Hoje, quando ia no carro, ouvi na rádio um artista português a dizer o seguinte: “não faço piadas sobre o WhatsApp porque as pessoas de 50 anos não iam perceber; todos sabemos que estas são as pessoas que, quando estão em videochamada, só lhes conseguimos ver a testa”. Ora, estando eu muito perto da idade referida, e considerando-me bastante proficiente na utilização do WhatsApp, confesso que fiquei chocada com o comentário.

Mas depois deste choque inicial, que na verdade tem muito mais que ver com o que me custa a aceitar a rapidez com que tenho de mudar de caixinha de faixa etária de cada vez que respondo a um questionário, fiquei a pensar no que está por detrás daquela afirmação. E o que está por detrás desta afirmação é a crença de que há um tempo específico e finito para aprender. De que a partir de um certo momento na nossa vida, já não temos capacidade ou vontade de aprender. Ora, não só temos a capacidade, como é absolutamente fundamental que tenhamos essa vontade. Porque uma coisa é certa: vamos ter essa necessidade.

Em 2016, muito antes da Gen AI se tornar colega de trabalho de todos nós, já a Linda Gratton, no seu livro The 100 Year Life nos falava sobre o imperativo da aprendizagem ao longo da vida, motivado pelo aumento da longevidade. Efetivamente, nos dias de hoje, pensarmos num percurso em silos: educação – trabalho – reforma, torna-se completamente obsoleto. Hoje, abrem-se as portas a carreiras não lineares, que podem incluir alterações profundas de percurso, que obrigam necessariamente a novos ciclos de aprendizagem.

Mas o tema da aprendizagem ao longo da vida não se esgota na vontade de cultivar mais experiências profissionais. Antes fosse. Torna-se bem mais dramático quando nos apercebemos que a nossa base de conhecimento deixa de ser relevante, de um dia para o outro.

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A transição dual (verde e digital) a que assistimos, e que é tão necessária, tem impactos profundos no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo que cria profissões, muito mais sofisticadas, deixa pelo caminho milhões de europeus desempregados.

O estudo The future of work, feito pela Mckinsey em 2020, demonstra que “cerca de 22% das atividades exercidas pela mão de obra na U.E. (equivalente a 53 milhões de empregos) poderão ser automatizadas até 2030”. E esta é uma previsão para um cenário de adoção da automação de nível intermédio, não é sequer para o cenário mais extremo…  Ora estas pessoas não podem ser deixadas para trás. É fundamental que todos: Estado, empresas, instituições de ensino e cidadãos, estejam alinhados na urgência da aprendizagem ao longo da vida, ou seja, na urgência de criar condições para que todos tenham a capacidade de se renovar ou mesmo reinventar. Aprender, tem de ser como o dominó: um clássico para todas as idades!

Hoje já ouvimos falar em upskilling (aquisição de novas competências para melhorar o desempenho ou evoluir na carreira) e reskilling (aquisição de competências que permitam uma nova carreira, nova área). Aliás no próximo dia 8 de novembro, o Innovators Forum, vai tratar o tema Educação do Futuro, onde terei oportunidade de apresentar o Pro_Mov, um programa de requalificação inserido na iniciativa europeia Reskilling 4 Employment.  Este é um exemplo, de uma iniciativa que junta entidades públicas e privadas ao serviço de toda a comunidade, que está a dar os primeiros passos para crescer. Para crescer, e para que outras iniciativas de requalificação nasçam, é necessário que este tema esteja em cima da mesa todos os dias. Essa responsabilidade é de todos nós.

Do Estado espera-se que sejam criadas condições para que todos possam ter acesso a programas de upskill e reskill não apenas nas novas áreas que a transição dual veio trazer, mas também promovendo outras áreas profissionais que vão sempre necessitar de competências que só pessoas reais podem entregar.

Das empresas espera-se planeamento estratégico e desenvolvimento das suas pessoas, de forma a mantê-las relevantes, garantindo uma força de trabalho cada vez mais qualificada e preparada para o futuro. No fundo espera-se que ajam em conformidade com o cliché de que o sucesso das empresas depende das suas pessoas.

Das instituições de ensino espera-se flexibilidade e adaptação dos modelos de aprendizagem. Uma aprendizagem que compete em tempo com a carreira profissional e responsabilidades pessoais. Uma aprendizagem que não acontece necessariamente numa sala de aula, e em que os alunos não vieram todos da mesma turma do secundário.

Dos cidadãos espera-se que sejam exigentes e críticos em relação às suas próprias competências procurando proactivamente o seu desenvolvimento contínuo.

Da comunidade, é esperada inteligência e perspicácia, para que se unam vontades e esforços e se aproveite este momento para tornar o país mais forte e inclusivo.

Hoje, quando saí do carro, saí com a certeza de que estava a contrariar o estereótipo que tinha acabado de ouvir. Afinal de contas, estava orgulhosamente com o meu kimono e cinto amarelo novinho em folha, a correr para a aula de karaté. A reinventar-me.