A noite das eleições presidenciais mostrou os líderes políticos das direitas no seu pior. Como foi possível transformar uma grande vitória eleitoral numa derrota política? Comecemos pela vitória eleitoral. Os candidatos das direitas conquistaram juntos cerca de 75% dos votos. Em números redondos, foram 60% para a direita social (Marcelo Rebelo de Sousa), 12% para a direita populista (André Ventura) e 3% para a direita liberal (Tiago Mayan). Em democracia, as vitórias eleitorais medem-se pelos votos, e não pelas “leituras” dos “comentadores.”

À grande vitória eleitoral das direitas correspondeu uma enorme derrota das esquerdas. A esquerda socialista (Ana Gomes) ficou-se pelos 13%, a comunista (João Ferreira) não passou dos 5% e a bloquista (Marisa Matias) não chegou sequer aos 4%. Só mesmo a obsessão com Ventura transformou a derrota de Ana Gomes, uma militante destacada do maior partido português, numa “vitória.” Para completar o fracasso das esquerdas, a geringonça foi incapaz de apresentar um candidato comum. O que mostra que as divisões das esquerdas continuam a ser relevantes, e chegaram ao interior do PS.

Entre as direitas, a maior vitória foi a de Marcelo Rebelo de Sousa. Ninguém me pode acusar de ser um defensor ou um apoiante do Presidente da República, mas as vitórias devem ser reconhecidas e felicitadas. Marcelo foi reeleito com mais de 60% dos votos, ganhou em todos os distritos e conselhos do país, e é de longe o político mais popular em Portugal. Mostrou ainda que entre todos os candidatos era o único que poderia ser Presidente da República. O que seria de Portugal com qualquer outro dos candidatos a Presidente?

A segunda maior vitória foi de Ventura. Um candidato de um movimento político (na verdade, o Chega ainda não é um partido político) com cerca de dois anos chegar aos 12%, contra todos (por exemplo, durante três semanas a SIC e a TVI participaram na campanha contra Ventura e deixaram de cumprir as suas funções de órgãos de informação, o que só ajudou o candidato do Chega), é um sucesso político extraordinário. Sei que Portugal está cheio de políticos brilhantes, mas não me recordo de algum feito semelhante. Ventura ficou em segundo na maior parte dos distritos, incluindo todos do interior, de Beja a Bragança. As nossas elites políticas de Lisboa gostam muito de defender o interior. Os eleitores do interior mostraram o que pensam das elites lisboetas.

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Mayan conseguiu uma pequena vitória. Aumentou os votos da Iniciativa Liberal, mas poderia ter feito melhor. As suas prestações nos debates foram fracas e a sua defesa do liberalismo foi superficial e inconsequente. No entanto, mostrou coragem e provou que a IL pode subir nas maiores cidades do país. Quem sabe se um dia não ultrapassará o PAN e mesmo o PCP.

Mas esta vitória eleitoral esmagadora transformou-se numa derrota política para a direita. A razão é muito simples: os líderes e os comentadores (e o comentário é a continuação da política por outros meios) das direitas caíram na armadilha das esquerdas e fizeram de Ventura a figura central da noite eleitoral. Rui Rio fez o pior discurso de sempre de uma noite eleitoral. Estava agastado, irritou-se com as perguntas, e passou mais de metade do tempo a falar de Ventura e do Chega. Em vez de mostrar satisfação pela vitória de um militante e antigo líder do seu partido, em vez de referir o orgulho de ter trabalhado com Marcelo quando este dirigiu o PSD, tentou explicar aos portugueses as razões do sucesso de Ventura no Alentejo. Foi o momento mais surreal da noite eleitoral. Rio não deveria ter dito uma palavra sobre Ventura. Ponto final.

Mas além de fazerem de Ventura a figura da noite, os líderes e os comentadores de direita contribuíram para a diabolização do Chega. Há muitas e boas razões para se criticar Ventura, mas a sua diabolização só serve para enfraquecer toda a direita. Aqui chegamos à grande ilusão de muitos dirigentes da direita. Julgam que os ataques das esquerdas são apenas contra Ventura. Mas são muito mais do que isso. Os ataques servem sobretudo para condicionar todos à direita. Se Rio ousar um dia fazer um governo com Ventura, será também ele um “fascista”. Se não quiser ser “fascista”, resta-lhe a ambição de ser Vice PM de Costa (na noite eleitoral abriu de novo essa porta). O CDS está a desaparecer, e o PSD de Rio quer ser o CDS do PS. Pelas sondagens, os portugueses acham que as ambições de Rio para ser Vice PM são as adequadas.

Mas Marcelo também terá o seu segundo mandato condicionado. Se um dia for obrigado a dissolver a Assembleia da República, será acusado de abrir as portas ao “fascismo”. Até por isso, as referências implícitas a Ventura no discurso da vitória eram escusadas. Elevou Ventura a seu principal rival, quando a diferença foi de 60 para 12.

Até aqueles que ambicionam ser candidatos presidenciais em 2026 estarão condicionados. Nunca poderão receber o apoio do Chega, a não ser que se queiram juntar à ”extrema direita”. A diabolização do Chega visa afastar a direita do poder, quer do governo, depois das eleições legislativas, como da Presidência em 2026. Ou seja, quem à direita quer chegar a São Bento ou a Belém, está a trabalhar contra si próprio, a não ser que tenha uma estratégia para acabar com o Chega, e que seja capaz de aplicá-la com sucesso.

Com a geringonça, as esquerdas derrubaram os muros que existiam, sem qualquer pudor ideológico e sem qualquer moderação do PCP e do Bloco. As direitas estão agora a permitir que as esquerdas ergam um muro no seu espaço político.

Aqueles que nas direitas se subordinam à estratégia de poder do PS e das esquerdas, estão condenados à derrota. Se alguém à direita julga que chega ao poder com o beneplácito dos socialistas, não sei em que mundo vive. Não será seguramente em Portugal.