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Há várias regras de jornalismo que nos esforçamos por explicar aos jovens estagiários quando chegam às redações. Também as aprendem nas faculdades, mas é quando se sentam entre os colegas mais velhos que aqueles ensinamentos começam a correr no dia a dia. Confirmar fontes, ouvir as várias partes, desconfiar muitas vezes, não ter vergonha de colocar questões incómodas, perguntar “o nome do cão” (a propósito dos pormenores que podem enriquecer uma reportagem), etc. |
E há uma muito especial que tantas vezes é preciso reforçar: as histórias que temos de reportar estão lá fora, não vêm ter connosco. Estão na rua, nos transportes públicos, nas escolas, na mesa do restaurante, no almoço de família. E não precisamos de ir a outro continente para as encontrar. Às vezes estão mesmo ao nosso lado. |
Vem isto a propósito da reportagem que publicámos no primeiro dia do ano, sobre o projeto que ajuda os professores a lidar com questões de saúde mental. Todos temos amigos, familiares, conhecidos, vizinhos que estão ligados ao ensino. E mesmo que não haja docentes entre as dez pessoas mais próximas da sua vida, certamente já terá trocado dois dedos de conversa com os professores dos seus filhos. E certamente já os terá ouvido queixar-se de cansaço físico e emocional. E possivelmente já terá pensado que muitas daquelas pessoas estão presas por fios muito frágeis que os ligam à realidade e às obrigações do dia a dia. |
Em 2018, um estudo conduzido pela Universidade Nova de Lisboa concluiu que mais de sessenta por cento dos professores portugueses sofrem de exaustão emocional, cujas causas estão associadas à indisciplina na sala de aula e à excessiva burocracia, entre outros factores. Resultado: os nossos professores estão mal e não há muitos que os queiram substituir, antevendo-se uma grave crise de falta de educadores dentro de poucos anos. |
A situação não é muito diferente da que se passa noutros países. A UNESCO garante que seria preciso preencher 44 milhões de postos de trabalhos nas escolas de todo o mundo com níveis de ensino até aos 17 anos para garantir uma educação universal a todas as crianças e jovens do mundo. |
Mas – e voltando à tal proximidade e às histórias que ouvimos no dia a dia – se olharmos para os nossos círculos mais próximos, se calhar já ouvimos casos destes. Se calhar o leitor já ouviu isto da boca dos tais professores dos seus filhos ou dos tais amigos ou familiares. E talvez essas pessoas estejam entre os mais de 15 mil que responderam às cerca de cem perguntas do inquérito, cuja análise revelou “níveis preocupantes de stress emocional”. |
Raquel Varela, a investigadora que coordenou o estudo, disse na altura à Agência LUSA que “é possível confirmar uma ‘correlação direta entre os índices de adoecimento no local de trabalho, a burocracia e a indisciplina dos alunos”. Mas, lá está, se calhar também já ouviu isto. |
O estudo, que também pode ser consultado aqui, teve em considerações questões como o tempo de serviço, o tempo de preparação das aulas, as deslocações de casa para o trabalho, a realização profissional, o cansaço, as avaliações de desempenho, os problemas das colocações de profissionais em escolas muito distantes de casa, a precariedade, etc. E analisou hipóteses como conflitos com as direções, falta de independência na definição de tarefas, reformas antecipadas, burocracia, sector público e sector privado, etc. |
Seja qual for o lado por onde se pegue, as conclusões vão dar ao mesmo: muitos professores portugueses estão desmotivados, preocupados e bastante expostos a factores de stress. |
O que nos leva (a volta foi longa mas fazia sentido) ao projeto de que falámos no dia 1. Chama-se Escolas Compassivas e é coordenado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e pelo Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da mesma instituição. |
“Perante a crise de saúde mental que existe nas nossas escolas, e que afeta professores e alunos, acreditamos que é possível mudar de forma sustentável o clima emocional e social que se vive”, diz Marcela Matos, coordenadora do projeto. |
A psicóloga clínica, investigadora auxiliar no CINEICC e professora auxiliar convidada da FPCEUC, orienta um grupo de trabalho que leva a cabo uma intervenção focada na compaixão e na melhoria da saúde mental e bem-estar dos agentes educativos. |
O projeto começou no ano letivo de 2027/2028 e já envolveu cerca de 270 professores e trinta funcionários de seis agrupamentos escolares, nos concelhos de Coimbra, Nelas, Sátão e Viseu. Este ano será estendido a Guimarães e, no próximo, chegará também a pais e alunos. |
