Li há dias, num outro meio, um texto que me chocou. Era um texto de uma mãe que escrevia aos pais que deixam os filhos na creche pela primeira vez.

Falava, portanto, do sofrimento de muitos pais ao deixarem os filhos pela primeira vez na creche, ao contrário desta mãe que sempre que deixava (ou depositava, para usar as palavras dela) os seus filhos (eram seis) vivia os dias mais felizes da sua vida.

Eu queria dizer tanta coisa a esta mãe! Mas começo pelo fim.

A vida passa a correr! Não tarda está na velhice (tal como eu) e aí o tempo abunda. O tempo nessa altura é diferente. Não passa, sabe? É o que dizem alguns! Nessa altura, os seus filhos pegam em si e depositam-na num lar. Com sorte, poderá ficar apenas num centro de dia e poderá regressar diariamente à sua casinha para dormir. Pensando então que poderá ter sorte, lembre-se que no seu primeiro dia no centro de dia não há lugar para se despedir dos seus filhos. Eles têm que ir trabalhar e para além disso, alimentar birras não faz sentido! E eles precisam de ir viver os melhores dias da vida deles, tal como fez a sua mãe, há umas décadas atrás! Porque afinal são os primeiros dias em que se veem livres da “chata e velha” que lhes anda a “moer a cabeça”. Podia ser otimista e dizer que em muitos centros de dia, as coisas correm bem e há atividades maravilhosas! Há pessoas incríveis, porque há, e os dias são cheios de alegria, de vida! Mas também há centros de dias sem gracinha nenhuma. Centros de dia e lares em que os “velhos” (não gosto pessoalmente desta palavra, confesso, mas talvez usada assim nos lembre a rapidez e fragilidade da vida) não são bem tratados, em que a solidão reina, em que as (os) funcionárias (os) que lá trabalham não chegam para todos, não conseguem limpar as lágrimas, trocar o calçado que naquele dia aperta ou aliviar a roupa no peito porque a falta de ar parece que mata lentamente. Já passei, de forma fugaz (por motivos profissionais e familiares), por vários lares e centros de dia. Ouvi histórias, ouvi alegrias e vi amor e compreensão, mas também ouvi dores, ouvi e vi muito sofrimento. Em muitos lares parece que se cheirava no ar a falta de empatia do pessoal que lá trabalhava. Percebi nessa altura o que muitos velhinhos pensam e alguns verbalizam mesmo “Só queria que Deus me levasse”. Quem nunca ouviu esta frase?

E sabe o que tem a velhice em comum com a infância? É a fragilidade! É o tempo! É a dependência de quem cuida! Na infância e na velhice, o tempo tem outra dimensão. Uma hora parece uma eternidade! A frieza na voz e nos gestos, por parte de quem cuida, seja família ou profissionais da creche/pré/centro de dia/lar é sentida de forma igual. Por sua vez, o acolher das emoções e a empatia fazem milagres, em especial nestas alturas da vida.

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A vida é breve e não tarda chega a hora em que passamos de cuidadores a sermos cuidados e aí o jogo muda. Aí a saudade aperta, a tristeza é insuportável…

E como eu disse que começava pelo fim, volto então agora ao meio ou ao início para não me alongar mais.

As emoções e sentimentos dos nossos filhos devem ser valorizados. Devem ser respeitados. Eles devem sentir que acolhemos o que sentem. Se estão nervosos por deixarem o seu porto seguro devem sentir que isso é acolhido por nós. Devem ser tranquilizados.

Desânimo aprendido é algo que acontece a muitas crianças que são “depositadas” nas escolas. Choram, sentem medo, estão assustadas e angustiadas por estarem num lugar novo, com pessoas desconhecidas, mas com o passar dos dias, começam a chorar cada vez menos até ao dia em que deixam de chorar. Isto acontece não porque se adaptaram bem como dizem muitos adultos, mas porque perceberam que as suas necessidades, emoções e sentimentos não são tidos em conta, não são respeitados e cedem. Cedem porque são impotentes para continuarem a lutar. O corpo não aguenta reações de luta constantemente. Não vale a pena lutar. Ninguém está lá para a compreender e ajudar a lidar com o que sente. Infelizmente é isto que ouvimos “Ele chora agora mas não vale a pena prolongar este momento (na entrega da criança) porque daqui a dias passa. Não se preocupe!” Se a criança não tem recursos para mais, se não pode fazer nada, claro que passará, mas a que custo? O que aprendeu a criança com esta situação? Que marcas deixou nela?

