Portugal é o país europeu com maior incidência de doença renal crónica. Quando esta patologia progride para o estádio final, pode ser necessário recorrer à diálise ou a um transplante de rim. Atualmente, os doentes em Portugal no estádio mais avançado da patologia são cerca de 21 mil e, destes, mais de 13 mil fazem hemodiálise.

É verdade que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cobre integralmente o tratamento da doença renal crónica terminal através de diálise ou de transplante de rim, com custos estimados superiores aos das terapêuticas para o cancro e a diabetes, ou seja, 140 milhões de euros por ano. É também uma realidade que a prestação destes cuidados comporta um nível de qualidade de excelência. No entanto, o atual modelo de financiamento, assente no preço compreensivo, não se adequa totalmente às atuais necessidades de todos os doentes nem, tão pouco, garante a introdução das melhores e das mais inovadoras terapêuticas.

Recorde-se que a prestação destes cuidados é feita, a nível nacional, por uma rede de centros de hemodiálise, 90% dos quais de génese privada, com os quais o Estado contratualiza um valor fixo por doente/semana – o preço compreensivo – que inclui medicação, tratamento, e alguns exames complementares. Contudo, o sistema de valor base do preço compreensivo é estático e não reage às mudanças nos custos da prestação de diálise, tais como recursos humanos, medicamentos e consumíveis, bem como nas condições macroeconómicas, como a inflação.

Isto significa que, feitas as contas, o custo despendido pelo Estado por cada doente em diálise decresceu, em termos reais, 21% entre 2010 e 2021 (27.218 euros anuais contra 21.420 euros anuais), um cenário que contrasta com o aumento de 40% do número de pessoas em diálise e com o crescimento de 22% da despesa total per capita em saúde.

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Os dados são do estudo ‘Hemodialysis financing models: is there a sustainable financing model in Portugal?’, desenvolvido pelo NOVA Center for Global Health Lab, centro de investigação da NOVA IMS, e revelam que o modelo de financiamento da hemodiálise vigente em Portugal registou igualmente uma redução, em termos reais, de 27% no preço semanal gasto pelo Estado, situando-se no último ano nos 377,54 euros semanais.

Neste contexto, não ter a ambição de alterar os atuais moldes de financiamento da hemodiálise em Portugal, mais do que uma sentença à sustentabilidade do sistema de saúde, será um derradeiro obstáculo ao acesso dos doentes às melhores opções e condições de tratamento. É preciso assegurar que o modelo adotado seja mais sensível às flutuações de custo ao longo do tempo, e que os doentes tenham acesso a novas tecnologias inovadoras, caso os decisores políticos considerem que estas possam ser utilizadas por todos os prestadores – a alternativa seria a exclusão de medicamentos mais inovadores e eficientes do cálculo do preço compreensivo.

Para além disso, a doença renal crónica é uma patologia em franco crescimento, com elevada incidência e prevalência no nosso país, estimando-se que em 2040 esteja entre as cinco principais causas de morte em todo o mundo.

Foi, por isso, com surpresa e desapontamento que verificámos que a maioria dos partidos políticos, no âmbito das eleições legislativas, não apresentaram medidas específicas para a doença renal crónica, e esperamos que o tema possa agora ser incluído no Plano de Emergência para a Saúde que o atual Governo está a desenvolver.

Olhar atentamente para uma doença que tem um impacto enorme no dia a dia do doente e da sua família, quer a nível físico, psicológico e social é fundamental. É urgente e imperativo reduzir a morosidade dos processos de licenciamento e de avaliação farmacoterapêutica e farmacoeconómica de novos medicamentos, tanto quanto é rever o modelo de pagamento dos tratamentos de hemodiálise, para torná-lo mais eficiente, dinâmico, atual, abrangente e individualizado.