As ferramentas que são trabalhadas no projeto ajudam os professores a ser menos reativos à insubordinação dos estudantes, por exemplo. Maria Emília Pires, professora de Educação Especial no Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, é uma das entrevistadas para a reportagem e recorda que as técnicas e exercícios de respiração que aprendeu nas sessões do treino e nas conversas a ajudaram depois na sala de aula. “São os alunos que acabam por reconhecer o mérito desses exercícios.” |
“Se um professor chega à escola zangado ou meio deprimido, é evidente que o clima na sala de aula e o humor dos alunos serão afetados”, diz Margarida Pedroso Lima, psicóloga e professora na FPCEUC. Por isso, nas oito sessões (dividias por seis módulos, ao longo de três meses) são trabalhadas questões como a autocompaixão, a capacidade de receber ajuda e o controle da autocrítica, para assim tentar atingir “menos sintomas depressivos, menos stress, menos ansiedade, menos burnout, mais bem-estar”, diz Marcela Matos. |
Basta estar atento à atualidade noticiosa – e os mesmos estagiários a quem ensinamos a regra de escutar o circulo próximo têm noção disso – para saber que os desafios do ensino em Portugal são multifatoriais e não se resolvem todos com exercícios de respiração e ferramentas de empatia. Mas o objectivo do projeto também não é resolver as problemas todos. Antes entender alguns e ajudar os docentes a resolvê-los enquanto protegem a sua própria saúde mental. |
A reportagem pode ser lida aqui e faz parte do Mental, a secção do Observador totalmente dedicada à saúde mental. É lá que pode encontrar muitos outros conteúdos editoriais que temos vindo a reunir ao longo dos últimos meses. E vamos continuar. |
Bom ano. Boas leituras. |
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Reportagens
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Saúde Mental
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Iniciativa da Universidade de Coimbra ensina estratégias para lidar com stress, ansiedade e depressão nas escolas. O modelo, que pode ser disseminado em todo o país, vai estender-se a alunos e pais.
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Saúde Mental
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Cresceu como um miúdo agitado, sempre a fazer muitas coisas, mas só em adulto, há muito pouco tempo, o apresentador foi diagnosticado. Um acaso que, diz, lhe mudou a vida.
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Saúde Mental
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Discussões no trânsito, pratos contra a parede ou violência verbal. Comportamentos que, se frequentes, devem ser avaliados. Poderá tratar-se de uma doença mental: Perturbação Explosiva Intermitente.
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Saúde Mental
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Dependência, vício, adição. Palavras diferentes, resultados iguais. A compulsão por álcool, drogas ou comportamentos repetidos instala-se quase sempre de forma lenta. Como se supera?
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Saúde Mental
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Como é que a vida continua depois de um acidente grave, um crime, um incêndio, uma violação? Uma conversa com o psicólogo António Castanho sobre trauma e Perturbação de Stress Pós-Traumático.
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Saúde Mental
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Depressão, demência, deterioração cognitiva. Em Cantanhede, o hospital "amigo dos mais velhos” acompanha estas e outras questões de saúde mental graças a uma equipa multidisciplinar.
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Saúde Mental
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Ouvir a família, ouvir os amigos, ouvir os colegas. O modelo “Open Dialogue” nasceu na Finlândia, está a ser replicado em quase 40 países e escuta a rede de apoio de pessoas com doença mental grave.
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Opinião
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Novo ataque de pânico. Estou a poucos segundos de morrer. Corro os estores, abro a janela, coloco a cabeça de fora e aspiro todo o ar do mundo. Foi por pouco. Hoje safei-me. Como será amanhã?
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A doença mental foi durante muito tempo invisível na nossa sociedade. Temos agora oportunidade de fazer verdadeiramente a diferença.
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Largue o seu telemóvel, tablet e jogue dominó, resolva charadas, leia um livro. Tudo isto contribui para que exista uma melhor atividade cerebral e para evitar eventuais doenças cerebrais.
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agenda
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por falar em saúde mental
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