1 Foi no final da semana passada, 27-28 de Janeiro, que teve lugar na Madeira a primeira edição (previsivelmente vai ser anual) das Conferências do Atlântico. O tema geral foi “Winston Churchill, Madeira, and the Euro-Atlantic Alliance. Celebrating the 650th Anniversary of the Anglo-Portuguese Alliance”.

Não creio que o evento tenha tido significativa (se é que teve alguma) cobertura mediática no Continente. Mas também creio que a ausência de cobertura mediática é inteiramente justificada. A Conferência do Atlântico não foi sobre tribalismos rivais — que actualmente ocupam o tédio dos nossos chamados debates, comentários e noticiários quotidianos (receio ter de confessar que já basicamente só leio os títulos, sendo que raramente vejo televisão).

2 A Conferência do Atlântico na Madeira foi sobre ideias e valores fundamentais do Ocidente — um tema que não parece merecer particular atenção entre nós.

Do estrito ponto de vista mediático e/ou das redes sociais, a Conferência do Atlântico foi um verdadeiro mistério. Mais de 200 pessoas participaram entusiasticamente nos dois dias da Conferência (uma tarde de sexta-feira e uma manhã de sábado). Mas não houve um único aproveitamento partidário, um único insulto, uma única manifestação de ódio tribal.

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Houve, pelo contrário, uma sucessão de tranquilas intervenções sobre Churchill — a propósito da sua visita à Madeira em Janeiro de 1950 —, sobre a Aliança Luso-Britânica, que este ano celebra 650 anos, sobre a Aliança Euro-Atlântica, e sobre a tradição Ocidental fundada em Atenas, Roma e Jerusalém, com fundamental dimensão marítima, primeiro no Mediterrâneo fechado, depois e crucialmente no Atlântico aberto.

[Entre os oradores estiveram o Embaixador britânico, Chris Sainty; o antigo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso; o director do Churchill Archive no Churchill College, Cambridge, Allen Packwood; o presidente do Academic Board da International Churchill Society, James Muller; bem como a Reitora da Universidade Católica, Isabel Gil, e o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, entre outros.]

3 No centro dos debates esteve a reflexão sobre o mistério da democracia liberal pluralista do Ocidente. E esteve patente que nos orgulhamos desse mistério demo-liberal, sobretudo perante a hostilidade e a incredulidade dos regimes autoritários — designadamente do czarista-comunista sr. Putin, que erroneamente declarou o liberalismo como obsoleto e desencadeou a infame invasão da Ucrânia.

Mas também perante a hostilidade e a incredulidade dos tribalismos internos ao próprio Ocidente — tribalismos da chamada esquerda populista radical  e da chamada direita populista radical que pateticamente, à semelhança do terceiro-mundista sr. Putin, identificam a democracia liberal como “regime oligárquico e elitista” (o que, deve ser recordado, foi exactamente o que diziam o nazi-fascismo e o comunismo nos anos 1920-1940).

4 No centro desta reflexão esteve sem dúvida Winston Churchill — que em Janeiro de 1950 visitou a Madeira, onde agora existe o Churchill Bay Hotel (no município de Câmara de Lobos, onde a Conferência do Atlântico teve lugar, no muito especial Museu da Imprensa). O evento foi aliás organizado por aquele município de Câmara de Lobos, em colaboração com o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, sob o Alto Patrocínio do Presidente do Governo Regional.

Mas a recordação da visita de Churchill à Madeira foi muito para além da efeméride. Serviu de ponto de partida para uma reflexão alargada sobre a causa democrática e liberal que ele defendeu contra os totalitarismos nazi-fascista e comunista. E sobre a nobre aliança euro-atlantista que Churchill defendeu como lar fundamental da democracia liberal pluralista.

5 E, last but certainly not least, Churchill foi também decisivamente recordado por ter perdido as eleições parlamentares britânicas em Julho de 1945, depois de ter liderado a vitória aliada em Maio desse mesmo ano.

Ao contrário dos carroceiros revolucionários que em Washington e Brasília recentemente contestaram violentamente os resultados eleitorais, o aristocrata conservador-liberal Winston Churchill aceitou honrosamente a derrota eleitoral e ordeiramente passou a sentar-se no lugar de líder da Leal Oposição Conservadora — frente ao novo Primeiro Ministro Clement Attlee, que tinha sido seu vice-Primeiro Ministro Trabalhista no Governo de Coligação Nacional durante a guerra.

Não houve gritos, nem insultos, nem gesticulações no Parlamento, muito menos arruaças nas ruas contra os resultados eleitorais ou contra o novo Governo do partido Trabalhista. Mas é importante recordar que Churchill era um crítico acérrimo do Trabalhismo — o que o levara a abandonar o Partido Liberal, em 1924, e voltar ao Partido Conservador (que deixara em 1904) devido à aliança entre Liberais e Trabalhistas que começava a emergir naquela altura.

6 Só que Churchill era, acima e antes de tudo, um democrata, um liberal e um conservador que respeitava as regras do jogo da democracia liberal e pluralista do Ocidente. Foi precisamente essa democracia liberal e pluralista do Ocidente que celebrámos na Conferência do Atlântico na Madeira.