Quando António Costa faz uma promessa em público é porque está a pensar fazer o contrário. Curiosamente, e muitos leitores podem achar estranho, isso não significa que o PM esteja a mentir. Costa não coloca as suas declarações públicas no patamar da verdade ou da mentira, mas sim no contexto da habilidade política. Costa diz o que é conveniente politicamente no momento. Por que razão, menos de um ano depois das eleições, Costa sente necessidade de garantir em público que vai ficar mais quatro anos em São Bento? Alguém pensa o contrário? Costa foi eleito com uma maioria absoluta para governar até Outubro de 2026. Por que razão o PM tem necessidade de assegurar o óbvio?

Na minha opinião, Costa está disposto a abandonar São Bento antes de 2026, mas receia não conseguir faze-lo. Não é segredo que António Costa gostaria de ocupar uma das presidências da União Europeia, mas já percebeu que será muito difícil. Para a presidência da Comissão Europeia, Costa teria que ser o candidato dos socialistas europeus. A decisão em relação ao candidato socialista será tomada no fim do próximo ano, início de 2024. Costa nunca poderá ser o candidato dos socialistas porque isso iria fragilizar, talvez fatalmente, a sua posição de PM. Também será difícil repetir o que aconteceu em 2019, com a escolha de Von der Leyen que não havia sido candidata à presidência da Comissão. Em 2024, o mais provável é que a presidência da Comissão seja entregue a um dos candidatos escolhidos pelos seus partidos antes das eleições europeias.

António Costa poderá ter mais hipóteses para a presidência do Conselho Europeu, sobretudo se Von der Leyen continuar na Comissão, visto que nesse caso os socialistas querem a outra presidência. Mas a guerra na Ucrânia pode levar os líderes da União Europeia a escolher um político da Europa Central para a presidência do Conselho Europeu. Costa pode ter percebido, e faro político não lhe falta, que os ventos europeus estão a virar a leste e não para sul.

Se António Costa não conseguir ir para Bruxelas em 2024, terá que ficar contrariado em São Bento até 2026. Em vez de trabalhar diariamente com os líderes europeus e encontrar-se regularmente com os líderes mundiais, terá que aturar as jogadas do Pedro Nuno Santos e do Medina na luta pela liderança futura do PS. Terá que estar no Parlamento português a aturar “queques”, populistas e comunistas ressentidos, em vez de estar no G20 a discutir as grandes questões globais. Terá ainda que lidar com problemas económicos e sociais em Portugal, em vez de fazer discursos genéricos e abstractos sobre alterações climáticas, valores europeus e o multilateralismo.

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Se o PS não tivesse maioria absoluta, Costa ainda poderia tentar repetir uma fuga à Guterres no caso de uma derrota clara nas eleições europeias. Mas com uma maioria absoluta, ninguém entenderia uma demissão após umas más eleições europeias para os socialistas. E o que iria Costa fazer se a oportunidade de Bruxelas desaparecer?

Uma candidatura a Belém também não parece nada fácil. O calendário eleitoral é a maior dificuldade: as eleições presidenciais são em Janeiro de 2026, e as legislativas em Outubro de 2026. Costa sabe que é muito improvável sair de São Bento para imediatamente depois concorrer a Belém.

Parece assim que Costa está condenado a ficar em São Bento até 2026. A alternativa mais provável é o desemprego político. Esperemos que o governo do PS cumpra o seu mandato até ao fim. Com maioria absoluta, tem todas as condições para o fazer. António Costa terá que cumprir o mandato até ao fim, governar com dificuldades, e sem arranjar desculpas para os seus fracassos. Habitue-se senhor PM.