Na esteira da indeterminada forma e confuso conteúdo que o Governo de António Costa, por pretensioso calculismo ou singela incompetência, resolveu adotar para comunicar aos incautos cidadãos portugueses as implicações da pandemia, eis surgido mais um meandroso caminho: o encerramento das escolas. Sendo o processo de difícil acompanhamento, por vezes semelhante às argutas exigências de um peddy paper, vejo como afoita e certeira a inicial intenção de manter as escolas abertas.
Percebe-se, face aos galopantes números epidémicos, a insustentabilidade inerente ao proceder com o ensino presencial. Percebe-se, igualmente, a insustentabilidade de um possível desvio para o digital: o falhanço da promessa proferida na prévia primavera quanto à entrega dos portáteis.
O conflito prende-se com a amplitude da medida, visando todos os setores: público, particular e cooperativo. Ora, conhecido o complexado registo ideológico que se vive (e dificulta o viver) em Portugal, afincada e ubiquamente promovido não só pela extrema-esquerda que habita as suas devidas bancadas parlamentares, mas também a que vai audivelmente conquistando a socialista, era inevitável que a vanguarda do igualitarismo, munida da sua autoproclamada excelsa autoridade moral, não se insurgisse contra o vislumbre de autonomia que seria o setor privado prosseguir com o ensino à distância.
Os apelos à solidariedade e humanismo logo foram despedidos por quem crê dominar unilateralmente estes conceitos. Vieram encimados pela injustiça que seria alguns, os privilegiados, terem uma plataforma que lhes daria vantagem competitiva no futuro (o que é inegável).
“A interrupção de atividades letivas é profundamente danosa para o processo de aprendizagem dos alunos”, diz António Costa. Dano esse, que se irá refletir no rendimento futuro desses alunos, estimando-se um desaparecimento de 3% do mesmo por cada semestre perdido. À parte de todas as restantes perdas, é evidente que estes 3% terão impacto socioeconómico nos próprios, e no país como um todo, derivado da menor coleta de IRS e, presumivelmente, menor consumo. Ou seja, conhecendo o Governo socialista esta infeliz relação de causalidade, fica claro que a estratégia é o nivelamento por baixo.
Recapeia-se a compreensão de “solidariedade” e “humanismo” até ser encontrado o denominador comum: a pobreza, harmoniosamente vivida por todos. Porém, esta visão é um vestígio do potencial de ambos os conceitos. “Solidariedade” e “humanismo” deverão concorrer para que os benefícios que emergem dessas desigualdades sejam, a jusante, capitalizados para o bem comum, especialmente o dos mais desfavorecidos. Contudo, para tal, é imprescindível que possamos encontrar, algures, benefícios.
É óbvio que mais fácil é tentar resolver, a montante, as desigualdades por decreto. Óbvio, é também que essa não é a solução ótima, tão-pouco a que tibiamente labuta para o bem individual e comum. De um Governo, com “g” maiúsculo, espera-se que, acaso necessário, se siga o difícil como caminho; não o fácil, o afável, apenas pelo seu capital ideológico e o eleitoral. Este é outro exemplo que em Portugal, desde 2015, temos um governo.
Um governo que diaboliza a diferença. Um governo cujas peças geringonçantes promovem um preconceito demasiado anacrónico, onde é preferível prejudicar o benefício alheio (leia-se, os do que, por qualquer motivo, possuem algum tipo de privilégio), do que dele tirar proveito. Isso seria desinteressante para essas hostes, pois demonstraria que existe benignidade e pragmatismo político além das suas agendas.
Aterrando, de novo, no caso concreto da suspensão da atividade letiva, e transportando o seu racional ideológico, entrarei agora na questão da habitação.
Estudos sugerem que as pessoas passam 90% do seu tempo dentro de edifícios. Apesar de, em traços gerais, a qualidade do nosso parque habitacional ser fraca, encontramos diferenças gritantes de construção, proporcionadoras de ambientes díspares para os seus ocupantes. E qual a importância desses ambientes? Deixo alguns exemplos: a relação entre saúde mental e fatores de conforto (como a presença de luz solar), encurtando-se em 10 anos a esperança média de vida para aqueles com doenças mentais; o aumento de 8% na produtividade profissional para quem habita em áreas com acesso à natureza; o conforto térmico como um indicador extremamente relevante para a qualidade de vida das pessoas, afetando a nossa disposição e produtividade – existe uma correlação entre a produtividade e o conforto percecionado.
A educação é, por excelência, o elevador social. Não é, contudo, o único: quando entramos no mercado de trabalho, em livre concorrência com muitos outros cidadãos, penetramos num outro elevador social. Esta segunda casa de partida é diferente para cada um: seja pelo percurso académico, experiência de vida, inatas qualidades e, como vimos, pelo conforto habitacional (fator que se reveste de maior relevo nestes tempos pandémicos).
Se eu for detentor de algum privilégio habitacional – seja por ter posses para uma casa melhor ou por continuar a viver com familiares – em relação a um colega que, por exemplo, se veja numa nova cidade a alugar um quarto ou habitação mais avelhentada, estarei numa posição vantajosa para ser alocado àquele projeto, atingir aqueloutra promoção. Como deverá o Governo abordar este desnivelamento? Seria justificável Pedro Nuno Santos decretar um nível mínimo, ou máximo, de conforto residencial para quem dê os primeiros passos profissionais? Seria ajuizado construir edifícios para quem se encontra nessa situação? Certamente que não. O exemplo é extremado, mas o método resolutivo seria da mesma família do que enquadra a pausa escolar.
A cara dessa medida, o Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, afirmou que “espreitar sempre à exceção ou tentar fazer diferente é o que nos tem causado tantos problemas em termos societais”. Esta declaração é deveras grave, zombeteira até, mas esplendorosamente simbólica do reduzido e claustrofóbico nicho político onde o Governo se decidiu albergar. E lá continuaremos reféns do que nos tem atirado para a cauda da Europa, para o consistente estágio de divergência. E isso, deve-se ao fazer igual. Tente-se o diferente!