Se queremos construir para uma sociedade mais forte e sustentável a nível económico, político, social, e ambiental, a educação serve de mapa para o caminho que permite eliminar desigualdades.

A Priyanka era uma menina tímida de 14 anos, nascida numa comunidade pobre, quando Miguel Moreira Rato, Chairman da ONG Teach For Portugal e antigo Diretor de Comunicação da rede global Teach For All, a conheceu na Índia. De manhã estudava, à tarde recolhia tampinhas de plástico para contribuir para os rendimentos da sua família, constituída apenas por ela e pela sua mãe solteira. Priyanka estava já a chegar à idade em que era expectável não continuar a estudar. Na escola, tinha aulas com uma Mentora da Teach For India que, além de ensinar, estava a dirigir um musical com os seus alunos como forma de aprenderem os conteúdos curriculares e de trabalharem a colaboração e a confiança em si mesmos. O musical Maya inspirava os alunos a pensarem na sua vida como uma jornada de compreensão e compaixão pelos outros, na qual podem ter voz e escolha. Priyanka foi selecionada para interpretar a personagem principal. Ao longo do processo percebeu que, tal como a personagem a que dava vida, também ela tinha uma voz. Uma voz que há muito ficara silenciada à força quando, em criança, falou demasiado sobre a violência a que assistira, e que foi redescoberta pela Mentora Teach For India que a encorajava. O suporte inabalável nas suas capacidades, que recebeu da sua Mentora Teach For India, deu-lhe o sentido de possibilidade para ambicionar mais na sua vida, simbolizando o seu potencial que começou a explorar.

Anos passaram-se, a Priyanka recebeu uma bolsa do United World Colleges para estudar, e mais tarde outra bolsa para estudar numa das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos. A primeira coisa que quis fazer após se licenciar foi ser Mentora Teach For India, para ensinar e retribuir aos alunos o que outrora fizeram por ela. Dez anos após o musical Maya, ela e alguns dos seus antigos colegas voltaram à sua comunidade encenando um novo musical com uma nova geração de alunos.

Em Portugal, temos o Dinis e a Débora. O Dinis tem 11 anos e estuda numa escola de contexto desfavorecido no Vale de S. Torcato, em Guimarães. Apesar de não ter muita diversidade de referências e de ambição à sua volta, é muito curioso, tem pensamento crítico e é preocupado pelo mundo que o rodeia. Em sala de aula e fora dela, no Clube de Ativismo sobre os Direitos Humanos, é acompanhado pela Débora, Mentora da Teach For Portugal, ONG com 4 anos que, à semelhança da Teach For India, é parceira da rede global Teach For All. O objetivo é garantir que todas as crianças tenham acesso a uma educação que lhes permita desenvolver o seu máximo potencial, independentemente do seu contexto socioeconómico. É através do trabalho dos Mentores Teach For Portugal como a Débora — profissionais promissores de várias áreas de estudos que a organização atrai, recruta e forma — que a Teach For Portugal atua para eliminar a desigualdade educativa nas escolas que servem os contextos mais desfavorecidos do país. Estes profissionais dedicam dois anos das suas carreiras a colaborar com professores de diferentes disciplinas para desenvolverem nos alunos os conhecimentos e competências-chave capazes de os colocar num caminho de maiores oportunidades e livre escolha. É isso que a Débora tem feito com o Dinis e os seus colegas.

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Os Mentores desenvolvem nos alunos a liderança para começarem a mudança por si mesmos e liderarem a mudança na comunidade onde estão inseridos. Tal como a Priyanka, o Dinis partilha que um dia quer ele mesmo ser Mentor Teach For Portugal para ajudar outras crianças a acreditarem e a realizarem o seu potencial, como sente que fizeram com ele.

Diminuir a desigualdade educativa é o primeiro passo para quebrar ciclos de pobreza e exclusão, e contribuir para uma sociedade mais forte e sustentável. Foi sobre esse tema que se realizou, em Viana do Castelo, uma conferência homónima, organizada pela SEDES e pela Teach For Portugal, que juntou peritos para analisar o estado atual da educação e como esta pode contribuir para uma sociedade mais rica, plural e justa, num painel moderado por João Baptista, co-coordenador do Observatório SEDES para a Educação e Ensino Superior.

