Donald Trump, Xi Jinping e Ursula Von der Leyen entram num bar. Alguém diz: “deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem”. Quem é que disse esta frase? Já vo-lo direi mais à frente para não perder, entretanto, a vossa atenção.

Vivemos tempos empolgantes para os académicos e preocupantes para os cidadãos. Vivemos um tempo de mudança estrutural do mundo, com um cenário em que uma potência desafiante, a China, se encontra em expansão e a potência incumbente, os Estados Unidos, se encontra em aparente retracção, ou pelo menos em mudança de estratégia(s). Sim, e as crises das democracias liberais, e as polarizações de posições, e a cancel culture, e os identitarismos, e o ressurgimento dos nacionalismos, e dos populismos, e a profunda aceleração tecnológica e tudo e tudo e tudo. Neste cardápio uns veem causas, outros consequências. O que ninguém ignora é o elefante na sala: a China.

Os Estados Unidos têm ainda por fechar, com trabalho a fazer no Congresso e no Senado, a estratégia face à China, mas o executivo já apresentou uma proposta bem feita sem grandes tergiversações. A União Europeia, essa, apresentou a estratégia, mas “tergiversações”, não fora a palavra difícil de pronunciar, poderia muito bem ser o seu subtítulo. Ao menos nisto, nada de novo no Ocidente.

Os Estados Unidos identificam 3 tipos de desafios: económicos; aos seus valores; e de segurança. A União Europeia define 3 objectivos: aprofundamento do envolvimento com a China para promoção de interesses à escala global; equilíbrio e reciprocidade nas relações económicas; e adaptação interna às mutações da economia, fortalecendo as suas políticas internas e base industrial.

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Nos desafios que a China coloca, na óptica norte americana, temos a identificação das políticas de proteccionismo estatal chinês, que prejudicam empresas e trabalhadores dos Estados Unidos, distorcem os mercados globais, violam as normas internacionais e poluem o ambiente. Os EUA sinalizam ainda valores essenciais, como o inalienável direito de cada pessoa viver a sua vida em Liberdade e ser livre na sua busca de felicidade, aspecto não de somenos, que consideram que a China não assegura. Coisa, aliás, que não é preciso ser presciente para reconhecer como indiscutível. E ainda, no que à segurança concerne, preocupações com as movimentações chinesas muito ostensivas no Mar Amarelo, mar do Este e do Sul da China, estreito de Taiwan e fronteira com a Índia.

Nós, por cá, na Europa, manifestamos vontade em apoiar o multilateralismo e o combate às alterações climáticas, um empenho na paz internacional, na segurança e no desenvolvimento económico sustentável, na reciprocidade comercial e de investimento e, objectivos mais para consumo interno e menos dependentes da relação com a China, aumento da competitividade da União e necessidade de fortalecer a segurança e as infraestruturas críticas de base tecnológica.

Parece boa (ou dever-lhe-ei chamar boazinha?) a posição da União Europeia, não parece? Confesso-vos que a mim também pareceria, não se desse o caso de ser completamente irrealista e, digamos, inacreditavelmente ingénua.

Melhor, porém, que estas considerações, a estratégia dos Estados Unidos dá-lhe resposta: “[Importa] repensar as políticas das últimas duas décadas – políticas assentes na premissa de que o envolvimento com os rivais e a sua inclusão nas instituições internacionais e no comércio global torná-los-ia actores benignos e parceiros de confiança. Essa premissa mostrou-se, na maior parte das vezes, falsa. Os rivais usam propaganda e outros meios para desacreditar a democracia. Avançam com visões anti-ocidentais e espalham falsa informação para criar divisões entre nós e os nossos aliados.” E vai mais longe alertando para urgência de não confundir rule of law com rule by law; contraterrorismo com opressão; governo representativo com autocracia; e competição de mercado com mercantilismo de direcção estatal.

Voltemos ao bar. A frase que abre este artigo não foi dita por nenhum dos três, foi dita pelo representante dos Atenienses enviado aos Mélios, antes dos primeiros vencerem os segundos em batalha. Tal como nos foi descrito por Tucídides na História da Guerra do Peloponeso. O que é extraordinário é que esta frase foi escrita há mais de 2.500 anos mas, não conhecendo a sua origem ou não a identificando prontamente, o leitor mais crédulo bem poderia pensar que tinha sido proferida por Trump ou por Xi; aposto que ninguém apostou em Von der Leyen.

Porquê? Porque em matéria de Relações Internacionais o Idealismo até pode fazer o seu caminho em tempos de paz e prosperidade, mas quando o calor aperta é o Realismo que mostra como as coisas funcionam.

A Europa até pode dizer, como os Mélios, “Então vós não consentiríeis em deixar-nos tranquilos e em sermos amigos em vez de inimigos, sem nos aliarmos a qualquer dos lados?” Os Atenienses responderam há 2.500 anos que não e aniquilaram-nos. A eles e ao seu Idealismo. Já o Sr. Embaixador dos EUA em Lisboa fez o favor de “avisar” que não.

Mas, nisto, há uma novidade. Entre a apresentação da estratégia e esta ida ao bar, a Sr.ª Von der Leyen fez o discurso do estado da União. E, não sei se por ter lido Tucídides ou porque os sinais de liderança política – num tempo em que, com o ocaso da Sr.ª Merkel e as intermitências do Sr. Macron, ninguém parece verdadeiramente capaz de a assumir na Europa – são mesmo verdadeiros, o que é facto é que a assumpção da China como rival sistémico e a sinalização da importância dos valores das democracias ocidentais e da sua defesa, que já figuravam na estratégia da UE, ganharam agora maior assertividade: “Seja em Hong Kong, Moscovo ou Minsk: a Europa deve adotar uma posição clara e rápida”. Afinal, talvez nem tudo esteja perdido.

Entretanto, na mesa ao fundo da sala, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros português e Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa, num tempo em que os debates sobre questões europeias foram quase erradicados do Parlamento português por conluio do PS e do PSD, disseram qualquer coisa sobre soberania.