As crianças e jovens de hoje têm uma agenda tão preenchida quanto os adultos! Correm de um lado para o outro, atrás dos pais que tentam também eles estar em todas as frentes. Tentam proporcionar o melhor aos seus filhos, mas esta nova realidade tem um custo encoberto.

Eu, mãe, aqui me confesso: ainda não tinha o meu filho mais novo feito dois anos e, como tinha optado por ser mãe a tempo inteiro e não o colocar em nenhuma creche, achei (por bem, na altura!) inscrevê-lo nalguma atividade. O meu filho precisava (julgava eu) de conviver com outras crianças. Tenho que referir que tem irmão e primos com idades próximas. Depois de muito procurar encontrei uma atividade para crianças a partir dos dois anos. Nas primeiras aulas, os pais podiam entrar e estar lá com os filhos. Depois teriam que esperar do lado de fora. Ora, as primeiras aulas até foram engraçadas (também pela novidade e por estarmos no início do ano letivo), no entanto, nas seguintes, quando os pais tiveram que se despedir dos filhos e esperar do lado de fora é que a graça se começou a perder. Algumas crianças até lidavam bem, aparentemente. Para o meu filho (e outras crianças) começou aí um pesadelo. Quando lhe dizia que íamos sair de casa para ir à atividade até chorava no carro. E foi aí que se fez alguma luz em mim! Felizmente que o meu instinto de mãe acabou por vir ao de cima e dei por terminada aquela loucura em que me estava a meter e, pior, em que estava a meter o meu filho!

Não digo com isto que não haja atividades importantes para as crianças. Mas as crianças vivem submersas em mil e um compromissos! A atividade do meu filho era ao fim do dia. O meu filho tinha a sorte de me ter ainda todo o dia. Mas todas as crianças que lá estavam chegavam ali diretas da escola. Crianças com dois anos precisam dos pais, em primeiro lugar. Se já passaram todo o dia, até às 18h ou 18h30, ou até mais, sem eles e depois ainda seguem para uma aula em que estão a cambalear de sono e famintas de colo, afeto, vínculo e referência, então isso é tudo menos o que elas mais precisam. Não esquecendo que no fim da atividade iam para casa (a correr) para as rotinas habituais: banho, jantar e deitar. Já não havia tempo para brincar, ou simplesmente para estar com os pais.

Crianças mais velhas também precisam de tempo com a família e precisam MUITO de tempo para não fazerem nada! Precisam de tempo para brincarem até se cansarem e não até os pais chamarem, precisam de tempo para brincarem na natureza, correrem, saltarem, treparem, precisam de tempo para chegarem àquele ponto em que dizem “Oh, já não sei o que brincar!” porque é a partir dali que a imaginação e a criatividade ganham asas!

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Temos em Portugal um dos maiores especialistas a nível mundial na área da brincadeira e do jogo que muito tem lutado contra esta maré. O professor Carlos Neto não se cansa de dizer que as crianças precisam de (tempo para) brincar!

As crianças precisam de tempo não estruturado, não organizado pelos adultos para simplesmente serem crianças. O número de horas passado na escola já é algo contraproducente, mas infelizmente as famílias não têm muita saída. Mas têm poder de decisão quando não colocam os filhos, a seguir ao tempo letivo, em tantas atividades.

As crianças não são adultos e muitas, infelizmente, têm uma agenda mais preenchida do que muitos adultos. A fatura virá. Mais tarde, e infelizmente deixará mazelas. Temos que resgatar o tempo das crianças e o tempo para brincarem ao ar livre, sem pressa. Porque não nos iludamos com o aparente mas enganador desenvolvimento que acontece nas crianças com essa frequência em tantas atividades. Os números mostram o contrário. As crianças não estão mais inteligentes. Têm menos capacidade de atenção, memória e pensamento, estão mais irrequietas, têm dificuldades a nível físico que são alarmantes, têm um sistema imunitário muito mais enfraquecido. Os transtornos de aprendizagem dispararam.

Muitas são as causas, contudo não esqueçamos que o movimento, o correr, saltar, colocar-se de cabeça para baixo, rolar, carregar pedras para construir um forte, andar de baloiço… são as bases para o cérebro e o corpo se desenvolverem. A aprendizagem da leitura e da escrita tem, por exemplo, uma grande ligação com o movimento. Muitos professores notam até que as crianças ficam mais cansadas nas aulas de educação física. Não têm a capacidade e resistência que os seus pais e avós tinham com a mesma idade.

Os pais não precisam de entreter os filhos o tempo todo. Não precisam de dar o tablet para a mão como baby-sitter. Precisam de estar lá algum tempo e dar outro tempo para as crianças serem apenas e tão somente o que precisam ser – crianças.

A liberdade máxima que uma criança pode e deve ter é poder parar quando quiser. As crianças hoje em dia não têm tempo e estão sobrecarregadas e com cérebros demasiado estimulados.

Peter Gray, Angela Hanscom (autora do marcante livro Descalços e Felizes) e Carlos Neto têm-nos alertado. Cabe a cade um de nós pensar e decidir!

Se já inscreveu o seu filho em atividades equacione ainda um abrandamento, mesmo que isso implique perder a inscrição e o seguro que já pagou. No fim de contas, o maior ganho é o crescimento equilibrado do seu filho. Tenhamos coragem de lutar contra a maré, sim, porque também há aqui uma pontinha desta construção social que se fez à volta das crianças e dos pais “Ai, o teu filho não anda na natação? Nem na música? Nem joga futebol?” Respondamos convictos que não ou que faz apenas uma atividade porque já passa na escola muitas horas por dia. E como consequência aliviamos de alguma forma também o fardo que tanto nos pesa – chegar a tempo a todo o lado!