSA. O Observador questionou a empresa para perceber que alterações pondera fazer nos seus serviços, mas ainda aguarda por uma resposta.
Por sua vez, numa altura em que se encontra a aguardar pela decisão final do Tribunal Geral da União Europeia, a Amazon garante ao Observador partilhar o objetivo de Bruxelas de “criar um ambiente online seguro, previsível e fiável”. “Investimos significativamente na proteção da nossa loja contra maus atores e conteúdos ilegais e na criação de uma experiência de compra online. Baseámo-nos nesta base forte para a conformidade com a DSA.”