Tarifas sobre as exportações da União Europeia para os Estados Unidos, muito mais dinheiro para a defesa, muito menos regulação no mercado norte-americano e sinais sérios de retrocesso nas estratégias de mitigação do aquecimento global e nas políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). Bem-vindos ao mundo de Trump 2.0, nascido numa altura em que estão fragilizadas as duas maiores e mais importantes economias da Zona Euro, em que boa parte dos países da União Europeia estão com problemas na integração de imigrantes, a que se somam duas guerras à sua volta que ameaçam a estabilidade política, social e económica da União Europeia.
No ano em que se inicia a geração Beta, os nascidos de 2025 a 2039 que vão, alguns, conhecer o século XXII e viver já com a aplicação da Inteligência Artificial e os carros autónomos, o mundo enfrenta a perspetiva de um reajustamento geopolítico que nos pode reconduzir aos nacionalismos, aos protecionismos e ao conservadorismo. A mochila que trazemos de 2024 transporta enorme riscos para a União Europeia.
É por estes riscos que a mensagem de Ano Novo do Presidente da República se assemelha a uma carta ao Pai Natal de uma família modesta, sem meios para chegar até àqueles pedidos. Disse Marcelo Rebelo de Sousa que a Europa da União devia “fazer tudo pela aliança com os Estados Unidos, (…) manter-se unida, ganhar mais poder militar, recuperar economicamente, corrigir o atraso no conhecimento e no saber”. É verdade que no nosso pequeno mundo, o debate foi sobre a quem tinha o Presidente pedido bom senso. Face ao tempo que se avizinha, nem bom senso poderá ser suficiente, embora seja necessário e um bem bastante escasso em Portugal e na União Europeia.
Os Estados Unidos são o maior mercado exportador da União Europeia (19,7% das exportações de bens em 2023) e o segundo maior país de origem das importações de bens. Alemanha, Itália e Irlanda são os países com as mais elevadas exportações para o outro lado do Atlântico. Mesmo Portugal, com cerca de cinco mil milhões de euros de vendas, concentrou nos Estados Unidos 22,7% das suas exportações extra-UE e tem um excedente comercial bilateral.
Estes dados mostram bem o impacto que podem ter tarifas sobre as exportações da União Europeia para os Estados Unidos, que poderão ir dos 10% aos 20%. Existem algumas esperanças de que nada disto possa acontecer, admitindo alguns analistas que Trump pode estar a usar esta ferramenta para outras negociações, mas ainda no início desta semana Donald Trump desmentiu uma notícia do Washington Post que apontava para uma aplicação de tarifas apenas sobre alguns produtos.
Na Defesa vamos ter saudades dos tempos em que o objetivo era apenas 2% do PIB. Donald Trump parece preparar-se para exigir que os membros da NATO gastem 5% do PIB em Defesa. Sendo verdade que os países europeus investem agora mais em Defesa do que na era de Trump 1.0, os Estados Unidos continuam a ser o nosso escudo protector e não querem continuar a ter esse papel.
Com este quadro, estaremos perante o clássico exercício de economia de “mais canhões para menos manteiga”. No mundo europeu, “menos manteiga” significa uma séria ameaça ao Estado Social. Ter de reduzir os recursos para o Estado Social seria sempre dramático, numa Europa que tem nesse seu modelo uma referência e um alicerce de coesão. Mais desafiante se torna com os recursos necessários para fazer frente ao envelhecimento da população europeia, em pensões e saúde, e com os inevitáveis gastos necessários para integrar a população imigrante.
Todos estes desafios e riscos acontecem numa altura em que a Alemanha enfrenta o colapso do seu modelo económico, a França está a braços com um problema financeiro grave nas suas contas públicas – é aliás um exemplo do impacto desestabilizador que pode ter o corte em gastos do Estado Social – e os países da União Europeia estão longe de viver os seus melhores tempos de entendimento.
No meio disto, os países do Sul, que há pouco mais de uma década eram os patinhos feios da Europa, são os que têm o melhor desempenho. Um ranking da The Economist para 37 países identifica como economias com melhor desempenho a Espanha, Irlanda, Grécia e Itália – numa sequência apenas interrompida pela Dinamarca que está no mesmo patamar dos gregos. Portugal não está no top – o que pode ser considerado como mais um aspecto revelador das suas más políticas nos últimos anos -, mas mesmo assim encontra-se na 16.ª posição, ou seja, na parte de cima da lista. Uma análise sobre as perspetivas para 2025 do Financial Times coloca igualmente os países do Sul como “as próximas estrelas”, incluindo aí Portugal, Espanha e Grécia.
Claro que Portugal não ficará imune à tempestade que se parece estar a preparar. Mas na relação com os Estados Unidos pode ter no turismo um fator de amortecimento, já que o mercado norte-americano tem crescido significativamente. O enquadramento favorável que tem, nomeadamente em matéria de segurança, não pode ser desperdiçado, e tem de ser gerido com prudência para não acabarmos por perder essa vantagem.
Seja qual for a dimensão do desafio que a União Europeia vai ter, uma coisa é certa, vai ter de mudar de vida. Não pode continuar focada na construção de teias burocráticas regulatórias, tem de apostar seriamente na simplificação legislativa. Tem igualmente de revisitar as prioridades que define nos pacotes de investimento que, temos visto, pouco têm contribuído para criar uma economia moderna. Se a União Europeia não acordar do seu torpor e da sua fúria burocrática, corremos um risco muito sério de a ver, se não desintegra-se, pelo menos tornar-se irrelevante e empobrecida.
Usando um provérbio que é atribuído aos chineses quando querem rogar uma praga, vamos de facto viver tempos interessantes.