Vivemos no nosso país, e não apenas nele porque o fenómeno é geral, numa democracia de sondagens. Espíritos mais simples poderiam pensar que assim é que está bem porque as sondagens permitem auscultar a evolução da vontade dos cidadãos e, assim sendo, aproximam-nos da política. Nada de mais enganador.

A sondagem modificou a democracia política. Esta conheceu três fases. Começou por ser representativa, e nesta o eleito gozava de larga autonomia relativamente ao eleitor. Era eleito para um mandato e durante o período que este durava tinha liberdade para provar o que valia. O eleito actuava de acordo com as suas convicções durante aquele período e no fim prestava contas. Norteava-o um projecto para o qual tinha obtido a confiança estabilizada dos eleitores e no fim respondia por ele. Era o tempo da política com maiúscula.

Passou-se depois para a democracia partidária. Instalou-se no nosso país em princípios da década de oitenta do século passado, logo que nos vimos livres da tutela dos militares. O centro da decisão deixou de ser o deputado eleito e passou a ser o partido, novo príncipe da política. O cidadão vota no partido e desconhece o candidato. Ao votar dá um mandato ao partido e nem sabe nem quer saber quem é o eleito. Votar equivale a plebiscitar um programa partidário. Em vez de democracia temos partidocracia. A Constituição portuguesa, fazendo dos partidos políticos os intermediários necessários do acesso à decisão política, favorece amplamente esta realidade.

Mas temos agora a democracia da sondagem. Esta realidade tudo modificou. Vejamos.

A sondagem ausculta e transmite a opinião do momento. Esta é obviamente volúvel e passageira, mas é tirânica. Obriga os eleitos a adaptar a sua actividade à realidade instantânea aferida pela sondagem. Já não há projecto político, há apenas resposta ao mercado. A autonomia do eleito acabou; age apenas em função do que a evolução da opinião do público lhe indica. Do médio prazo passou-se assim para o curtíssimo prazo. Da coerência ideológica passou-se para a adaptação ao momento. O que conta é apenas a opinião do público que a sondagem espelha e que oscila continuamente. Com as sondagens a democracia passou a ser apenas a da opinião do público. E a sondagem condiciona a política. É que a sondagem não dá indicações, formula exigências. E, em consequência, a política deixou de se escrever com maiúscula porque não passa da mera gestão de um produto volátil exigido pelo mercado da opinião que, por sua vez, é artificialmente criado pelos media. O eleito deixou de ser o representante e passou a ser o gestor desse produto que é a opinião do público, formatada pelos media, sempre em evolução. Lembram-se daquela música dos princípios do boom do rock português cantada por um grupo portuense, os Táxi, e que dizia «esta vida chiclete, que se prova, mastiga e deita fora, sem demora»? É assim a actual decisão política.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A sondagem transformou a decisão política num prolongamento da opinião que é como quem diz, tirou-lhe a autonomia que a caracterizava. A política deixou de viver das ideias e passou a viver do e para o consumo das opiniões voláteis induzidas pelos media. Em conclusão; a sondagem tira legitimidade à maioria eleita porque a põe a reboque do mercado da opinião.

Concluindo, se com os partidos a democracia tinha deixado de ser a das ideias e passou a ser a dos aparelhos partidários, com as sondagens desapareceu de vez o capital de legitimidade gerado pela eleição. O escrutínio passa a ser quotidiano mas, precisamente por isso, louva-se em impressões passageiras e contingentes motivadas pela emoção e pelo mexerico, tão bem aproveitados pelo sensacionalismo dos media. O eleito já não quer nem pode governar. Limita-se a navegar à vista da sondagem.

De modo que tudo se conjuga mediante relações de causa e efeito. Democracia de opinião, sondagem, media e políticos gestores de produto. Eis as regras da actual democracia.

Não se trata aqui de fazer juízos de valor, mas apenas de diagnosticar. Concluam o que quiserem, mas é assim. A democracia está fragilizada, mas num terreno fértil para os jornalistas (nem todos) que disso se aproveitam.