Emmanuel Macron, Volodymyr Zelensky e Donald Trump encontraram-se em Paris para a reabertura da catedral de Notre Dame, cinco anos depois do incêndio. E na reunião destes três homens, onde, provavelmente, mais do que um se considera o líder do mundo livre, foi difícil não pensar que tudo era símbolo. Macron, acossado politicamente por todos os lados, tentou usar a reconstrução da catedral em tempo record como símbolo do visionarismo da sua liderança. Zelensky compareceu, como de costume nestes eventos de gala, vestido como quem fez só uma pausa para esticar às pernas e já volta para a trincheira. Trump pediu uma cola.

Sim. Naqueles instantes em que os líderes políticos se encontram e cumprimentam como velhos amigos e em que nós só podemos especular de que extraordinária bagatela falarão, desta vez, alguém captou a conversa: Macron perguntando a Trump (em inglês, desde logo) se queria tomar alguma coisa, e Trump, depois de meio segundo de hesitação, dizendo: “Uma cola.” Em Paris. No Palácio do Eliseu. De todos os château-qualquer-coisa do mundo que podia ter provado, de todos os champagnes, de todos os cognacs. De todas – se não bebe álcool – as evians e perriers. Ao menos.

Não deixa de ter piada? Não. É até precisamente por coisas destas, deste desempoeiramento, este lado terra-terra, este gosto de homem supostamente comum, contra os salamaleques, que muita gente acha graça a Trump? Suponho que sim. Mas tem o símbolo verdadeiramente alguma correspondência no mundo real? Uma aposta na economia americana? Uma autenticidade? Uma nova forma de fazer política?

À primeira vista, Trump e Coca-cola poderiam parecer exactamente a mesma coisa. A mesma marca. A América, o americanismo, o “Make America Great Again”, o porta-estandarte, juntamente com o M da McDonald’s, da exportação do modelo americano que, desde a Segunda Guerra Mundial, teria controlado o mundo – enfim, a velha e boa água suja do capitalismo. No entanto, uma rápida pesquisa por “Trump” e “Coca-cola” recorda-nos uma história diferente.

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Por várias vezes ao longo dos últimos anos, em especial durante o primeiro mandato de Trump na Casa Branca, a Coca-Cola se afastou ou criticou, publicamente, as posições do Presidente. Apontando às tarifas que colocou à importação de matérias-primas da China a responsabilidade no aumento do preço da Coca-Cola; lançando uma campanha publicitária contra a construção do muro entre EUA e México (só por acaso o maior consumidor mundial de Coca-Cola); e subscrevendo, com mais uma série de grandes companhias, um abaixo-assinado pedindo a Trump que reconsiderasse o abandono do Acordo de Paris, e alertando para os danos económicos e reputacionais e os retrocessos tecnológicos que daí poderiam advir para as empresas norte-americanas.

Talvez Trump nunca tenha chegado a saber de nada disto – não é conhecido por ler muitas notícias. Até porque outras não dão conta, propriamente, dum resfriar da sua relação com o célebre elixir criado para curar todos os males. Umas dizem que, durante a primeira estadia na Casa Branca, chegava a beber 12 colas por dia – “Diet”, façamos notar –; outras que tomava calmamente uma cola a 6 de Janeiro, enquanto assistia ao ataque ao Capitólio; e o Público, citando o Financial Times, em 2018, relatando que teria revelado a Kim Jong-un só ter um botão na secretária da sala oval: para pedir Coca-Cola.

Sim. O irmão de Trump morreu aos 43 anos vítima de alcoolismo. Sim, Eu também sonhava que, um dia, o Presidente português pedisse a Macron um fininho, uma ginjinha, uma amêndoa amarga. Ou melhor ainda: o Presidente do Governo Regional dos Açores uma Kima. Mas receio, para mal dos meus amigos trumpistas e, sobretudo, da economia mundial, que nada em Trump seja tão genial ou destemido como julgam, mas simples primarismo, desconhecimento, falta de curiosidade, teimosia, uma antiquadíssima visão da realidade em que, ironicamente, tantos depositam a esperança da sua renovação.

Mas quem sabe? Talvez o homem só quisesse mesmo uma cola. Espero que Zelensky tenha ficado com o Château-qualquer-coisa.