A fase de adaptação nas creches e restantes escolas é uma etapa muito importante. É a mais importante! Deve ser gradual e respeitadora. E se juntarmos aqui as regras “loucas” impostas “pela Covid” percebemos que o nível de alerta das crianças nestas alturas é elevadíssimo! O pai/a mãe não pode entrar na escola? Então agora ensinamos às crianças que não devem falar com desconhecidos, que não devem aceitar nada de alguém que não lhes seja familiar… e, de repente, entregamos as crianças em ambientes desconhecidos e a pessoas desconhecidas? Será que as entidades competentes não conseguem acompanhar este raciocínio? Onde estão os tempos em que as educadoras/ professoras, antes da escola começar iam a casa das famílias apresentarem-se e tornarem-se pessoas “da família”, pessoas próximas? Isto não é fantasia! Já aconteceu no passado e tem razão de ser! Não pedimos tanto, mas temos que pedir o mínimo! Ouso dizer que Portugal nunca se preocupou com a fase de adaptação necessária em bebés e crianças. Ao contrário da Alemanha, por exemplo, em que a fase de adaptação não depende da sensibilidade da escola ou da educadora, mas é algo definido para todo o país. Os pais estão presentes na fase de adaptação do bebé/criança durante 4 semanas. E nem a Covid afastou este procedimento!

E em Portugal, o que temos? Infelizmente temos um grande atentado à segurança emocional de bebés e crianças, uma violência que não permite a criação de vínculo nem de tranquilidade em bebés e crianças! A fraca fase de adaptação que tínhamos por cá foi levada pela Covid!

Não podemos aceitar tudo em nome de um vírus! Não podemos aceitar o que se está a fazer à infância!

Temos que repensar muitas práticas que se fazem no nosso país e repensar tantas outras ideias generalizadas que se vão criando na sociedade sobre a infância, sem qualquer suporte científico.

Repensar igualmente, e a título de exemplo, em muitos conselhos que são dados aos pais e em muitas coisas que se ouvem como “Ainda não largou a chupeta com essa idade? Ainda não dorme sozinho?” As crianças não são todas iguais e têm necessidades que devem ser respeitadas. Porquê exigir que sejam independentes e que cresçam à força? A dependência é boa. Faz parte da nossa espécie! Ser dependente não tem nada de mal. Todos dependemos uns dos outros! Imagine só se nos faltava o padeiro, o mecânico, etc. O que se está fazer com a infância não é estimular a independência mas exigir que as crianças “cresçam” à força, sem escutar as suas necessidades.

Há que entender as necessidades que a criança tem. Há que cuidar dessas necessidades para que depois a criança consiga voar sozinha e segura.

E sim, eu me confesso, que fui tirando a chupeta lentamente aos meus filhos porque a sociedade acabou por se entranhar aqui algures no inconsciente! E em muitas outras coisas falhei; fiz como a sociedade me “dizia” para fazer. Mas felizmente que ao mesmo tempo tenho acordado e percebido que há muitos especialistas por aí que são apenas treinadores de bancada, que muitas coisas que fazemos afinal são construções sociais, fruto de uma época e de necessidades dessa época, como a mãe ter entrado para o mercado do trabalho e o bebé ter que ir para a creche ou como os carrinhos de bebé, que mais não são do que um bom negócio para nos afastar de dar colo aos nossos filhos. Sim, porque, por vezes, esquecemo-nos da nossa intuição, da nossa sabedoria secular e o bebé anda sempre no carrinho para todo o lado que vamos!

Termino pegando numa frase que não é minha, mas que a adapto pela verdade e lucidez que nos pode trazer:

Um país que não cuida, que não protege nem respeita as crianças e os “velhos” é um país que está condenado a falhar, agora ou num futuro muito próximo!

(Eu cá para mim tenho que o segredo da felicidade é aceitar, compreender, sentir e mostrar empatia para com todos à nossa volta, em especial e para começar, para com os nossos filhos e pais.)