A requisição dos bungalows do Zmar. O inefável ministro Cabrita, com aquele autoritarismo abrutalhado que o caracteriza, resolveu requisitar o Zmar para ali serem colocados trabalhadores rurais de Odemira, em isolamento profiláctico ou sem condições de habitabilidade. Ora recordo que em 2020 foram anunciados pela autarquia de Odemira, 500 lugares para quarentena  em “equipamentos públicos com dimensão e condições para alojamento e banhos, como pavilhões desportivos e multiusos”? Como é que em 2021, ninguém mais fala desses 500 lugares e se avança para uma requisição? O ministro Cabrita achou mais interessante dar um sinal do seu poder requisitando o Zmar? Podia o ministro ter negociado com os proprietários do Zmar, podia ter recorrido às pousadas da juventude (apenas a do Almograve foi visada: é ali que vão ser  instalados os infectados). Podia também ter sido ponderado o recurso a instalações militares, pavilhões municipais… mas nada disso aconteceu. O ministro olhou para o Zmar e concluiu que o mesmo tinha as condições ideais. E requisitou-o. Não foi sequer tido em atenção  que há quem faça daqueles bungalows a sua primeira habitação e que em várias daquelas unidades se encontram bens pessoais dos seus proprietários… nada. Avançou-se com a requisição e  avisou-se que o Ministério das Finanças fará o acerto de contas no final. Pelo caminho o primeiro-ministro declarou que “alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações”, relatando mesmo situações de “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”. Será a requisição uma violação muda?

No fim a factura segue para o grupo do costume: os contribuintes. Os tais que vão ter de pagar o alojamento dos imigrantes no Zmar, as indemnizações aos proprietários do dito Zmar e, cúmulo dos cúmulos, o ordenado ao ministro Cabrita.  Como é apanágio das decisões do ministro Cabrita já se anunciam algumas clarificações sobre o conteúdo do despacho, nomeadamente que ele não afectará as unidades que estão a funcionar como primeira habitação. Mas o despacho é claríssimo É decretada a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional, da totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes que compõem o empreendimento «ZMar Eco Experience», sito na Herdade A-de-Mateus, em Longueira-Almograve, Odemira.

O que quer dizer “requisição temporária (…) da totalidade dos imóveis” senão isso mesmo:  “requisição temporária (…) da totalidade dos imóveis”. Entendendo-se por totalidade o “conjunto de todas as partes que formam um todo”?

Senhor ministro, não somos nós que vemos mal ou o despacho que precisa de ser clarificado. É sim o senhor que não decide nada que não se transforme numa sucessão de erros e mais erros. E a única clarificação a ser feita é esta: como é possível o ministro Eduardo Cabrita ainda estar em funções e não ter sido mandado veranear, por exemplo para o Zmar, após o caso de Tancos?

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A requisição da inteligência. Não duvido que muitos dos locais onde se alojam os trabalhadores  rurais violam vários direitos mas também tenho a certeza que em todo este caso se está a violar a inteligência dos portugueses. Em primeiro lugar, decidindo como se não existissem alternativas à requisição e em segundo iludindo a pergunta: o que andaram as autoridades a fazer nos últimos meses? As condições de risco agravado para a propagação do vírus no concelho de Odemira eram conhecidas há mais de um ano. Foram aliás visíveis logo que começou a pandemia. Porque não se trabalhou de forma a prevenir? Agora é que se andam a inspeccionar os alojamentos destes trabalhadores? Mais uma vez o Governo disfarça a sua incapacidade de prevenir, fiscalizar e antecipar através de um exercício de autoritarismo.

A requisição da salada de frutos vermelhos. Neste 1º de Maio, enquanto em Lisboa desfilava o cortejo de recriação histórica a que se chama Dia do Trabalhador (cortejo esse que tem a particularidade de ser integrado por pessoas que na sua maioria pouco ou nada trabalharam), no Alentejo, onde os imigrantes substituíram as ceifeiras, tornava-se evidente que os frutos vermelhos não caem do céu. Ou que os vegetais não são cultivados por famílias com trajes regionais mas sim por nepaleses, paquistaneses e vietnamitas. Patetices como a exclusão da carne de vaca das ementas da universidade de Coimbra em nome do ambiente fazem parte desta visão infantilizada do que é ser amigo ou inimigo do planeta. A salada de frutos vermelhos não é mais amiga do ambiente nem tem menor pegada ecológica que um bife.

PS. Aos que andam numa ânsia de reproduzir em Portugal algo semelhante ao Me Too recordo que em Portugal a indignação só é possível quando não belisca quem está do lado certo. Caso contrário o único incontestavelmente culpado é o motorista. João Perna, o motorista que além de conduzir o carro de José Sócrates também conduzia o dinheiro que Carlos Santos Silva lhe enviava, e Bibi, o motorista da Casa Pia que levava as crianças até aos locais onde os esperavam os seus abusadores, estão aí para o provar. Em Portugal se não há motorista não há culpado. Só alegados. Assim no que ao assédio diz respeito ou se arranjam dois ou três nomes que correspondem ao estereótipo da pessoa de quem se pode e deve dizer mal (católico, conservador…) ou então não há indignação possível. Ou, mais provável ainda, acabamos no motorista do costume. Quanto à questão: o assédio existe? Claro que sim. E não é apenas praticado por homens heterossexuais.