A falta de habitação é uma questão complexa em Portugal, afetando não apenas as áreas urbanas mais densas das grandes cidades, mas também as regiões urbanas menos densas, as chamadas periferias, e a crescente procura por habitações acessíveis não está a ser atendida adequadamente pelos mercados imobiliários tradicionais. Disso resultam preços elevados e falta de opções.

O Programa Mais Habitação não é consensual e divide claramente quem quer ter casa e quem investe em casas para vender e/ou alugar. O Governo empurra para as autarquias, as autarquias assobiam para o lado e a lentidão na resposta vai desesperar ainda mais os que necessitam de casa e quem poderia investir ou investe em propriedades como forma de rendimento.

Sendo assim, porquê é que o governo não encarou uma solução de autoconstrução onde a iniciativa da habitação é na realidade passada, em grande parte, para quem quer mesmo casa?

A autoconstrução, como solução para a falta de habitação, permite que os cidadãos construam as suas próprias casas, seguindo as diretrizes técnicas e regulamentos definidos. Esta opção de poder construir uma habitação com as mãos dos próprios, torna o processo mais acessível, económico e responsável para quem exige habitação e se recusa a aceitar as regras do mercado da oferta e da procura. Para tornar esta opção uma realidade viável, as câmaras municipais têm de desempenhar um papel fundamental, facilitando a obtenção de terrenos urbanizados a preços acessíveis, fornecer assistência técnica, aprovar projetos rapidamente e até mesmo disponibilizar projetos pré-aprovados que respeitem os padrões de qualidade e segurança. Há suficientes terrenos municipais que podem ser convertidos para este tipo de programa, ou até serem comprados determinados terrenos a privados com contrapartidas de facilitar um desenvolvimento urbano misto que inclua o investimento privado.

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Em termos de custo final do preço da habitação, tendo como princípio um valor reduzido do terreno (com reduzidas áreas de terreno 150-200 m2 e baixos preços por m2), a ausência de uma margem aproximada de 30% habitualmente para a promoção imobiliária e a incorporação da mão de obra dos futuros proprietários, poderíamos com alguma facilidade chegar a valores de menos de 50% dos valores praticados atualmente. Atrevo-me a dizer que com um terreno de 200m2 com um valor de 50.000€ e 100m2 de área construída em regime de Autoconstrução por um valor de 120.000€, teríamos uma vivenda em banda, de 1 piso e 3 quartos, a custar 170.000€.

A autoconstrução permite que as pessoas construam as suas casas de acordo com o seu orçamento, tornando a habitação mais acessível, evitando por vezes a incorporação de materiais de média-alta gama, muitas vezes sem o custo benefício em termos práticos no conforto e qualidade de vida na habitação. Os proprietários têm um controle total sobre o design interior das suas casas, permitindo que se cumpram as suas necessidades específicas dentro das suas opções custo-benefício e em termos exteriores, uma escolha abrangente de soluções pré-estabelecidas e aprovadas pelas câmaras municipais. Com a ajuda destas, os processos de aprovação podem ser muito simplificados, acelerando o tempo de construção.

A autoconstrução não é uma solução nova nem em Portugal nem no mundo. Há bons e maus exemplos um pouco por todo o planeta e em Portugal a experiência mais visível foi iniciada em 1952, num programa de nome “Programa do Património dos Pobres”, com a iniciativa do Padre Américo e posteriormente apoiado pelo Estado. Em 1962 passou a haver a possibilidade de neste programa os proprietários terem acesso a um empréstimo reembolsável em 10 anos e no valor de 25 % do custo do terreno e da construção.

Há aqui um caminho de grande potencial e que, devidamente concebido e agilizado, permitiria partilhar as responsabilidades da criação da habitação com quem dela reclama, regulando o mercado com a responsabilização direta daqueles. Minimizará também a crescente pressão no surgimento de habitação indigna e ilegal, nomeadamente pelo aparecimento de bairros ilegais de barracas e/ou de tendas como recentemente foi noticiado existirem em Carcavelos, na Quinta dos Ingleses.