A doença de Alzheimer é uma das demências mais prevalentes na nossa sociedade, constituindo 50 a 70% de todos os casos de demência. E estudos recentes sobre a doença de Alzheimer sugerem que uma dieta saudável, baixa em sal, pode ter benefícios contra esta patologia. Acontece que em Portugal se consomem, em média, 10 gramas de sal por dia, quando a OMS recomenda menos de 5 gramas diárias. Ou seja, a média de consumo de sal em Portugal é o dobro do recomendado.

O cérebro é um alvo prioritário para o sal e os efeitos do sal chegam ao cérebro via vasos sanguíneos, que têm células endoteliais. Os vasos sanguíneos, por sua vez, formam uma rede de tubos para transportarem o sangue por todo o corpo. Por este meio de transporte muito do que o corpo necessita é mobilizado, mas as substâncias prejudiciais também utilizam o mesmo sistema de transporte e podem ser distribuídas por todo o organismo.  As células endoteliais nos vasos sanguíneos quando expostas a um alto teor de sal entram em disfunção. Este défice é particularmente relevante para o cérebro, que é um órgão dinâmico com altas necessidade energéticas. Défices nestas células causam alterações no fluxo sanguíneo cerebral em repouso, provocando disfunções neuronais, défice cognitivo e danos no cérebro.

Um artigo publicado na revista da Nature Neuroscience, pelo grupo do Prof. Costantino Iadecola, demonstrou que murganhos (ratinhos) com uma dieta rica em sal sofreram uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral em repouso e também uma disfunção, comprometendo as capacidades cognitivas. Obviamente o sistema humano é muito diferente. No entanto a ligação entre uma dieta rica em sal e o risco de desenvolver hipertensão e doenças cerebrovasculares está bem estabelecida. Parece altamente provável que também exista uma ligação entre o consumo excessivo de sal e demências, como a doença de Alzheimer.

Por outro lado, os danos que o sal causa no intestino também podem ser prejudiciais para o cérebro. No intestino, o sal causa respostas do foro inflamatório. O sal leva algumas células no intestino (linfócitos T-helper) a produzirem substâncias tóxicas (citocina pró-inflamatória interleucina-17; TH17) que, por sua vez, vão causar outros danos celulares. Em suma, promove-se condições para respostas autoimunes, ou seja uma reação inflamatória contra as próprias células e tecidos do próprio organismo. Isto revela que existe uma ligação intestino-cerebral. Se o ambiente no intestino levar a uma resposta imune adaptativa prejudicial no intestino — devido a uma dieta rica em sal –, isto pode ter o efeito de reduzir o fluxo sanguíneo que chega ao cérebro, contribuindo, potencialmente, para anomalias cognitivas e para a demência.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em linha com estes estudos, um trabalho numa população portuguesa da região de Aveiro identificou que era mais provável indivíduos com distúrbios gastrointestinais exibirem défices cognitivos, em comparação com participantes que não tinham este tipo de distúrbio. Noutras palavras, participantes com patologias gastrointestinais tinham um desempenho inferior nos testes de memória e cognição a que eram submetidos. Obviamente esta observação terá que ser fundamentada com estudos adicionais. Se patologias gastrointestinais são a causa ou consequência de patologias associadas a demência é um debate em aberto. Sabemos porém que a população idosa é a mais vulnerável na nossa sociedade, com maus hábitos alimentares e a que mais sofre de demência. Sem dúvida temos que zelar mais por uma alimentação saudável junto deste grupo da nossa sociedade tão desprotegido.

Podemos ainda argumentar que numa fase em que uma correlação entre doenças gastrointestinais e demência é evidente é tarde demais para intervir. Os vasos sanguíneos já estão altamente danificados por exposição a uma dieta rica em sal e o corpo já montou várias respostas imunes contra o próprio organismo. Mas é sempre possível tentar prevenir, o nosso corpo está num processo de renovação contínua, mesmo nos idosos (embora mais lento). Novas células estão sempre a ser produzidas e a tentarem substituir as danificadas, sendo que alterações na alimentação fazem-se sentir a curto prazo. Neste sentido é sem dúvida urgente tomar uma posição e reagir.

É importante diminuir o sal que se consome, independentemente do tipo de demência. Uma dieta rica em sal contribui para o risco de desenvolver altas tensões arteriais devido a vasos sanguíneos estreitos, com paredes rígidas e/ou com obstruções de fluxo sanguíneo. Tudo isto contribui para a doença vascular cerebral em particular o acidente vascular cerebral mas também alterações cognitivas que podem servir de alerta que algo não está bem.

Considerando os vários estudos na matéria, parece altamente provável que a dieta rica em sal pode condicionar a cognição e contribuir para a demência. É evidente que o nosso ponto de intervenção mais eficaz é na prevenção. Atuar antes dos danos se tornarem permanentes. Cerca de 75% do sal que consumimos diariamente vem de comidas processadas: pão, bolachas, cereais, chocolates, comidas pré-preparadas, como molhos e sopas. O modo de preparação da comida também é importante e isto exige mudança no sector alimentar. Está ao alcance de todos melhor controlar o que se consome e diminuir o risco de desenvolver alterações cognitivas. Nós somos o que comemos, não só em estatura mas também em capacidades cognitivas. Uma dieta saudável promove uma mente ativa, ainda estamos a tempo de diminuir o risco de patologias associadas a uma dieta rica em sal.

Neurocientista, Professora e investigadora no Centro de Biologia Celular da Universidade de Aveiro