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No momento em que esta newsletter comemora dois anos de existência (o primeiro número foi enviado em fevereiro de 2020), a Europa confronta-se com a possibilidade de um conflito armado entre Rússia e Ucrânia. Precisamente nesta quarta-feira, os Estados Unidos anunciaram o envio de mais três mil militares para o leste europeu, numa altura em que aumenta a tensão na região: a Rússia continua a mobilizar tropas para regiões próximas da fronteira com a Ucrânia, enquanto o lado ucraniano prepara-se para uma potencial invasão — e o Ocidente discute as sanções a aplicar a Moscovo caso a invasão se verifique. |
A crise na Ucrânia não é nova, mas as tensões atingem por estes dias um pico histórico, como este artigo da Cátia Bruno explica com clareza. |
Mas esta crise também serve como recordação de uma realidade inelutável: a Europa ainda depende, em grande medida, da Rússia para as suas necessidades de energia. Números de 2019 mostram que 22% da energia consumida na União Europeia teve origem no gás natural — e a UE importa cerca de um terço desse gás da Rússia, país que detém as maiores reservas de gás natural do planeta. Comprometida a tornar-se o primeiro continente a atingir a neutralidade climática (meta apontada por Bruxelas para 2050), a Europa vê-se numa corrida contra o tempo para substituir a sua produção energética — hoje ainda fortemente dependente dos combustíveis fósseis — por fontes renováveis. |
O processo para lá chegar implica uma transição energética gradual, que permita reduzir emissões de dióxido de carbono sem comprometer o abastecimento de eletricidade aos europeus. Nesse processo de transição, o gás natural é um fator chave: queimá-lo para produzir eletricidade emite cerca de metade do dióxido de carbono em comparação com o carvão. Por isso, o gás natural é frequentemente apelidado de “combustível da transição”. Para as maiores economias da Europa, é um ativo fundamental para a transição energética — sobretudo no caso da Alemanha, que está a encerrar as suas centrais nucleares e que, por isso, vai este ano ficar sem uma das suas principais fontes de energia limpa (do ponto de vista ambiental, mas não isenta de riscos de segurança e de controvérsias sociais). |
Neste contexto, facilmente se percebe como o gás natural se transformou numa arma diplomática no conflito entre Rússia e o Ocidente, sobretudo numa altura em que estava prevista a entrada em funcionamento de um novo gasoduto para transportar gás entre a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. O Nord Stream 2 está concluído, mas ainda não começou a trabalhar porque ainda não tem as licenças atribuídas — e é justamente em relação a este importante gasoduto, que vai aumentar consideravelmente a dependência energética da UE em relação à Rússia, que podem ser aplicadas sanções a Moscovo. |
Mas a arma energética pode, efetivamente, ser usada por ambos os lados. A partir de Moscovo, Putin pode ameaçar fechar a torneira do gás, o que afetaria a produção de eletricidade na União Europeia, à semelhança do que aconteceu no inverno de 2009. Mas o Ocidente pode também decidir suspender o funcionamento do Nord Stream 2 e procurar alternativas, cortando uma importante fonte de receita da Rússia e enviando a Putin a mensagem de que a Europa não depende da Rússia. Pelo meio, contudo, no Ocidente não há unanimidade sobre a aplicação de sanções ao gasoduto: enquanto o sentimento geral dos países europeus e dos EUA é o de que a UE deve reduzir a dependência da Rússia em matéria de energia, a Alemanha tem defendido o projeto, uma vez que necessita do gás natural para a sua transição energética. |
Por cá, Portugal não é cliente do gás russo — mas também não é imune às perturbações que uma disrupção no abastecimento pode causar no mercado. Por isso, o Governo português já determinou o reforço da reserva nacional de gás. Curioso por perceber como o gás natural se tornou numa das principais fichas negociais em cima da mesa na atual crise militar do leste da Europa? Reuni aqui cinco perguntas e respostas sobre o assunto. |
Menos clima no novo Parlamento? E o país em seca |
No mês passado, dediquei uma parte desta newsletter a tentar antecipar que lugar ocupariam o ambiente e as alterações climáticas na campanha eleitoral para as legislativas do último domingo. Ouvindo as expectativas dos ambientalistas Francisco Ferreira (presidente da Zero) e Alexandra Azevedo (presidente da Quercus), ficava claro que a expectativa era baixa: o assunto mereceria ser discutido, mas não ocuparia o lugar central da campanha eleitoral. Um mês volvido, até essa visão era demasiado otimista. Não só o assunto esteve praticamente ausente da campanha como as próprias eleições representaram um enorme tombo para os partidos centrados no ambiente. |
