No mais recente ato eleitoral que decorreu em Portugal no início de março assistiu-se a um novo recorde de 6,1 milhões de eleitores. Nunca antes tinham votado tantas pessoas numas eleições em Portugal como nestas legislativas, e registou-se uma taxa de abstenção de 33,8%, a mais baixa em quase 30 anos, desde as eleições legislativas de 1995. Apesar de todo este retrato positivo da participação  cívica neste processo eleitoral, estas eleições vieram demonstrar, mais uma vez, a inegável e indiscutível necessidade de transformação para um processo eleitoral mais digital, simplificado e ajustado.

Os argumentos não faltam, a começar pela ainda obrigatoriedade de deslocação física dos eleitores às mesas de voto e o recurso a boletins de voto em papel, incapacidade de oferecer aos eleitores com mobilidade reduzida a possibilidade de registar o seu voto, mas sobretudo pelas mais de 1,5 milhões de cartas com boletins de voto que foram remetidas a 189 destinos, aos eleitores portugueses dos dois círculos no estrangeiro — Europa e Fora da Europa – para votarem via postal. Acresce a isto, um número significativo de votos dos eleitores portugueses residentes no estrangeiro considerados nulos (cerca de 40%) porque, de entre vários motivos, não vêm acompanhados da respetiva cópia do cartão de cidadão, tal como é exigido pela lei eleitoral, em total contradição com as normas governamentais, que procura cada vez mais desencorajar, e até proibir, a fotocópia do cartão do cidadão no ato de atendimento ao público. Adicionalmente, assistimos a um Centro de Congressos de Lisboa – onde funcionam as assembleias de recolha e escrutínio dos votos dos emigrantes – completamente sobrelotado de pessoas, caixotes, envelopes e boletins de voto, num processo que leva mais de 3 semanas a ser concluído.

Num contexto de transformação e inovação digitais, com a presença cada vez maior da Inteligência Artificial, com a migração de infraestruturas para a cloud e, sobretudo, com sistemas de cibersegurança e de autenticação segura, porque não confiar na aplicação da digitalização para acelerar a reinvenção do processo eleitoral, através da implementação de novos sistemas de voto, sobretudo nos círculos eleitorais do estrangeiro?

Continuamos a insistir num momento cívico de votação presencial e com recurso a boletins em papel, num processo pouco ágil, burocratizado e, no caso dos votos à distância, com uma noção de segurança garantida apenas pela resistência de um envelope. Ao longo dos anos têm sido implementados processos eleitorais digitais por várias zonas do globo, contribuindo para o fortalecimento da democracia através de processos de votos seguros, mais cómodos e ajustados e alavancado a participação sobretudo em votos de expatriados e em mobilidade. Estes processos são em grande medida ajustados às necessidades de cada processo e sistema eleitoral, acompanhados não só pela implementação de sistemas e tecnologia de reconhecimento biométrico, autenticação dupla, encriptação de dados e anonimização garantida, mas também por campanhas de sensibilização e de acompanhamento aos eleitores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os benefícios e as vantagens seriam imediatos, visíveis e mensuráveis. Os processos eleitorais digitais tornam o sistema de voto mais fácil, reduzem os riscos provocados pela intervenção humana, colocam um ponto final nos votos manuais imprecisos e, mais importante, aumentam a participação eleitoral, reduzindo a abstenção.

Efetivamente, o voto em mobilidade pode ser uma ferramenta para facilitar o voto das comunidades emigrantes, que tem vindo a crescer ao longo dos anos e com um perfil mais participativo e qualificado e que hoje representa cerca de 2,7 milhões portugueses. Por outro lado, pode potenciar a participação dos eleitores em Portugal, dado que o nosso país apresenta uma das taxas de abstenção mais altas da Europa Ocidental, em subida continuada desde a década de 90.

O ato eleitoral é um dos mais simples e mais impactantes movimentos da cidadania e da democracia, pelo que é essencial que seja expressivo e que a taxa de participação seja elevada. Mais do que nunca, é urgente e necessário apostar na evolução de todo o processo eleitoral para o tornar mais sustentável, acessível, interativo e, sobretudo, mais digital.