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Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa (à esquerda) e Olivier Faure têm trocado acusações
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Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa (à esquerda) e Olivier Faure têm trocado acusações

Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa (à esquerda) e Olivier Faure têm trocado acusações

Traição, gritos e ataques: PS e França Insubmissa em rota de colisão. Fim da coligação de esquerda?

Socialistas abrem a porta a viabilizar governo de Macron se Presidente francês escolher primeiro-ministro de esquerda. França Insubmissa recusa-se e pede eleições. Coligação pode acabar em breve.

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“Quanto mais Jean-Luc Mélenchon grita, menos o ouvimos.” As palavras são do secretário-geral do Partido Socialista (PS) francês, Olivier Faure, e demonstram o descontentamento e o desentendimento entre os principais rostos da Nova Frente Popular (NFP), a coligação de esquerda formada para as eleições legislativas de julho que junta a França Insubmissa (LFI, sigla em francês) de Mélenchon, o PS, os ecologistas e os comunistas.

Os ainda aliados parecem estar a virar costas uns aos outros. Após a queda do governo de Michel Barnier — para a qual toda a NFP contribuiu, votando a favor da moção de censura —, os socialistas abriram a porta a viabilizar um novo executivo, com o apoio do Ensemble (o bloco centrista liderado por Emmanuel Macron) e d’Os Republicanos (de centro-direita), esperando que os comunistas e os ecologistas também os apoiem. Exigem em troca que o novo primeiro-ministro venha do campo da esquerda.

Ora, esta possibilidade caiu particularmente mal entre os dirigentes da França Insubmissa, que preferem continuar a fazer pressão para que Emmanuel Macron se demita. Aliás, o partido de Jean-Luc Mélenchon recusou aceitar o convite do Presidente francês para uma reunião no Eliseu, esta semana, para discutir o futuro político do país.

“O PS, os comunistas e os ecologistas em coligação para negociar com a direita: regresso ao passado. Tristeza”, escreveu Jean-Luc Mélenchon no X (antigo Twitter), onde atirou igualmente contra o Presidente francês. “O problema é Macron. Não o devemos ajudar a ganhar tempo a esconder o seu golpe contra o resultado das eleições legislativas. Não há acordo para uma coligação. Que [Macron] regresse à razão e vá para casa!”, atirou o fundador da França Insubmissa, aludindo ao facto de a NFP ter vencido as eleições e ter ficado à frente quer da coligação centrista, quer da União Nacional (UN).

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Com olhos postos numa corrida presidencial antecipada, a França Insubmissa já deixou claro que não vai aceitar um novo governo de Emmanuel Macron, mesmo que haja um primeiro-ministro de esquerda. Porém, em nome da “estabilidade”, os socialistas estão dispostos a dar a mão ao chefe de Estado francês. “Hoje o que precisamos são de pessoas que estejam prontas a trabalhar em conjunto, a fazer avançar França”, defendeu o secretário-geral dos socialistas franceses. As duas vontades parecem ser irreconciliáveis — e podem levar ao fim da coligação de esquerda.

Socialistas estão dispostos a negociar com Macron, mas fazem exigências e irritam Mélenchon

Depois da queda do governo de Michel Barnier, a que se opuseram desde a sua eleição, os socialistas franceses não ignoraram o apelo de Emmanuel Macron — que também passou pelo PS no início da sua carreira política — a um governo de união nacional. Com 66 deputados na Assembleia Nacional, contra 71 da França Insubmissa, os socialistas são fulcrais para desbloquear o impasse que leve a aprovação do Orçamento para 2025 e à formação de um novo governo.

Na sexta-feira passada, dois dias após a moção de censura ao governo de Michel Barnier ter sido aprovada com os votos a favor da UN e de todos os partidos da Nova Frente Popular, Emmanuel Macron convocou alguns líderes partidários, entre o quais o secretário-geral do PS e o líder parlamentar d’Os Republicanos, Laurent Wauquiez, para discutir a formação de um novo governo.

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Desde logo, os dois partidos, essenciais na aritmética parlamentar para a escolha de um novo primeiro-ministro, impuseram as suas linhas vermelhas. O PS francês não quer um primeiro-ministro de direita e exigiu que também participassem nas negociações outros dois aliados da Nova Frente Popular, como a secretária-geral dos Ecologistas, Marine Tondelier, ou ainda o secretário nacional do Partido Comunista Francês (PCF), Fabien Roussel. O objetivo era formar um “pacto republicano e social” que juntasse várias forças políticas — e que excluísse, desde logo, a União Nacional de Marine Le Pen.

Os Republicanos, a que o primeiro-ministro Michel Barnier pertencia, deixou bem claro a Emmanuel Macron que não toleraria um governo que implementasse na íntegra o programa da Nova Frente Popular ou cujo executivo incluísse membros da França Insubmissa. Segundo a BFMTV, o Presidente francês também não queria contar com nenhum rosto da força política fundada por Jean-Luc Mélenchon nas negociações, uma vez que considera o partido uma fonte de instabilidade.

