A palavra bolha tem-me saltado à vista nos últimos tempos. E não, não se trata de um qualquer jogo de telemóvel para entreter tempo, nem sequer daqueles plásticos de embalar que são também anti-stress. A coisa é séria. Muito séria. É a bolha do imobiliário. É a bolha do turismo. É a bolha das tecnológicas. São uma série de bolhas que parecem estar a encher a grande velocidade. E o problema das bolhas é que nunca sabemos quando rebentam. Mas quando isso acontece, é com estrondo.
De uma coisa ninguém se pode queixar. Da falta de avisos. E eles já não vêm dos habituais pessimistas de serviço. Já não temos, infelizmente, Medina Carreira. Vêm de quem conhece o mercado. De quem tem autoridade para falar dos temas. Sobre a loucura dos preços da habitação foi o próprio Banco de Portugal e a UE a fazerem os alertas. Sobre o boom turístico são os responsáveis hoteleiros a tocar os alarmes. Sobre a febre das startups tecnológicas há artigos de especialistas internacionais desde 2015.
Os sinais estão todos à vista. Estamos num virar de página. Depois da bonança, vem a tempestade. É sempre assim. Sabemos que vai acontecer, apenas não sabemos bem quando. Os bons ciclos são exatamente isso: cíclicos. Está nos livros.
Dez anos depois do Lehman Brothers, em que todos, mas todos, os alertas foram ignorados, até que tudo se desmoronou na tragédia que se sabe. Depois do preço elevadíssimo que pagámos por tantos terem feito ouvidos de mercador. É como se ninguém tivesse aprendido nada.
Disparou a compra de casas. A de carros. A de férias. Os bancos emprestam sem olhar a quem (onde estão os tais mecanismos de controlo prometidos durante a crise?).
Todos já se esqueceram dos que ficaram sem emprego. Dos que tiveram de emigrar. Dos que foram obrigados a vender bens. Dos que perderam grande parte do ordenado. Dos que voltaram a casa dos pais e usaram as suas poupanças ou repartiram as suas parcas reformas.
Vieram os trocos de volta, o turismo deu trabalho e criou novas oportunidades de investimento, Costa e Centeno espalharam o seu optimismo e venderam esperança e o país passou num ápice da depressão à euforia. Sem passagem pela casa de partida. Como se uma borracha apagasse os duros anos em que os sacrifícios impostos, às vezes exagerados, permitiram que Portugal voltasse a recuperar o fôlego. Sem que ninguém achasse que depois da queda abrupta, era bom criar uma qualquer protecção de segurança junto ao precipício do qual continuamos mesmo à beirinha.
Agora até o Governo já gritou que não há dinheiro. Falta um ano de legislatura e foi todo gasto. Sem reformas estruturais. Sem investimento. Deixando os serviços públicos a cair aos pedaços. Apenas usando os euros que caíram da retoma europeia. O lucro dos que, afastados de países inseguros, finalmente nos descobriram como paraíso turístico, com sol (ainda que este ano tardio), boa comida e muita história. Para distribuir sobretudo benesses pela Função Pública e cavar ainda mais o fosso das diferenças para o privado.
Depois veio Draghi antecipar que em Dezembro acabou-se a papa doce. Não há mais ajudas. Cada um que continue a caminhar sozinho. Já não está para aparar mais quedas. É claro que os juros ainda vão ficar baratos uns tempos. Que a guerra comercial de Trump contrabalança com a sua recente amizade com os norte-coreanos. Que até devemos ter mais umas semanas de bola. Que Ronaldo nos pôs nas capas dos jornais de todo o mundo. Que até o verão já chegou. Que ainda nem ardeu nada. Que o próximo OE, mesmo com o engulho dos professores, as guerras com a extrema esquerda e na extrema esquerda, vai passar.
Mas, e depois?
Quando o PCP se afastar definitivamente porque não pode arriscar ficar atrás do Bloco? Quando o Bloco quiser marcar terreno para entrar num possível governo? Quando Rio for tão pressionado internamente que comece em campanha e a fazer as suas propostas?
O que virá depois?
Quando todos já nos tiverem visitado e descobrirem um qualquer outro tesouro barato (olhem ali os Balcãs e os Bálticos à espera)? Quando os juros escalarem depois da consumação do Brexit? Quando já nem houver Bruno de Carvalho para abrir telejornais? Quando toda a gente tiver de voltar à procurar casas baratas nos subúrbios, onde se amontoarão novos dormitórios sem condições? Quando os verdadeiros efeitos da falta de reformas e de investimento se tornar tão evidente que os seus efeitos criarão uma bola de neve a descer o Everest? Quando já não houver nem mais um centavo para despejar sobre um conflito com uma classe gritado em parangonas na capa de um jornal ou numa televisão? Quando os sindicatos voltarem todos a ter de ajudar o PCP a não repetir a tragédia das autárquicas?
Depois rebenta a bolha.
E lá voltaremos ao mesmo. Alguém terá de colar os cacos. E muita gente será outra vez atingida. É o risco de aceitar viver dentro de bolhas de ilusão.
Só mais duas ou três coisas
- Gosto das selfies de Marcelo. Que é como dizer: gosto do estilo de Marcelo, um Presidente que se aproximou das pessoas. Não gosto das fotos de Marcelo. Que é como dizer: não gosto dos encontros que está a ter para ter mais uns retratos na estante. Com Putin, ainda teve a desculpa do Mundial. Mas o que o faz ir, duas semanas depois, de novo, ao EUA, só para se encontrar com Donald Trump? Há as Lajes, como sempre, há os portugueses, certo. Mas faz mesmo sentido este encontro, num momento em que Trump trava uma guerra comercial com o mundo, com retaliações da UE, e em que o mundo trava uma guerra com ele, por causa da política de tolerância zero que tem separado as crianças das suas famílias na fronteira? Eu gostava que Marcelo tivesse estado naquela foto histórica em que Merkel afronta Trump. Não que fosse à Casa Branca só para o ‘boneco’.
- A geringonça desengonçou com a discussão sobre os impostos dos combustíveis. A geringonça está com as roldanas a chiar por causa das reinvindicações dos professores. A geringonça ficou com parafusos desapertados por causa do código do trabalho. Mas o motor não vai gripar… Esqueçam! Assistimos apenas ao ajustar das várias peças para um Orçamento que é mais do que isso para todos os partidos da maquineta. É a grelha de partida para um ano de eleições. E todos querem partir da posição que mais os favorece.