A queda eleitoral da CDU ditou o fim da representação parlamentar do partido Os Verdes, que historicamente sempre concorrera coligado com o PCP. Já o PAN, que em 2019 tinha logrado aumentar a sua representação para quatro deputados, caiu a pique e vê-se agora reduzido ao estatuto de partido com deputado único. O Parlamento tem agora uma maioria de deputados do PS — que, apesar de ter prometido continuar a negociar com os restantes partidos, não precisa, objetivamente, de o fazer. Nos próximos quatro anos, a política climática portuguesa será, em linhas gerais, determinada pelo programa do PS — um programa a que a associação ambientalista Zero deu um semáforo “amarelo” na sua avaliação dos pressupostos ambientais e climáticos dos vários partidos. |
“Mantém o já estabelecido e os planos já em aplicação, não antecipando metas, mas a ideia do ambiente e da sustentabilidade surge como algo importante”, resume a associação relativamente ao programa socialista. |
Já com conhecimento da constituição do Parlamento português para a próxima legislatura, Francisco Ferreira fez, a pedido do Observador, uma análise à nova realidade política do país e ao que foi a campanha eleitoral das últimas semanas. “O tema das alterações climáticas, em comparação com as duas anteriores campanhas, e tirando pequenas notas, esteve muito mais ausente”, disse o líder da Zero, sublinhando que questões como o carvão ou as energias renováveis não mereceram debate na campanha. “Foi uma campanha sem temas relacionados com o ambiente e as alterações climáticas.” |
“Neste novo Parlamento, a saída dos Verdes é pena. Sem dúvida, havia aqui uma voz que também apontava muito para as questões ambientais”, analisa Francisco Ferreira, que destaca que a atuação dos Verdes não se limitava a decalcar as posições do PCP. “Por exemplo, na Lei de Bases do Clima, os Verdes votaram favoravelmente e o PCP absteve-se. O ambiente ganhava alguma visibilidade com o partido. O PAN continuará presente, mas com uma presença mais diminuta.” |
Para os próximos quatro anos, o ambientalista antecipa uma continuidade de políticas, tanto nos aspetos positivos como nos negativos: “O problema do PS, como partido grande e ao centro, como partido que vai para o Governo — tal como seria o do PSD —, é que não consegue ser tão aguerrido, incisivo e ambicioso nas questões ambientais. Tem sempre de compatibilizar os interesses e está agarrado a essa compatibilização de interesses, enquanto os partidos mais pequenos, sobretudo se tiverem uma vertente mais ambiental, podem ser mais frontais e ambiciosos.” |
“É um pouco isto que vamos sentir: uma continuidade das linhas, que em termos ambientais, em alguns casos, são realmente boas notícias, como nas energias renováveis. Em termos de ambição do clima, o PS é um partido alinhado com os nossos objetivos. Mas com algumas contradições que continuarão a existir, como a política de regadio ou a criação do novo aeroporto”, resume Francisco Ferreira. |
No plano ambiental, os primeiros dias após as eleições já ficaram marcados por uma intervenção de emergência do Governo, que na terça-feira deu ordens para que fosse interrompida a produção de eletricidade em cinco barragens nacionais: Alto Lindoso (no rio Lima), Alto Rabagão (no rio Rabagão), Vilar (no rio Távora), Cabril e Castelo de Bode (ambas no rio Zêzere). O país atravessa atualmente um período de grande seca, após um mês de dezembro sem chuva que levou a produção de eletricidade nas barragens a cair para metade em janeiro. Para já, acredita o Governo, a situação poderá reverter-se se a chuva regressar a níveis normais em fevereiro e março — mas o IPMA está menos otimista, antecipando que a seca deverá piorar em fevereiro. |
Os agricultores estão preocupados e os especialistas não têm dúvidas: as alterações climáticas estão a afetar profundamente o país e a falta de chuva no inverno está a deixar de ser uma anomalia e a transformar-se na norma. Nos últimos meses, a aldeia espanhola de Aceredo, submersa há quase três décadas pela albufeira do Alto Lindoso, reapareceu devido aos níveis anormalmente baixos de água na barragem. Se a situação não se reverter em fevereiro ou março (meses durante os quais os níveis de água vão ser diariamente monitorizados), poderão ter de ser adotadas mais restrições ao uso de água em Portugal. |