O que é um bloqueio político? É a última semana em Portugal. Veja-se: (1) um país parado por uma greve que surpreendeu um governo impreparado; (2) um braço-de-ferro com os professores que não só não tem solução à vista como tem todos os partidos a sacudir culpas; (3) um Presidente cuja desconfiança sobre o governo e parlamento atingiu tal proporção que, furando a Constituição, assume para si a iniciativa de legislar. Cada episódio vale por si, mas o seu real significado só se vislumbra no retrato do conjunto: a falência política está a atingir os três pilares de representação política em que a nossa democracia assenta – governo, parlamento e presidência da república. O país está em pantanas porque algo na geringonça apodreceu.
1. O governo foi ultrapassado pelos acontecimentos na greve ao transporte dos combustíveis. Por um lado, porque subestimou a adesão à greve. O PS não entendeu que, com o PCP na geringonça e a aprovar orçamentos de Estado, os sindicatos da CGTP perderam força de representação da contestação social, mas que a contestação não desapareceu – adaptou-se. Eis o que explica a criação de novos sindicatos ou movimentos mais radicalizados: nos professores, nos enfermeiros, nos camionistas, a luta endureceu e saiu das fronteiras do confronto institucionalizado. Por outro lado, o governo foi ultrapassado porque não garantiu o básico: não acautelou os previsíveis efeitos desta greve nos serviços públicos e de segurança nacional. Podem impressionar as filas de automóveis à espera de abastecer, mas verdadeiramente terceiro-mundista é confirmar-se que serviços de emergência médica, aeroportos, transportes públicos e forças de segurança ficaram reféns dos grevistas e em risco de não poderem assegurar o seu funcionamento, tendo inclusive que lançar apelos à boa vontade da população. O governo apareceu esgotado na sua capacidade de planeamento e aprisionado à gestão do imediato. É a definição de incompetência.
2. Há dois dias, o parlamento exibiu a sua irrelevância na gestão do conflito governo-professores, num debate parlamentar repleto de lugares-comuns, hipocrisias e acusações cruzadas. Sim, a situação aparenta ser um beco sem saída (por culpa própria do governo). Mas isso não justifica que se passem as linhas vermelhas da dignidade institucional. O governo não partilha estudos ou cenários que fez, mas dramatiza o impacto orçamental da reivindicação sindical, sempre sem explicar as suas contas – muito provavelmente inflacionadas para fins políticos. BE e PCP fazem de conta que não integram a geringonça e que não aprovaram orçamentos de Estado que diziam, explicitamente, que o tempo congelado não viria a contar para a progressão das carreiras – e fazem de câmara de eco dos sindicatos. As “soluções” trazidas por PSD e CDS são um exercício de faz-de-conta. E, para bater no fundo, o PS engrossa a voz para acusar o PSD de ser o principal responsável – como se não fosse o PS a ter imposto os dois congelamentos de carreira e não fosse agora o PS a governar. Dois anos depois de o tema ser elevado a prioridade política e monopolizar as atenções na educação, é esta paralisia e pobreza de ideias que o parlamento produz. Como podem os cidadãos interessados (neste caso os professores), que ainda por cima apresentaram uma iniciativa legislativa cidadã, confiar no parlamento?
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