Os meios de comunicação social publicaram listas de ordenação de escolas em função dos resultados dos alunos nos exames nacionais do ensino secundário. Essas listas tendem assentam nos resultados académicos

De certa forma, o que aqui está em jogo é a afirmação de que há alunos com bons resultados, sem que nunca se saiba se eles serão boas pessoas – esse ranking mantém-se oculto, apesar de sabermos que a felicidade pessoal e social não pode ser reduzida aos conhecimentos académicos.

Pois bem, para que servem as listas ordenadas de escolas segundo as classificações dos exames? E o que é elas nos ensinam?

Talvez os pais e encarregados de educação da Escola Secundária João Lopes de Morais usem os resultados para valorizar o que aí aconteceu: uma escola situada em contexto socioeconómico desfavorável é a terceira melhor escola pública – mesmo com 32% dos alunos a necessitar de apoios da ação social escolar.

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Outros, poderão questionar os motivos pelos quais os resultados académicos não são melhores e porque é que, apesar de contextos favoráveis, a posição no ranking é inesperada. Por exemplo, há escolas em que a média dos anos de estudo dos encarregados de educação é superior a 14 anos e que, ainda assim, estão posicionadas para lá do lugar 200º.

Outros, ainda, comentarão que a educação é imprevisível – têm razão.

Podemos olhar, também, para as políticas educativas, o que requer que cruzemos os dados dos resultados nos exames com outros que estão disponíveis, mas que os rankings mantêm ausentes (uso, apenas, informações sobre as escolas públicas):

  1. Foram criados Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, destinados a prevenir o abandono e o insucesso escolar e a indisciplina, através de mais autonomia das escolas e de apoios diferenciados. Bem, das 47 escolas TEIP, 32 estão posicionadas entre os lugares 312 e 477!
  2. No tempo da troika, foi implementada uma política de agregação de escolas, o que levou à criação de Agrupamentos enormes, embora algumas escolas tenham sido poupadas. A justificação da altura foi de que essa agregação permitiria poupar recursos e que a aprendizagem seria mais eficaz e teria mais qualidade. Pois bem, o que é que os resultados apontam? Que as escolas têm melhores desempenhos do que os agrupamentos: 31% das escolas estão no top 100 (62% no top 200), enquanto o valor dos agrupamentos é de 20% (37% no top 200). Isso sugere que ambientes de aprendizagem mais familiares e especializados podem ter benefícios.
  3. E os contratos de autonomia, funcionam? O top 100 indicia que sim, porque é aí que estão 31% das escolas/agrupamentos com contrato de autonomia e apenas 19% das escolas/agrupamentos sem contrato.
  4. Já agora, para ficarmos descansados com o acompanhamento que o estado põe em campo, as escolas que foram avaliadas externamente (entre 2017 e 2020) são melhores? Aparentemente não há garantias disso, uma vez que apenas 19% das escolas do top 100 foram avaliadas e 31% das escolas que foram avaliadas encontram-se posicionadas entre os lugares 301º e 477º. Na realidade, a pandemia fez cessar as avaliações externas das escolas – a pandemia tem costas largas – e isso é um problema porque significa que não há dados acerca do comportamento das lideranças nesse período. Faço notar que o período pandémico fez decrescer a qualidade da democracia e limitou direitos. O que terá acontecido nas escolas? E que reflexos se mantêm atualmente. Aliás, conheço agrupamentos que nunca foram avaliados nos últimos 10 anos!

Mas, ainda quanto às políticas educativas, a fila indiana servirá para reverter agregações? É provável que não, porque, apesar dos discursos e opiniões, os argumentos económicos prevalecerão – há pouco dinheiro! Contudo, uma vez que a educação é instrumental em qualificar e que as qualificações são o suporte para o desenvolvimento económico, é previsível que tenhamos um futuro com pouco dinheiro.

E as escolas terão mais autonomia? Apesar dos contratos de autonomia, a investigação tem evidenciado que o atual sistema de gestão e administração escolar tem levado à atomização do trabalho docente e à dependência do Diretor ou Diretora, com perda de democraticidade e participação.

Mas a fila indiana também parece dizer algo sobre as relações que estabelecemos

Emergem sugestões de iniquidade social que vão escapando aos comentadores e aos políticos. Em 62 escolas, o número de alunos carenciados (com apoios sociais escolares) que realizaram exames, é de menos de 10% do total de alunos, apesar de 11 dessas escolas estarem situadas em contextos socioeconómicos com algumas carências (denominados intermédios); e em 15 escolas, nem um aluno carenciado realizou exames. O que lhes acontece? Quem pergunta por eles?

Mas isso não nos diz tudo, porque há indicadores ausentes.  A verdadeira questão é quantos alunos carenciados havia na escola? Na escola frequentada pelo meu filho mais velho, quando os alunos entraram para o 5º ano de escolaridade, em 2012, 45% deles carecia de apoios sociais escolares. Porém, 9 anos de depois, dos alunos que realizaram exames, menos de 10% beneficiava desses apoios, o que sugere que os alunos com menos recursos vão sendo silenciosamente excluídos.

E, os rankings, talvez nos sirvam para sentirmos os valores sociais acumulados: das escolas que têm um patrono, 89% optaram por um homem!  Portanto, a maioria dos alunos e das alunas vai encontrando pequenas contradições entre a igualdade que lhes é ensinada e o que está em subtexto.

Entretanto:

  • os jornalistas vão salvaguardando que os rankings podem ser ferramentas ao serviço das direções escolares ou dos pais e encarregados da educação, para que se reflita acerca das práticas educativas, mas que não servem para afirmar que uma escola é melhor do que outra. E, ainda assim, vão comentando e promovendo debate de referência em torno, exatamente, da comparação entre escolas.
  • o Ministério que tutela a educação também vai deixando escapar que os rankings pouco dizem acerca das realidades e sobre a qualidade das escolas e que, por isso, não devem ser usados para comparar as escolas e para suportar as decisões das famílias de, eventualmente, tentar colocar os filhos em escolas com posição mais elevada no ranking. E, logo a seguir, usa as classificações dos exames para ordenar os alunos no acesso ao ensino superior.

Portanto, há uma fila indiana à porta, que traduz a muito da pouca coragem que atravessa o nosso sistema educativo.

E, ao não servirem para muito, mas servirem para tanto, os rankings levam-nos à beira de uma educação em que os argumentos servem para todos e para ninguém; e, além disso, colocam os alunos numa linha ordenada, apesar dos seus contextos de vivência estarem, naturalmente, desalinhados uns dos outros.

Eis a teoria da fila indiana. É fácil!

A educação é uma projeção de desejos e necessidades. Ambicionamos que os nossos filhos beneficiem do que estamos a fazer hoje, mas, na realidade, será que, daqui a 20 anos, quando os nossos filhos e as nossas filhas forem “grandes”, faremos as conexões necessárias com o passado? Há que tratar o futuro com a mesma ou mais importância que o presente. Devemos fazê-lo em fila indiana?

Dados usados neste comentário: https://doi.org/10.7910/DVN/I0JFBZ