Esta terça-feira, Emmanuel Macron voltou a reunir-se com os líderes dos partidos e desta vez já convidou os ecologistas e os comunistas, para agrado do PS. O chefe de Estado francês adotou uma “lógica de compromisso” durante os encontros para formar um “governo de interesse geral”. Contudo, o Presidente de França desta vez não convidou nem a França Insubmissa, nem a União Nacional, por estarem “unidas numa frente anti-republicana”.

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Olivier Faure, líder dos socialistas, com o Presidente Emmanuel Macron

POOL/AFP via Getty Images

A exclusão da reunião não incomodou particularmente a França Insubmissa. O que realmente irritou o partido foi o facto de os ecologistas e os comunistas também estarem prontos a dar a mão ao Presidente francês, tal como o PS, o partido mais centrista dos quatro. Antes dos encontros, Jean-Luc Mélenchon esperava que alguém “batesse com a porta” durante a reunião. “Se a NFP for destruída pela junção dos nossos parceiros a Emmanuel Macron, saberemos que isso nos custará”, admitiu o político.

Ninguém “bateu com a porta”. Pelo contrário; após as reuniões, os socialistas parecem estar mais confiantes de que haverá um governo com um primeiro-ministro de esquerda. A França Insubmissa, pela voz do coordenador Manuel Bompard, não escondeu a frustração, acusando os socialistas de “mudarem” de opinião. “Recusar chumbar um governo macronista ou de direita seria uma negação da NFP, construída para romper com o macronismo”, afirmou.

As ameaças aumentaram entretanto de tom. A França Insubmissa avisou os parceiros da coligação que, caso aceitem um governo de Emmanuel Macron, a coligação chegará ao fim. “Os nossos aliados estão com medo. Nós somos o oposto. Não temos medo de estar perante um momento histórico. Será que eles percebem a sua má prestação? Emmanuel Macron está a explorá-los e ganhar pontos a cada hora que passa”, atacou Jean Luc-Mélenchon.

"Os nossos aliados estão com medo. Nós somos o oposto. Não temos medo de estar perante um momento histórico. Será que eles percebem a sua má prestação? Emmanuel Macron está a explorá-los e ganhar pontos a cada hora que passa."
Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa

Em resposta a estas críticas, Olivier Faure considera que, ao tomar uma posição tão radical, Jean-Luc Mélenchon está a “enfraquecer” a Nova Frente Popular. Entre os socialistas, prosseguiu, existe ainda a “esperança” de que a França Insubmissa não seja “estúpida o suficiente” para “destruir” a aliança apenas porque os socialistas querem contribuir para uma alternativa de governo. Num desafio direto, o secretário-geral do PS francês atirou que a NFP “não é Jean-Luc Mélenchon” — e nem tudo tem de ser decidido pelo antigo candidato presidencial.

“Quando estamos numa coligação, não passamos a vida a ameaçar, a vilipendiar… As ameaças nunca funcionam”, disse o secretário-geral do PS, pedindo ao fundador da França Insubmissa “que entenda a sua responsabilidade”. “Não se trata simplesmente de resistência. Devemos avançar, propor e aceitar compromissos”, continuou Olivier Faure.

Por seu turno, Jean-Luc Mélenchon também deixou várias críticas a Olivier Faure, principalmente pelo seu método “extremamente brutal e pessoal” e acusou-o de querer ser “primeiro-ministro” a toda a força. Em entrevista ao El País, o fundador da França Insubmissa foi particularmente duro com o secretário-geral socialista, acusando-o de “sobrevalorizar” as suas capacidades e de “passar o tempo a tentar agradar” ao antigo Presidente socialista, François Hollande. “Recusamos a traição aos nossos eleitores”, afirmou.

"Quando estamos numa coligação, não passamos a vida a ameaçar, a vilipendiar... As ameaças nunca funcionam."
Olivier Faure, secretário-geral do PS francês

A estratégia socialista de “recuperar a liberdade” face a Mélenchon

Após um período negativo em não se conseguia impor, o PS francês está a tentar renascer — e aproveitar esta crise política para isso. O guião dos socialistas está escrito para os próximos tempos: aceitar dar a mão a Emmanuel Macron se este ceder, mostrando que são um partido responsável e próximo do centro político. O  atual deputado na Assembleia Nacional (e ex-Presidente da República) François Hollande apontou precisamente para essa estratégia.

Numa entrevista ao Parisien, Hollande defendeu que “deve haver cedências de parte a parte”, sendo que quem não participa no governo “deve ter garantias”. “Os socialistas devem poder dizer: ‘Protegemos os franceses e obtivemos ganhos'”, indicou o antigo Presidente. Ao mesmo tempo, o PS afasta a União Nacional do arco do poder.

