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O que é a raiva?

A raiva é considerada uma das emoções humanas mais básicas, juntamente com a tristeza, a alegria, o nojo e o medo. É uma emoção normal, saudável e útil, relacionada com a reação de “lutar” — ainda que não fisicamente. Surge muitas vezes quando se está perante uma situação ameaçadora ou quando se é confrontado com alguma coisa que se considera uma injustiça. É, no fundo, um impulso de proteger e defender o que é importante para nós.

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E qual é a diferença entre a raiva saudável e a raiva problemática?

A principal diferença está na frequência e na intensidade dos episódios de raiva, assim como na capacidade de autocontrolo que a pessoa tem — ou não — em relação à raiva que sente.

É natural que em algumas situações, quando alguém se sente ameaçado, frustrado e zangado, possa sentir também um impulso agressivo — seja ele bater, ofender, partir um objeto ou dar um murro numa porta. No entanto, a maioria das pessoas não sente estes impulsos com frequência e, quando isso acontece, consegue refreá-los e encontrar outras formas de expressar o desagrado e a zanga ou de defender o que é importante para si.

Outra coisa é a raiva problemática: quando estes impulsos são sentidos com frequência — por coisas aparentemente pequenas — e há uma incapacidade em controlar esse ímpeto agressivo. Este é um comportamento que está associado a um quadro de Perturbação Explosiva Intermitente.

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O que é a Perturbação Explosiva Intermitente (PEI)?

É uma perturbação do controlo de impulsos que leva a pessoa a ter episódios recorrentes de explosões de raiva violentas e agressivas, verbais ou físicas, desproporcionais aos eventos que lhes dão origem. Em alguns casos os episódios são muito frequentes (pelo menos dois por semana), mas de baixa intensidade, noutros a frequência com que ocorrem é baixa (pelo menos três vezes por ano), mas são muito violentos.

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Como se diagnostica a PEI?

Os critérios para diagnóstico desta perturbação, esclarece a psicóloga clínica Ana Rita Monteiro, incluem:

  • Agressão verbal ou física sem dano duas vezes por semana durante três meses ou agressão verbal ou física com dano (mínimo de três explosões) ao longo de 12 meses;
  • Agressão dirigida a indivíduos, animais ou propriedades;
  • Cada episódio dura menos de trinta minutos;
  • A agressividade é desproporcional à provocação;
  • A pessoa não resiste a ter uma explosão;
  • Causa sofrimento no indivíduo ou prejuízo no funcionamento ocupacional ou interpessoal;
  • A pessoa reage de forma natural entre as explosões.

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O que causa esta perturbação?

A PEI afecta principalmente homens e, como acontece com outras perturbações, não há uma causa única. Há vários fatores, uns biológicos, outros ambientais.

Os fatores hereditários explicam em parte a doença, já que, explica Ana Rita Monteiro, “foi confirmada uma componente genética de 44%–72%” e sabe-se ainda que “é mais comum em familiares de primeiro grau de pessoas com PEI”. Por outro lado, pensa-se que alguns fatores neurobiológicos são também relevantes, entre eles, “elevados níveis de testosterona” e “alterações anatómicas em algumas zonas do cérebro, nomeadamente no córtex pré-frontal e amígdala”.

E parece haver também uma relação com questões ambientais, uma vez que a investigação mostra que “indivíduos com história de trauma físico ou emocional durante os primeiros vinte anos de vida têm risco aumentado de PEI”.

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Quais são as principais características destes episódios de raiva?

Além dos sintomas comportamentais, como agredir física e verbalmente os outros, partir objetos e, eventualmente, automutilar-se ou levar a cabo tentativas de suicídio, os ataques de raiva associados à PEI têm também sintomas físicos, diz a psicóloga Ana Rita Monteiro. “É o caso da tensão ou aumento de pressão no peito ou na cabeça antes de um episódio, tensão muscular, cefaleias [dor de cabeça], palpitações, formigueiros ou tremores”, entre outros.

Outros sintomas (cognitivos e de comportamento) incluem “pouca ou nenhuma capacidade de concentração, pensamentos descontrolados e prejuízo no funcionamento académico ou ocupacional, sensação de falta de controlo, baixa tolerância à frustração, mudanças de humor e irritabilidade”. É ainda frequente que, depois do episódio, a pessoa tenha sentimentos de culpa e vergonha por não se ter conseguido controlar.

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A pessoa consegue controlar estes episódios sozinha?

Exercícios de relaxamento, de respiração e meditação, bem como refletir sobre os eventos que conduzem a estes acessos de raiva (os gatilhos) podem ajudar a pessoa a evitar a frequência ou intensidade das crises e a melhorar o seu autoconhecimento. No entanto, uma pessoa com uma perturbação mental dificilmente consegue controlar a doença e os seus sintomas sozinha.

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Como se trata, então, a Perturbação Explosiva Intermitente?

A pessoa deve sempre procurar ajuda, junto de um psiquiatra ou psicólogo, para receber um tratamento adequado e especializado que a ajude a melhorar.

Nesta perturbação, como noutras, não se fala propriamente em cura, mas é possível diminuir bastante os sintomas, sobretudo através da conjugação de medicação com psicoterapia.

Ana Rita Monteiro explica que o médico psiquiatra pode prescrever alguns medicamentos, nomeadamente antidepressivos, estabilizadores de humor e/ou anticonvulsivantes e que o trabalho de psicoterapia passa por “fazer com que as pessoas reconheçam e verbalizem sentimentos antes de terem episódios de explosões violentas, o que as ajuda a reconhecer os impulsos, na esperança de alcançar um nível de consciência e controlo das explosões, além de tratar o stress emocional que acompanha esses episódios”. Envolve também técnicas de relaxamento e de confronto com várias situações, de forma a desenvolver habilidades sociais.

As famílias das pessoas com esta perturbação também beneficiam de apoio — seja individual, seja terapia familiar — para aprenderem a lidar com estes comportamentos que lhes causam muito sofrimento a quem partilha o dia a dia com o doente.

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Só esta perturbação é que causa episódios de raiva?

Não. Quando os ataques de raiva ocorrem com este tipo de frequência e/ou intensidade, é essencial procurar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra, para que seja feita uma avaliação e um diagnóstico correto, já que é necessário “excluir outras doenças mentais, condições médicas ou uso de substâncias”. A especialistas frisa que “os ataques de raiva podem estar associados não só à PEI, mas também ao stress, depressão e perturbação de personalidade, entre outros”.