A ideia de associar documentos a vídeos ou fotografias para lhes dar credibilidade está longe de ser nova. Neste caso, um homem faz um vídeo a partir do interior de um carro em que, alegadamente, cita uma decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América e até deixa a ligação completa para o documento online. O problema é que nada do que diz corresponde ao documento citado. Bastam alguns segundos para procurar o vídeo original para perceber que o conteúdo publicado não tinha qualquer fundo de verdade.

Captura de imagem do vídeo difundido nas redes sociais

No vídeo, o autor cita o documento antes identificado com este domínio que “nos EUA, o Supremo Tribunal determinou que todas as pessoas vacinadas no mundo são produtos, bens patenteados, de acordo com a lei norte-americana deixam de ser humanos através da modificação do ADN ou RNA”. E continua: “através da vacinação mRNA uma pessoa deixa de ser um ser humano e torna-se propriedade do titular da patente de vacinação de gene modificado porque têm o seu próprio genoma e não são seres humanos”.

Basta aceder ao documento para que caia a argumentação. Não há nenhuma frase nesse sentido na decisão do Supremo Tribunal dos EUA. Era impossível aliás já que a decisão é de 2013, tendo as vacinas de mRNA contra a Covid-19 terem sido desenvolvidas apenas em 2020/2021. Mas voltando à decisão, esta refere-se a um processo que envolveu a empresa Myriad, do Utah, que trabalha na área de testes genéticos. A Myriad tinha patenteado um painel de testes a mutações dos genes BRCA1 e BRCA2 que estão associadas a um risco elevado de desenvolver cancro da mama ou do ovário.

A empresa tinha conseguido o monopólio norte-americano da sequenciação destes genes e o uso em testes genéticos preditivos e de diagnóstico. Era necessário anular esta patente e a Associação de Patologia Molecular levou o apelo à justiça — em representação de doentes, cientistas e prestadores de cuidados de saúde — para que o Supremo Tribunal avaliasse se os genes podiam ser patenteados ou se, tratando-se de produtos da natureza, não podiam ser patenteáveis.

A 14 de junho de 2013 os juízes norte-americanos decidiram anular a patente. “A Myriad não criou nada. Na verdade, encontrou um gene importante e útil, mas separar este gene do material genético que está à sua volta não é um ato de invenção”, escreveu Clarence Thomas num documento citado à data pelo New York Times.

Em nada o caso que dá origem à decisão citada está relacionado com administração de vacinas. Aquilo que o Supremo Tribunal decidiu foi que os segmentos isolados do ADN humano não podem ser patenteados. A decisão unânime do coletivo de juízes não deixou qualquer margem para dúvida. O ADN humano, que é natural, não é passível de ser patenteado.

Conclusão

Não é verdade que a decisão do Supremo Tribunal norte-americano afirme que as pessoas inoculadas com vacinas de tecnologia mRNA passam a ser “bens patenteados” e que “deixam de ser seres humanos”. A decisão citada é fruto de um processo sobre a patente de genes específicos no ADN humano, que envolveu a empresa Myriad e foi tomada em junho de 2013, muitos anos antes de se imaginar sequer que o vírus Sars-Cov2 provocaria uma pandemia a nível mundial, causando milhões de mortos em todo o mundo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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