Esta estratégia tem ainda um bónus, segundo François Hollande: “Os socialistas recuperam a liberdade”. Esta “liberdade” que o antigo Presidente francês se refere consiste no facto de o PS ganhar independência face à França Insubmissa. Ao romper com a LFI, os socialistas não ficam tão dependentes do partido de Jean-Luc Mélenchon, que o atual deputado descreve como um “eterno candidato presidencial” que apenas cria obstáculos ao PS.

epa11058559 Former French President Francois Hollande arrives to attend a national tribute ceremony for the late French politician and former European Commission President Jacques Delors in the courtyard of the Hotel des Invalides in Paris, France, 05 January 2024. The former European Commission President and architect of the modern EU has died at age 98 on 27 December 2023.  EPA/STEPHANIE LECOCQ / POOL  MAXPPP OUT

O ex-Presidente socialista François Hollande defende que o PS se deve desvincular da França Insubmissa

STEPHANIE LECOCQ / POOL/EPA

Mesmo que Emmanuel Macron não nomeie um candidato de esquerda, algo que os socialistas pensam que pode acontecer, isso é visto como uma vantagem. Em declarações ao canal BFMTV, uma fonte do PS duvida que “Macron acabe a nomear alguém de esquerda, uma vez que, se quisesse, tê-lo-ia feito no verão”. Mas frisa logo a seguir que isso dá uma vantagem ao partido, por demonstrar “uma postura de abertura, de prontidão para exercer o poder”.

Entre os ecologistas e os comunistas, a estratégia é exatamente a mesma. Fonte ecologista destacou à BFMTV que não “podem deixar de ser um interlocutor presidencial”. “É uma questão de credibilidade para nós”, reforçou.

França Insubmissa prepara-se para eleições presidenciais antecipadas

Jean-Luc Mélenchon nunca escondeu a sua ambição de chegar ao Palácio de Eliseu. Aos 73 anos, o fundador da Frente Insubmissa sabe que tem de agir o mais brevemente possível para tentar vencer as eleições presidenciais, marcadas apenas para 2027. E é nessa tarefa que já está empenhado, ainda que garanta que não tem “a intenção obsessiva” de concorrer à presidência. Ainda assim, assume que fará de tudo para Emmanuel Macron se “demitir”. Do outro lado do espetro político, também a União Nacional pretende eleições antecipadas.

epa11449061 Jean Luc Melenchon (LFI) speaks during the New Popular Front Rally after the first round of the early parliamentary elections at Place de la Republique in Paris, France, 30 June 2024. According to exit polls, France's far right National Rally has made significant gains in the first round of parliamentary elections. The second round of the elections for a new Parliament is to be held on 07 July 2024.  EPA/JULIEN MATTIA

Jean-Luc Mélenchon, ex-candidato presidencial, está de os olhos postos no Palácio do Eliseu

JULIEN MATTIA/EPA

A França Insubmissa já ligou “a máquina” e já está a preparar uma nova campanha para umas futuras eleições presidenciais, mesmo que os parceiros da Nova Frente Popular viabilizem o nome apresentado por Emmanuel Macron e deem espaço de manobra ao Presidente francês. Em concreto, segundo a TF1, já estão a ser preparados cartazes e também um programa eleitoral para as próximas eleições.

Ao El País, Jean-Luc Mélenchon assegurou estar pronto para umas eleições presidenciais antecipadas. “A nossa organização está pronta. Temos bases ativas, o nosso programa está atualizado”, sublinhou, ressalvando, no entanto, que a Frente Insubmissa “ainda não decidiu o candidato”. “É uma decisão coletiva”, acrescentou.

Os restantes parceiros da Nova Frente Popular reconhecem que Jean-Luc Mélenchon segue uma “estratégia individualista” em termos políticos. “Tem pelo menos o mérito de ser transparente”, considerou fonte socialista à TF1, que destacou, no entanto, que está longe de ser a “principal preocupação” dentro do PS.

"A nossa organização está pronta. Temos bases ativas, o nosso programa está atualizado."
Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa

À Radio France, outra fonte socialista diz que o PS está habituado à “política hardcore” do fundador da Frente Insubmissa, que está sempre à procura não de “expandir” a base eleitoral, mas antes de a “solidificar”. Capitalizando o sentido de voto de eleitores à esquerda insatisfeitos com a presidência de Emmanuel Macron, Jean-Luc Mélenchon terá como objetivo tornar-se o principal rosto da Nova Frente Popular numas futuras presidenciais.

Numas eleições em que a União Nacional estará muito provavelmente na segunda volta — ainda esta quarta-feira saiu uma sondagem que coloca Marine Le Pen em primeiro lugar, com 36 a 38% das intenções de voto numa primeira ronda das presidenciais —, Jean-Luc Mélenchon teria interesse em reunir o voto à esquerda e também chegar a uma segunda volta, eliminando pelo caminho o candidato centrista, que ainda não está definido.

Se por um lado Jean-Luc Mélenchon quer manter a NFP para servir de plataforma para umas futuras presidenciais, por outro um acordo dos aliados com Emmanuel Macron pode ser fatal para a mensagem política que pretende transmitir. Entre os socialistas, ecologistas e comunistas, também não é líquido que aceitem o fundador da França Insubmissa como principal rosto nas eleições — e alguns têm mesmo intenção de se livrar do seu “individualismo”.

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