É impressão minha, ou a clássica prática de contar carneirinhos para adormecer caiu em desuso? A não ser impressão minha, é pena, pois parecia-me um método bastante eficaz de induzir o tédio e apressar a chegada do João Pestana. E já agora, também é impressão minha, ou a ideia de um indivíduo de nome João, que ninguém conhece de lado nenhum, aparecer em casa das pessoas sempre e apenas quando elas estão a adormecer é até bastante aterradora? Ainda se o indivíduo se chamasse Amílcar.

Bom, voltando à queda em desuso da contagem de gado ovino para provocar sono. É o que acontece com as tradições. Têm a sua origem e o seu zénite, acabando por cair em desuso. Sem que tal seja dramático quando novas tradições nascem para ocupar o seu lugar. É o caso presente. Deixámos de contar ovelhas, mas agora, para adormecer, podemos contar possíveis localizações para o novo aeroporto de Lisboa. E nem interessa quão teimosa é a insónia, uma vez que já vamos em infinitas vezes infinitas possibilidades de localização para o novo aeroporto. Quer dizer, vamos quase em infinitas vezes infinitas. Vamos, mais precisamente, em 17 hipóteses. Dezassete, sim, leu bem. Monte Real, Santarém, Alverca, Portela, Montijo, Alcochete, Beja, Ota, Rio Frio, Évora… Rrron… fffe… rrron… fffe… rrron…

Desculpem! Esta técnica é infalível. É como a justiça portuguesa. Que é infalível a nunca decepcionar no que à incapacidade de levar por diante julgamentos de mega-processos diz respeito. Desta vez tivemos a notícia, em apropriadas vésperas do 25 de Abril, que pelo menos dos três crimes de falsificação de documentos de que era acusado, José Sócrates já se safou. Os crimes de falsificação já eram, desabafou um magistrado, sob anonimato. Depois de mais uma reunião dos Magistrados Anónimos, onde os juízes se apoiaram mutuamente para atravessarem as agruras inerentes à abstinência total do decretar de sentenças.

A propósito de malta que se safou de sentenças, Lula da Silva foi a figura de destaque nas comemorações do 25 de Abril deste ano. Sei que a presença no evento de um chefe de estado condenado por corrupção esteve envolta em polémica, mas a mim a vinda de Lula pareceu-me profilática. Assim, quando José Sócrates voltar a discursar nas cerimónias do 25 de Abril na qualidade de Presidente da República ninguém terá razão para se armar em comichoso.

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Enquanto não chega a notícia da candidatura de Sócrates ao mais alto cargo da Nação, a novidade que marcou estes dias foi o anúncio de Mariana Mortágua de que é “uma mulher lésbica”. Marcou, quer dizer. Não marcou coisa nenhuma. Que nos tempos que correm o único tipo de comentário sobre orientação sexual capaz de gerar críticas é uma pessoa dizer-se um homem heterossexual. Ainda por cima branco. Quer dizer, semi-branco, no meu caso. Que ontem estive na Costa da Caparica e neste momento, em qualquer latitude acima da de Boston, serei para aí tunisino.

Não, a grande novidade que podia vir de Mariana Mortágua era a de que se teria filiado na Iniciativa Liberal. Isto após a IL se ter abstido na votação do projeto-lei do Bloco de Esquerda que visa reforçar a garantia de exercício do direito à autodeterminação da identidade de género, da expressão de género e do direito à proteção das características sexuais no âmbito escolar. Ou seja, àquela racionalidade económica que reconhecíamos à IL, junta-se agora aquela outra racionalidade do menino Francisco, nos dias de Educação Física, dizer que se sente a menina Joana, para assim poder tomar banho com todas as outras meninas. Com racionalidades destas, quem precisa de irracionalidades?

Está portanto de parabéns a Iniciativa Liberal por ser tão moderna, assim como ainda irei a tempo de parabenizar o Partido Socialista pelos seus 50 anos. Pena não termos falado antes, porque tinha um bom slogan para a festa. Ora vejam: “Partido Socialista: 50 anos, 3 bancarrotas! Não há par a bancarrotar!” Mas uma vez que esta sugestão vem tarde, deixo outra, mais em linha com a data que celebrámos ontem: “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais, e socialismo ainda menos!”