“Já não se fazem casas como antigamente!”; “Os prédios hoje em dia são todos iguais!”; “A arquitetura moderna é muito mais feia do que a tradicional!” Estas são frases que, com certeza, já todos nós ouvimos. Sei que eu já ouvi e, até recentemente, nunca tinha parado para pensar nelas (enorme lapso da minha parte). Dei, então, por mim a pensar: “Mas, o que define a arquitetura moderna?”.

Durante milénios, a arquitetura esteve estritamente ligada à geografia: a chamada arquitetura vernacular, dependente de materiais e técnicas locais. Com sucessivas guerras e revoluções a nível global, que resultaram em milhões de desalojados a necessitar de habitação digna, aliadas aos frutos da Revolução Industrial, séculos de tradição rapidamente evoluíram para algo completamente diferente! Os novos materiais de construção, como o betão armado, popularizados por novas escolas de pensamento vanguardistas de arquitetos e urbanistas, entre as quais se destacam nomes como Adolf Loos, Le Corbusier, Mies van der Rohe e Walter Gropius, surgiram como figura principal na arquitetura do pós-guerra. Embora não partilhassem todos das mesmas ideias, foi nesta época que se formou o ideal que guiaria a arquitetura mundial nas décadas seguintes: “despir” o edifício da abundância de artifícios decorativos populares até à data. Assim, o principal propósito de um edifício tornou-se no cumprimento adequado da sua função e quebrou-se, deste modo, a necessidade de grande detalhe esculpido ou pintado para a elaboração de um edifício “belo”. Foram abertas as portas à liberdade arquitetónica, podendo o artista seguir os estilos vigentes no passado ou explorar as novas ideias orgânicas e minimalistas! Esta recente visão simplista, inspirada nos silos de cereais e na arquitetura industrial, veio para ficar: nas capitais do mundo abundam agora arranha-céus de betão e vidro e os seus subúrbios são caracterizados por prédios geométricos e semelhantes entre si, que abrigam há muito os desalojados pela guerra, os participantes de êxodos rurais ou as mais jovens gerações citadinas. Mas se arquitetura contemporânea visava escapar aos cânones rígidos do passado, como é que acabamos quase exclusivamente com os tão criticados “edifícios iguais”?

A resposta encontrada foi muito simples e, confesso, uma valente desilusão: o custo. Enquanto nas grandes construções públicas europeias se tem verificado a edificação de obras de arte contemporâneas, como a Casa da Música, o MAAT e o Guggenheim, ou a recente reconstrução de catedrais e museus do passado em detalhados estilos, como barroco e neo-gótico, na arquitetura destinada a habitação popular não se verifica a mesma preocupação! A excentricidade e expressão artística são substituídas por banalidade e corte de custos a todos os custos, resultando em autênticas caixas sem personalidade que representam na perfeição as vidas mecânicas que a sociedade moderna criou para nós. A um indivíduo cuja alma e expressividade foram sugadas por um quotidiano dantesco, corresponde uma gaveta numa cómoda de betão em grande escala: uma combinação perfeita! Claro está que não proponho que se ignore o custo de construção; afinal de contas, o objetivo de uma casa é ser acessível aos habitantes do mundo, mas construir um edifício não pode ser um mero ato de egoísmo e redução matemática de custos, onde o crescimento dos lucros resulta numa diminuição proporcional do valor dado à arte que sempre foi inerente à arquitetura: devemos, pelo menos, a fachada à cidade. Não quer dizer que tenhamos necessariamente de seguir as mesmas regras do passado, muito pelo contrário!

As nossas cidades são conhecidas pelos seus emblemáticos mosaicos. Façamos, então, da cidade um painel de mosaicos em grande escala, com cada casa a simbolizar a essência e a expressão do interior de cada um de nós. Ousemos desafiar a atual concepção de arquitetura produzida em massas, isenta de expressão para não incomodar ninguém. Não deveríamos ter de ir a um museu para vermos as nossas susceptibilidades feridas: os edifícios nas nossas ruas devem servir precisamente para isso. Quer adoremos ou odiemos o que está perante os nossos olhos, não poderemos negar que é a expressão de algo e nos fez parar e sair da nossa rotina momentaneamente para admirar ou criticar. Não poderemos negar que nos levou a pensar e, mais do que pensar, observar e absorver arte. Com cidades expressivas, o planeta Terra torna-se numa enorme tela para todos nós e num museu para os deuses. Tal como o leitor devaneia por uma exposição observando obras onde estão pedacinhos da essência do artista, também os céus observarão as nossas ruas maravilhados com o que os humanos são capazes de criar quando servem a arte e o progresso!

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