A maioria PS-PCP-BE tem condicionado as instituições onde se contestam as suas histórias de sucesso. Fê-lo na Assembleia da República, a propósito da CGD e da negociação entre Centeno e António Domingues, impedindo a divulgação de informação que, tudo indica, seria fatal para o ministro das Finanças. E fá-lo agora em relação a Carlos Costa, governador do Banco de Portugal (BdP), e a Teodora Cardoso, do Conselho de Finanças Públicas (CFP). Ao primeiro, lançando ameaças quanto à sua substituição no cargo. À segunda, orquestrando uma campanha de descredibilização contra as previsões do CFP e as opiniões da sua presidente. Eurico Brilhante Dias, ripostando às recentes declarações da presidente do CFP, lançou a advertência quanto ao modelo desse Conselho. O PCP nem se poupou a sublinhar a surpresa por Teodora Cardoso ainda não ter sido chutada do lugar. Se não sabia, ficou a saber: quem se mete com a geringonça, leva.
Entendamo-nos. A crítica e a discordância são saudáveis e, numa democracia, é bom sinal quando as instituições medem forças com o poder – estão, com a sua independência, a fazer o seu trabalho de contrapeso. Essa tensão faz parte do jogo democrático. Mas essa tensão tem um limite. E esse limite é ultrapassado quando o poder tenta condicionar a independência dessas instituições. Sim, em 2014, foi o que o PSD fez contra os juízes do Tribunal Constitucional – poderia ter-se mantido na discordância, mas optou pelo arremesso de sanções jurídicas. Sim, em 2017, é o que PS-PCP-BE têm aplicado sobre o BdP – BE e PCP pediram este domingo a substituição de Carlos Costa – e sobre o CFP, onde Teodora Cardoso passou a ter a cabeça a prémio. Em ambas as situações, isso é inaceitável.
É por isso que, sobre a questão do momento, o ponto não é se o CFP se enganou nas previsões. Todas as instituições se enganaram – do FMI à Comissão Europeia. Até o próprio PS, que alterou sucessivamente as suas metas, se embrulhou nos números. Recorde-se que o Orçamento de Estado previa um défice de 2,4% (acima dos 2,1% que a realidade impôs). E que, em relação ao crescimento da economia em 2016, o PS apontou inicialmente para 2,4% (Agosto 2015, no Estudo sobre o Impacto financeiro do programa do PS) e depois corrigiu para 1,2% (em Outubro 2016, no relatório do Orçamento de Estado para 2017), acabando mesmo assim por falhar a sua previsão – o crescimento da economia ficou nos 1,4%. Mais ainda, o ponto também não é se Teodora Cardoso tem razão quando aponta para a insustentabilidade do défice de 2016. Até porque tem: o défice de 2,1% foi alcançado, em grande medida, graças ao recurso a medidas extraordinárias. E isto não é uma crítica, apenas a constatação de um facto. Sem a tremenda redução do investimento público, sem o aperto orçamental dos serviços públicos, sem o perdão fiscal, o défice teria sido muito superior ao que foi. Por fim, o ponto também não é a independência ou a competência da economista Teodora Cardoso, que em coerência criticou vários ministros das Finanças e que quem conhece não ousa pôr em causa – veja-se, a propósito, o que escreveu Vital Moreira. Abrir essa discussão, como fez Nicolau Santos ao defender Teodora Cardoso, é abrir a porta aos ataques ad hominem que as claques socialistas têm efectuado.
Nada disso importa para o caso. A única questão que interessa hoje está na forma como, dia após dia, figuras de PS-PCP-BE têm intimidado o funcionamento de instituições independentes. Há que sair das trincheiras partidárias e perceber que esta não é uma questão de esquerda ou de direita, de partido A ou partido B. É de bom funcionamento da democracia. Porque uma coisa é discordar dos pareceres das instituições que enquadram a actuação do governo – é da vida e faz parte do xadrez democrático, feito de equilíbrios, freios e contrapesos. E porque outra coisa é desacreditar as instituições, ameaçar os seus representantes com sanções e cercar a crítica. Isso já não é combate político, mas sim abalar as instituições públicas cuja independência determina a saúde de uma democracia.
É, pois, admirável que esta intimidação passe como um facto normal no nosso debate público – o que mostra quão frágeis são os alicerces da nossa democracia entre os nossos partidos. E ainda mais admirável que quem tem a responsabilidade máxima na salvaguarda das instituições democráticas – o Presidente da República – alinhe no enxovalho e venha ele próprio contestar Teodora Cardoso. Sobre Marcelo, escrevia Vasco Pulido Valente (VPV) que a direita não está satisfeita por causa da sua assistência ao governo. Ora, o tiro de VPV falha o alvo: a insatisfação justifica-se, antes de mais, pela conivência de Marcelo para com esta sucessão de atropelos institucionais. Que isso preocupe mais a direita do que a esquerda diz, na verdade, mais sobre a esquerda do que sobre a direita.