Se formos para o meio da rua perguntar se a palavra “revolução” é mais de esquerda ou de direita, a generalidade dos portugueses responderá automoticamente: de esquerda. Não deixa, no entanto, de ser curioso que a palavra “revolução” esteja, hoje, muito mais presente no léxico das forças à direita do que nas existentes à esquerda. Se levarmos o conceito de revolução a sério – isto é, como um momento de mudança de regime –, a maioria dos partidos à direita do Partido Socialista profere discursos literalmente revolucionários. É ir ao arquivo.
Rui Rio, como populista ao centro, foi eleito líder do PSD em 2017 pedindo “um outro 25 de Abril, não militar, mas cívico”. Dois anos depois, André Ventura propôs exatamente o mesmo no parlamento – “outro 25 de Abril” – assentando a sua candidatura presidencial “na luta por um regime diferente”. A Iniciativa Liberal, cujo ideário humanista não ponho em causa, mantém uma agenda de protesto que surge ocasionalmente em inflamados discursos de “denuncia às injustiças do Sistema“, seja lá o que isso for, e em projetos de auto-denominada revolução. Entre os mais respeitados intelectuais à direita, que muito estimo, é também comum ouvirem-se intervenções “contra a oligarquia” ou afirmações de que “o regime está podre”.
Sendo obviamente injusto enfiar todas as manifestações de insurgência à direita no mesmo saco, é inegável que a maioria da direita ou não gosta do regime ou está desiludida com o regime ou acredita que o regime precisa de uma mudança de peso.
A soma dessas insatisfações oferece, então, um conjunto de perguntas.
A III República tornou-se tão socialista que a família não-socialista já não se revê no regime? O regime encontra-se tão à esquerda que um liberal, por exemplo, se confunde com um agente anti-sistema? E confunde-se ou é confundido? A direita quer uma mudança de regime ou uma mudança no regime? E ostracizou-se ou foi ostracizada?
Parecem questões dramáticas ou teóricas em excesso, mas andam por aí há algum tempo. As repetidas preocupações de Marcelo Rebelo de Sousa com a área política que ajudou a fundar têm a ver com isso. As eleições para a Presidência da República, com a possibilidade de levarem o regime a votos, como aqui escrevi, reforçam a pertinência desse debate. A direita – institucional, partidária e social – será obrigada a clarificar a sua posição sobre a III República caso as presidenciais sejam definidas pelo confronto Marcelo vs Ventura. E a resposta que der será determinante para o seu futuro.
A agenda da “mudança de regime” e não da mudança do regime, que agrada muito mais ao eleitorado de direita do que aquilo que se pensa, carrega riscos que os seus promotores menosprezam. Por um lado, porque as revoluções são momentos de assombrosa imprevisibilidade (a mais célebre das revoluções, a francesa, terminou numa ditadura continental). Por outro lado, porque as revoluções produzem uma elite cujo único mérito é ter sido contemporânea e participante do momento revolucionário, não sendo necessariamente a mais apta a servir o regime que viu nascer (olhem para Ferro Rodrigues e não riam).
É por isso que candidaturas que impeçam a polarização das presidenciais entre regime (Marcelo) e revolução (Ventura) devem ser bem-vindas. E é por isso que António Costa cometeu um erro tão escabroso ao declarar apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, no início do mês. Tal como em 2015, o primeiro-ministro preferiu a conveniência pessoal à responsabilidade democrática. Não falhou só aos estatutos do seu partido, como prejudicou inconscientemente a saúde da República. Felizmente que, na sua área política, há quem tenha mais juízo.