Ana Balcão Reis, professora catedrática na Nova School of Business and Economics e investigadora na área da Economia da Educação, apontou que há 30 anos em Portugal tínhamos 30% de abandono escolar, estando agora nos 10%. “Olhando para os dados do PISA, verificamos que houve uma grande melhoria em termos agregados e médios, mas em termos de desigualdade a situação não melhorou muito. Também, a percentagem de negativas nas provas de aferição entre os alunos que recebem Ação Social Escolar é muito superior do que entre aqueles que não recebem”. Um dos fatores que mais explica estes resultados continua a família do aluno e o seu contexto socioeconómico. Mesmo no ensino público verifica-se uma estratificação, sobretudo nos meios urbanos, porque há mais escolas, em que numas estão mais concentrados os alunos de meios favorecidos e noutras os de meios desfavorecidos. Tudo funciona melhor quando os alunos e os seus pares estão mais motivados para aprender, ter bons resultados e a família reconhece valor na escola e tem condições para apoiar.

O ciclo reprodutor da pobreza é violentíssimo. A educação tem o papel de fazer alguma coisa e alterá-lo. Tem o papel de empoderar os alunos. Em 2023, ainda estamos a colocar no Ensino Superior os primeiros licenciados de muitas famílias” afirma Ariana Cosme, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. A perita em escolas de Território Educativo de Intervenção Prioritária destaca que as escolas deste tipo que são bem-sucedidas o são porque muitas vezes os professores mantiveram altas expectativas sobre os seus alunos. “Os professores devem ser agentes de cultura, mais do se dedicarem apenas à sua unidade curricular. A escola tem de ser uma discussão que atravessa as disciplinas, tem de nos permitir pensar. A nossa responsabilidade está no mundo.

O Chairman da tecnológica Critical Software, Gonçalo Quadros, também não esconde a sua preocupação com o estado da educação, e com a profundidade das desigualdades no país. “A primeira coisa que temos de fazer é questionarmo-nos sobre o que se está a passar com a educação. Enquanto sociedade não estamos a dar-lhe a atenção que precisamos de dar.” Partilha que, para quem vem de uma empresa que se considera cidadã como a Critical Software, também não é fácil procurar no sistema educativo como é o terreno e como apoiar, por haver alguma desconfiança. “A ideia aqui não é substituir ninguém, é apoiar, dar recursos.”

Ao pensarmos nas competências atualmente necessárias no mercado de trabalho e especulando sobre as que serão necessárias no futuro e para as quais é fundamental capacitar os alunos, pode ser incontornável referir as competências digitais mas Gonçalo Quadros desafia-nos a ir mais longe: “Estamos a viver uma revolução muito intensa, assente na tecnologia e no que a Inteligência Artificial está a fazer. A velocidade computacional aumenta mais numa hora atualmente do que aumentou nos últimos 90 anos, que foi o tempo que demorámos a chegar aqui. Há competências que são essenciais além das técnicas: a auto-estima e auto-confiança, para escolhermos os nossos caminhos e construí-los com resiliência. A escola é muito prescritiva, os alunos dizem ‘eu não sou bom a esta disciplina’ mas a escola não lhes permite reconhecer que é óptimo em música, é bom a desenhar. Aquilo que nos vai diferenciar da máquina é a criatividade porque a máquina faz aquilo que nós criámos até agora para ela fazer. A escola e as organizações têm de conseguir envolver as pessoas e dar-lhes a confiança para fazerem coisas que nunca pensaram ser capazes de fazer, e não as deixar arrasadas ao fazê-las acreditar que não vão conseguir.

A par das competências digitais, as competências para a sustentabilidade são também prioridade a nível europeu. Ana Sofia Rodrigues, Pró-Presidente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, acrescentou que “Há programas a nível nacional como o Eco-escolas que propõe às escolas integraram no seu currículo atividades complementares que permitem aos estudantes analisarem questões relativas à sustentabilidade, que são diferentes no Alentejo de no Alto Minho, pelo envolvimento no seu contexto. Avançar para a inovação pedagógica e flexibilização curricular pode permitir aos professores, apoiados por técnicos das áreas, trabalhar mais os temas da sustentabilidade e avançarmos no sentido dos objetivos do desenvolvimento sustentável.

No evento, que contou ainda com a presença do Presidente da Câmara de Viana do Castelo, Luís Nobre, município financiador da Teach For Portugal, Ariana Cosme deixou um desafio que a ONG subscreve: “Todos são bem-vindos para contribuir para a escola. Sei que não é fácil, temos de sair da caixa. Nunca tivemos uma legislação tão aberta que nos permite liberdade e fazer projetos. É preciso dar contas mas este é o momento de aproveitar.

Precisamos de capacitar e empoderar todas as Priyanka e os Dinis deste país.

Diretora de Marca e Comunicação e Alumna da Teach For Portugal

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.