Teve lugar em Praga, no início da semana passada (entre domingo e quarta-feira), a 23ª edição da “Forum 2000 Conference” — uma iniciativa lançada em 1996 pelo saudoso Vaclav Havel, com o propósito de reunir anualmente amigos da liberdade, vindos de todo o mundo, na encantadoramente rebelde cidade de Praga.

E Praga permanece encantadora; e encantadoramente rebelde. O governo da cidade acaba de romper um acordo de associação com a cidade de Pequim, denunciando o crescente autoritarismo e expansionismo do comunismo chinês. O Cardeal Joseph Zen, Bispo Emérito de Hong Kong, foi recebido e aplaudido entusiasticamente nas várias sessões em que participou. No final dos trabalhos, foi aprovada unanimemente uma declaração de apoio a Hong Kong, subscrita pela “International Coalition for Democratic Renewal”.

Várias sessões foram também dedicadas à Aliança Atlântica (incluindo um debate matinal na Embaixada Portuguesa, promovido pela nossa embaixadora em Praga, Manuela Franco). O tom geral das diferentes intervenções merece ser sublinhado. Ninguém perdeu tempo a falar de Donald Trump — que insiste em não abotoar o casaco e acaba de chocantemente abandonar os Curdos. Todos sublinharam que a causa da Liberdade no mundo assenta na Aliança Atlântica — que deve ser reforçada, quaisquer que sejam os inquilinos temporários das ancestrais casas das democracias euro-atlânticas.

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A cereja no topo do bolo terá sido a sessão final de terça-feira: os velhos resistentes anti-comunistas Lech Walesa e Natan Sharansky, juntamente com uma líder democrata do Zimbabwe, Glanis Changachirere, conversaram em mesa-redonda sobre a causa da liberdade no mundo de hoje. Muito apropriadamente, o debate foi presidido por Carl Gershman, presidente fundador do norte-americano “National Endowment for Democracy” — corajosamente inaugurado pelo saudoso Ronald Reagan em 1982 (e por ele anunciado numa sessão especial do Parlamento britânico, na presença da saudosa Margaret Thatcher).

A mensagem de todos eles foi agradavelmente refrescante e antiquada: há por aí muita agitação sobre pequenas lutas por pequenos poderes, e muita pobreza de ideias; essa agitação é ampliada pelas chamadas redes sociais. Mas a causa da liberdade sob a lei permanece a que sempre foi, e sempre distinguiu o Ocidente: a estrita obediência a regras gerais de boa conduta, e a estrita desobediência a ordens arbitrárias de comando dos poderes de plantão. Pequim e Moscovo não entendem esta diferença crucial entre obediência à lei e desobediência a ordens — mas é nesta diferença crucial que reside a perene civilização ocidental da liberdade sob a lei.

Esta foi a insistente mensagem da Conferência de Praga. E tive o muito agradável privilégio de voltar a ouvi-la em Cascais, na quinta-feira passada, na Palestra-Jantar Winston Churchill do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, no Palácio da Cidadela de Cascais, sob o Alto Patrocínio do Presidente da República.

O orador foi Andrew Roberts, autor da mais recente e muito aclamada biografia de Winston Churchill (originalmente publicada em inglês no ano passado e já traduzida em 10 línguas, incluindo entre nós pela LeYa). Roberts descreveu Churchill como um aristocrata excêntrico, conservador e liberal, intransigentemente rebelde contra ordens de comando dos poderes de plantão, mas reverentemente respeitador das tradições da liberdade sob a lei. Uma passagem (entre muitas outras) de um discurso de Churchill em Paris, em 1936, contra o nazismo e o comunismo, poderia hoje ser recordada aos ditadores de Pequim e Moscovo, bem como aos seus admiradores entre nós:

“Como poderemos nós, criados como fomos num clima de liberdade, tolerar ser amordaçados e silenciados; ter espiões, bisbilhoteiros e delatores a cada esquina; deixar que até as nossas conversas privadas sejam escutadas e usadas contra nós pela polícia secreta e todos os seus agentes e sequazes; ser detidos e levados para a prisão sem julgamento; ou ser julgados por tribunais políticos ou partidários por crimes até então desconhecidos do direito civil?

“Como poderemos tolerar ser tratados como rapazinhos, quando somos adultos; sermos obrigados a desfilar às dezenas de milhar entoando esta ou aquela palavra de ordem; vermos filósofos, professores e autores serem intimidados e obrigados a trabalhos forçados até à morte em campos de concentração; sermos forçados a todo o momento a esconder o funcionamento natural do intelecto humano e a pulsação do coração humano? Pois eu afirmo que devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não termos de nos submeter a tal opressão!”